Estive à conversa com Ricardo M. Pereira, um dos responsáveis da editora Ala dos Livros, e um bom amigo, que, bem à semelhança daquilo a que nos tem habituado, falou abertamente das novidades da editora para o próximo ano, enquanto também abordou outras questões bastante interessantes sobre as atividades da editora.
Assumindo que o ano de 2023 foi um ano para "arrumar a casa", Ricardo apresentou algumas das novidades para o próximo ano que, meus amigos, são muito empolgantes!
Não há nem uma novidade que eu não considere de boa qualidade, mas não posso deixar de manifestar o meu entusiasmo com a maravilhosa série Shi, de Zidrou e Homs, e com Le Petit Frère, de Jean-Louis Tripp, que é um daqueles livros para a vida. Uma obra verdadeiramente OBRIGATÓRIA!
Mas há mais novidades para além destas, portanto, não deixem de ler a entrevista mais abaixo.
ENTREVISTA
1. Para a Ala dos Livros, o ano de 2023 tem sido um ano para "arrumar a casa" com a editora a continuar a editar tomos de algumas séries que já tinha começado anteriormente, como Blacksad, Mattéo, Undertaker, O Corvo, O Mercenário ou a publicação do segundo e último tomo de O Sangue das Cerejas (de Os Passageiros do Vento). Trará o ano de 2024 um maior número de surpresas e apostas por parte da Ala dos Livros?
Eu próprio já tinha referido que 2023 era um ano para arrumar a casa. Como 5º ano de actividade, foi sobretudo um ano de consolidação do que temos vindo a fazer aos poucos, tanto em termos de construção de catálogo, como de posicionamento da Ala dos Livros no mercado. O “arrumar da casa” não se prende apenas com a continuação e conclusão e séries, mas também com outras opções estratégicas que pensamos estava na altura de serem tomadas. Refiro-me à participação directa em eventos importantes como a Feira do Livro de Lisboa ou à alteração do nosso sistema de distribuição, tendo a Ala dos Livros passado desde abril a ser distribuída pela VASP.
Presumo que quando falas de apostas e surpresas te referes a novas séries e/ou autores e não tanto às séries que temos em continuação. Nesse domínio posso confirmar-te que tal como em 2023, haverá algumas (boas) surpresas.
2. Em termos de apostas em novas séries, tivemos apenas a coleção dedicada às Obras de Pratt. Quantos mais livros desta coleção - e quais - serão publicados em 2024?
Quantos? Ui… Ainda faltam muitos! (se fosse uma conversa aqui entravam os “risos”…)
Os livros de Pratt que estamos a publicar não são, no original, considerados uma série, nem são referenciados directamente como colecção. Excepto Os Escorpiões do Deserto, podemos considerá-los obras de autor, isoladas.
Consideramos que Hugo Pratt é uma referência, um autor maior, com uma relevância ímpar na história da BD, demasiado amplo, rico e diversificado para ser reduzido à série Corto Maltese. Tem uma obra vastíssima, inclusive em colaboração com outros autores. Com aquilo que chamámos a colecção “Obras de Pratt” queremos evidenciar precisamente a “grandiosidade” de Pratt enquanto autor.
Em 2024, o objectivo é virmos a publicar 2 a 3 livros desta colecção.
3. Mesmo assim, tendo sido o tal ano de "arrumar a casa", ainda houve espaço para a aposta em novas obras one shot, como Menina Baudelaire, O Livro das Maravilhas, Elise e os Novos Partisans, Uma Estrela de Algodão Preto ou Por Tutatis! (se é que poderemos considerar esta última como uma obra one shot). Podemos esperar que, em 2024, igual ou superior número de obras one shot sejam lançadas pela Ala dos Livros?
A definição do nosso programa editorial tem a ver com a nossa capacidade de produção.
No programa editorial de 2023 houve espaço para 19 livros, 9 dos quais não faziam parte de quaisquer séries ou coleções que tivéssemos iniciado.
Consideramos que houve um equilíbrio entre continuidade e coisas novas e demos prioridade à continuação e/ou conclusão de algumas séries. No fundo, qualquer ano editorial será sempre por nós gerido com esse equilíbrio necessário (e nem sempre fácil) entre séries em continuação e obras isoladas ou de menor extensão. 2024 não será excepção.
4. Os livros estão mais caros. É um facto. Pelo aumento do preço da matéria-prima – em especial, do papel – mas também por outros fatores. Sentes que isso, bem como a conjectura económica que vivemos, está a afetar as vendas da editora ou as pessoas continuam a fazer um esforço para comprar os livros?
Há diversos factores que contribuem para o aumento do preço dos livros, uns directos outros indirectos, mas há dois que têm um peso muito importante: as tiragens e a distribuição/logística.
Enquanto o mercado não permitir aumentar as tiragens, dificilmente haverá uma descida no preço dos livros.
Em relação às vendas, e também porque iniciámos este ano um novo modelo de distribuição, ainda não podemos formar uma conclusão neste domínio – é algo que terá que ser analisado de forma mais detalhada.
O que sentimos é que, apesar do recente “boom” de interesse por parte das editoras, em geral, pela BD, tem havido uma redução do espaço de comercialização do livro e dentro deste da BD, com ciclos de vida e exposição mais curtos. As novidades “matam” as novidades anteriores/seguintes. Isso tem o seu impacto na diversidade de produtos a que os leitores mais “ocasionais” têm acesso.
5. Poderá haver um retrocesso no preço dos livros, e voltarmos aos preços de 2020/2021 ou não acreditas que isso venha a acontecer?
Não sei nem posso fazer essa previsão, mas dificilmente antevejo esse cenário como possível.
Os últimos dois anos demonstraram que o cenário económico (entre tantos outros…) pode mudar de forma repentina pelos mais variados motivos.
Ao nível da edição, parece que estamos numa fase de estabilização, tanto dos custos, como da disponibilidade de matérias primas. É um facto que aumentou, mas o custo do papel já não é o único custo a inflacionar o preço.
O que posso dizer-te é que, da nossa parte, se houver essa redução de custos, a faremos reflectir no preço final dos livros. Posso também dizer-te que, apesar dos aumentos dos custos, temos feito um esforço para manter os preços finais controlados, ao mesmo tempo que continuamos a apresentar livros nos quais optamos por não sacrificar características como o formato, o papel usado ou o tipo de encadernação.
6. O ano de 2023 ainda não terminou e estou ciente que os resultados das vendas dos livros acabam por só ser percebidos vários meses depois. De qualquer maneira, e tendo em conta a tua própria sensibilidade do mercado, que livro consideras ter sido o vosso campeão de vendas de 2023?
Definir um campeão de vendas é algo subjectivo. Campeões de vendas são os livros que se destacam durante várias semanas nos Tops de vendas e que são geralmente nomes mais difíceis de negociar para pequenas editoras.
Mas posso indicar-te 4 títulos que editámos com cujas colocações ficámos bastante satisfeitos:
- A Colheita de Samhein, a nossa primeira aposta fora da BD no segmento da literatura fantástica onde a concorrência é muito forte e que teve muito boa aceitação.
- Menina Baudelaire, um dos títulos que dirigimos a um mercado mais maduro e seguidor de BD e não deixou indiferentes também os leitores de outros segmentos.
- Por Tutatis!, que cumpriu precisamente o que pretendíamos alcançar.
- Koinsky relata…, que em pouco mais de um mês está a alavancar de certa forma o conceito desta colecção “Obras de Pratt” junto dos leitores.
Nos livros que não comercializámos, ou seja, naqueles que tínhamos previsto editar e estamos certos de que seriam títulos muito fortes e que, por um motivo ou outro, acabaram por ser adiados.
Entre eles está O Mundo Sem Fim [de Jean-Marc Jancovici e Christophe Blain] que de todos os livros publicados em França (incluindo literatura) foi o livro mais vendido em 2022.
É um livro que tem muito trabalho editorial. Uma vez que não conseguimos acabá-lo a tempo de ser publicado em Setembro, como tínhamos pensado, achámos que ao ser comercializado no final do ano corria o risco de passar despercebido nos pontos de venda.
Sairá no início do próximo ano.
8. Como sabes, a série Blacksad é uma das minhas séries favoritas de banda desenhada. Como tal, gosto sempre de saber, em especial, como correm as vendas de séries de que eu gosto particularmente. Está a correr bem a adesão do público a Blacksad?
As novidades Blacksad são sempre um título com grande aceitação.
Sendo a mais recente, pela primeira vez, uma história em 2 volumes, havia uma expectativa ainda maior no que refere à conclusão da história.
Não te posso responder em concreto sobre vendas porque, infelizmente, e devido a um atraso da parte da transportadora, a chegada do tomo 7 aos leitores sofreu um atraso em relação ao que tínhamos previsto. É algo a que somos alheios, mas que acontece.
De qualquer forma, e relativamente aos 3 volumes que já estavam no mercado, em termos de contacto com o público e dos resultados da feira do livro, festivais, tudo confirma o estatuto de Blacksad como uma série de excepção e com grande reconhecimento. Acho que o facto de ter estado parada algum tempo e surgir agora novamente está a contribuir para revitalizar o interesse pela série e encontrar novos públicos. É curioso ver que há muitos leitores mais jovens que a (re)conhecem.
9. E, já agora, são muito diferentes os números entre as vendas dos últimos dois tomos de Blacksad (Então, tudo cai) e dos primeiros tomos que vocês têm vindo a relançar em formato para colecionadores?
A proposta de reedição de uma série icónica da BD como Blacksad num formato pouco habitual (para não dizer inédito) no mercado português foi uma decisão pensada também para abrir esse mercado a outras possibilidades.
As tiragens são diferentes, as colocações são diferentes, as vendas são diferentes. As reedições e/ou reimpressões raramente têm o mesmo desempenho das novidades. A noção de coleccionador em Portugal também tem as suas particularidades: o que é o coleccionador de BD? O leitor que colecciona uma série? Todos os livros de um autor?
Para nós, livros com a apresentação que demos a O Mercenário ou as reedições de Blacksad – que pretendemos uma edição definitiva – são livros para pessoas que, como nós, valorizam também o livro objecto (sendo ou não “coleccionadores”). Propor aos leitores um formato que, para além dos livros em si, se reveste realmente como uma colecção identificável e única. Este será um formato que vamos manter sempre que entendermos que a série em causa o justifica. Mas é precisamente por serem diferentes do que tinha sido publicado que estes dois primeiros volumes têm atraído a atenção dos leitores.
Quando, espero, a seu tempo reeditarmos os volumes 6 e 7 como parte da colecção definitiva, espero poder responder-te sobre essa comparação directa das vendas entre o formato “normal” e o da colecção definitiva – e a diferença de preço – que no fundo, embora a questão seja feita de outra forma, é isso que (muitos…) nos querem perguntar.
10. Até ao final do ano 2023, ainda serão lançadas algumas novas obras? Quais?
Já anunciámos que iremos ter A Passagem Impossível - a última obra do mestre José Ruy e que iremos publicar tal como a deixou, parcialmente terminada.
Penso que, além da obra em si, será também um legado documental do enorme trabalho de um grande autor da BD nacional e ao mesmo tempo alguém que nos é bastante querido. Publicar uma obra como a deixou é uma daquelas ocasiões que nos fazem sentir um orgulho especial por termos a possibilidade de estar na edição e de o fazermos nesta nossa “casa” editorial.
A Passagem Impossível, de José Ruy
11. E que novas obras poderemos esperar para 2024?
Há algumas obras com negociações ainda a decorrer e outras que decerto irão surgir, mas a receita do nosso programa editorial não tem grandes segredos: cerca de 20 títulos por ano séries – previsíveis – em continuação, autores portugueses e novidades.
Séries em continuação: A Adopção, O Mercenário, Obras de Pratt, Undertaker, Wild West..
A Adopção #3, de Zidrou e Monin
[Nota: Tendo em conta que a editora editou um volume duplo com os tomos 1 e 2, é expectável que edite também um volume duplo com os tomos 3 e 4]
A Adopção #4, de Zidrou e Monin
[Nota: Tendo em conta que a editora editou um volume duplo com os tomos 1 e 2, é expectável que edite também um volume duplo com os tomos 3 e 4]
O Mercenário #5, de Vicente Segrelles
O Mercenário #12, de Vicente Segrelles
Undertaker #7 - Mister Prairie, de Xavier Dorison e Ralph Meyer
Wild West #3 - Scapls en Série, de Lamontagne e Gloris
Autores portugueses: Luís Louro (claro… e teremos os 30 anos do Corvo), Marco Calhorda que regressa ao universo de CoBrA.
O Corvo #2, de Luís Louro
Prancha de CoBrA #2, de Marco Calhorda e Zoran Jovicic
Coisas novas: O Mundo Sem Fim, SHI, El Fuego, [Pocahontas, de] Prugne… Le Petit Frére…
O Mundo Sem Fim, de Jancovici e Blain
Shi, de Zidrou e Homs
El Fuego, de David Rubín
Pocahontas, de Patrick Prugne
Le Petit Frère, de Jean-Louis Tripp
Obrigado!
Algumas novidades interessantes - "O Mundo Sem Fim", o regresso de Blain ao mercado nacional e (desta vez,) espero que devidamente promovido, o (também) regresso de David Rubín com o excelente "El Fuego" (que já adquiri em 2022) e fico muito curioso em relação a "Le Petit Frère". O resto não me desperta grande curiosidade. Porquê esta insistência sobre Zidrou tendo em conta que existem tantos e bons autores/as ainda ausentes no mercado nacional?. As editoras não deveriam diversificar? Falando em Zidrou há novidades quanto ao 2º volume da "Fera"?...
ResponderEliminarAntónio,
EliminarJoseph Homs (o desenhador de SHI), e independentemente do argumentista com quem trabalhe, é para nós um grande desenhador. Gostamos de várias obras que desenhou, incluindo o Millenium, e achamos SHI uma obra magistral, quer em termos de desenho, quer em termos de cor. Sendo o argumento do Zidrou, tem a particularidade de ser uma obra que sai das histórias pessoais e diárias a que a maior parte dos seus argumentos nos habituaram.
A "A Adopção" é uma série que iniciámos e que iremos publicar sempre que hajam novos volumes. Gostamos do desenho, da ternura das cores e achamos que se enquadra numa diversificação de catálogo que queremos ter. Tal como a obra “O MERGULHO” que também publicámos.
Em relação a "A FERA" não é publicada por nós. Terá de dirigir a sua pergunta aos nossos colegas de A Seita.
Boa tarde Ricardo, agradeço a sua resposta franca e aberta. Como entendeu não teço aqui nenhuma crítica ao vosso trabalho editorial que considero, em geral, de qualidade, nem às obras e autores que refere mas apenas aqueles, do conjunto, que aprecio e me parecem mais interessantes. Sou também apreciador de alguns trabalhos de Zidrou. Nos últimos 2 anos têm-se multiplicado o número de títulos deste autor no mercado nacional, tanto como guionista assim como desenhador. Nada apontar também aqui, no entanto considero que continuam ainda a permanecer de fora muitos autores e obras de qualidade e concentrar vários títulos sobre um único percurso autoral (neste caso Zidrou) acaba por diminuir a oportunidade de ver outras surgirem nos escaparates. Espero não estar a ser injusto na minha apreciação e compreendo que o vosso trabalho é, acima de tudo, escolhas. Para mim como leitor, fã e colecionador a palavra chave continua a ser diversificação.
EliminarResta-me apenas desejar-vos um excelente ano de 2024 repleto de boas edições e de sucessos, apesar das difíceis circunstâncias que atravessamos.
Boa! Continuação do "A Adopção"!
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