sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Análise: O Livro das Maravilhas

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard

Embora o estilo geral dos lançamentos de banda desenhada da editora Ala dos Livros repercuta uma clara aposta na 9ª arte de cariz mais clássico, a editora tem revelado, ainda assim, espaço para a aposta em algumas obras mais alternativas. É o caso deste O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard.

E, claro, quando falo em “alternativa”, não quero dizer que este livro, que hoje vos trago, seja de estilo alternativo ou, sequer, uma “carta fora do baralho” em termos daquilo a que a editora portuguesa nos tem habituado. Todavia, considero que é uma obra que, quer na história que nos traz, quer no desenho, se assume como diferente e que, por conseguinte, se afasta um bocado do estilo de outras obras da editora. E que bom isso é! Viva a diversidade!

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
Começando pela história, aquilo que este O Livro das Maravilhas propõe, é uma biografia algo livre das aventuras de Marco Polo. O próprio subtítulo da obra é “Livremente adaptado das narrativas de Marco Polo”. A altura deste lançamento é, aliás, curiosa, se tivermos em conta que, ainda há poucos meses, a Gradiva editou, em dois volumes, uma biografia em banda desenhada de Marco Polo. Claro que ambos os livros apresentam abordagens diferentes. Se a BD publicada pela Gradiva procura ser uma obra de cariz mais didático, O Livro das Maravilhas procura ser uma releitura das aventuras de Marco Polo, fundindo duas histórias na própria narrativa e tendo uma aura mais artística e profunda.

Assim, somos confrontados com a história de um velho que, acompanhado por um jovem, vai-lhe narrando as aventuras de Marco Polo. Aliás, ele - o velho - assume-se como o próprio Marco Polo. Mas, ao mesmo tempo, esses próprios momentos de narração, também encerram em si uma side story, chamemos-lhe assim, em que a relação deste ancião e deste jovem se começa a fortalecer. Na verdade, o jovem rapaz até vai ficando perto do velho, acompanhando-o na sua jornada, apenas por gostar de ouvir as suas histórias. Afinal de contas, uma história sempre terá o poder de nos deixar agarrados a ela. Especialmente as histórias de Marco Polo que, até mesmo nos dias de hoje, estão longe de ser consensuais face à sua legitimidade e precisão.

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
Devo dizer que este é um livro que nem sempre manteve a minha atenção em altas. Se o começo é forte, penso que o meio da história – curiosamente, aquela parte que é mais descritiva das viagens de Marco Polo e todo o périplo que o leva de Veneza até à China – se torna, em termos de discurso, algo sensaborão, lento e mais focado em narrar algumas das aventuras mais conhecidas de Marco Polo, ao invés de utilizar esses eventos para a própria narrativa que apresenta. Até porque, convenhamos, é no plot twist final que está a magia deste livro. Mesmo admitindo que a obra acaba de forma bem bela e profunda no significado, devo dizer que teria apreciado ainda mais este livro se o tal final começasse a ser tecido mais cedo e, a partir daí, tivesse sido explanada a mensagem para outros campos possíveis. E mesmo que isso significasse reduzir a parte das aventuras de Marco Polo.

Sugerir que se reduza o espaço dado à aventura pode parecer, pelo menos no plano teórico, uma má ideia. Mas, neste livro, sinto especialmente isso porque a parte das aventuras é bem mais narrada, em texto, do que demonstrada, em desenhos. Isto porque há um certo desprendimento entre o texto e o desenho. Não diria que ambas as vertentes choquem entre si, mas parece-me que Froissard não será – ou, pelo menos, neste livro não o demonstra ser – o autor mais indicado para o desenho de ação e de aventura. É um ilustrador mais exímio nos cenários, nas paisagens e nas questões mais metafísicas. Em álbuns que tenham um ritmo mais lento, portanto. E acho que é nesse ponto, que este livro me desiludiu. Atenção que não estou a dizer que não é um livro bom. E que merece ser conhecido. A história é interessante, tem algum valor didático e tem desenhos muito belos. Mas, de alguma forma, não sei se consegue a harmonia que se pretendia.

O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros
Focando-me nas ilustrações, O Livro das Maravilhas também traz algumas maravilhas. O estilo de desenho de Vincent Froissard utiliza a técnica do carvão e apresenta um traço semi-caricatural, onde se destacam os cenários exteriores, com belas e contemplativas paisagens de perder de vista e outros tantos desenhos de cariz mais metafísico e onírico. A beleza e originalidade são constantes.

As cores, por vezes demasiado escuras e/ou esbatidas, onde predominam os cinzentos, os azúis, os castanhos e os verdes, aumentam a aura misteriosa da imagética do livro, mas, por outro lado, tornam a arte menos legível. 

O estilo de ilustração de Froissard é, de facto, muito poético, o que faz com que a leitura desta obra pressuponha uma verdadeira viagem contemplativa. Por vezes, até achei que fosse contemplativa em demasia, já que, amiúde, me pareceu que havia alguma aleatoriedade nos desenhos, face às palavras. Dito de outra forma, são várias as vezes em que nos está a ser contada uma coisa e aquilo que vemos, em termos de desenho, não está relacionado com o que nos é relatado. Torna-se, por isso, óbvio que o ilustrador teve uma forte liberdade para desenhar o que quisesse, a seu belo prazer. Infelizmente, acho que poderia haver uma ligação mais estreita entre texto e imagem. Isto não acontece sempre, está claro, mas acontece demasiadas vezes para não receber uma menção da minha parte.

A edição da Ala dos Livros volta a ser muito boa. O livro tem capa dura baça, com alguns detalhes a verniz, e bom papel brilhante, que é complementado com uma boa encadernação e impressão. Mesmo havendo algumas vinhetas que me pareceram escuras demais, olhando para o estilo de desenho e cor do autor, parece-me que isso não é imputável à editora portuguesa.

Já que falei da capa, permitam-me dizer que considero a capa deste livro como uma das mais belas do ano! Verdadeiramente “maravilhosa”, lá está!

Em suma, O Livro das Maravilhas é um álbum que, embora apresente uma bela história - que nos leva a relembrar as viagens de Marco Polo e que ainda reserva espaço para surpreender o leitor - e tenha belos desenhos contemplativos e diferentes daquilo que, normalmente, nos é dado a degustar, apresenta, quanto a mim, alguns desequilíbrios que, infelizmente, retiram o grande potencial a este livro de ser uma obra mais impactante.


NOTA FINAL (1/10):
8.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Livro das Maravilhas, de Étienne Le Roux e Vincent Froissard - Ala dos Livros

Ficha técnica
O Livro das Maravilhas
Autores: Etienne Le Roux e Vincent Froissard
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 76, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2023

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