terça-feira, 22 de agosto de 2023

Análise: A Oeste



A Oeste, de João Amaral

Foi no passado mês de abril que João Amaral voltou ao lançamento de banda desenhada, com um novo livro publicado pela editora Escorpião Azul.

Chama-se A Oeste e volta, como o nome sugere, a ser um western, depois do autor ter lançado, no ano passado Rattlesnake Porém, e mesmo tendo todos os ingredientes clássicos do cânone do género western, desta vez a história passa-se em Portugal, na viragem do séc. XIX para o séc. XX. E, também contrariamente a Rattlesnake, esta nova obra de João Amaral também apresenta um formato italiano (horizontal) e é desenhada a preto e branco.

Aplaudo essa proatividade do autor em não fazer necessariamente "mais do mesmo" mesmo que, obviamente, haja parecenças entre as duas obras, a começar pela protagonista que parece ser a mesma personagem. Com efeito, em alguns casos, se um livro de um autor é feito de uma maneira, isso não pressupõe que o autor não faça as coisas de maneira completamente diferente no livro seguinte. Gosto dessa capacidade de alterar processos que alguns autores têm e João Amaral, certamente, revela engenho de mudança. 

E convenhamos que A Oeste supera Rattlesnake em praticamente todos os cômputos.

Em termos de história, a obra oferece-nos novamente, tal como já indicado, uma personagem feminina como protagonista. E, à semelhança do que acontece em Rattlesnake, aqui também estamos perante uma figura misteriosa de quem ninguém sabe muito. Nem sequer o seu nome é algo que seja apresentado às outras personagens e aos leitores, mas, ainda assim, sabemos que a esta heroína justiceira é conhecida como a Vampira.

Gostei particularmente do início da história que, à boa maneira do célebre western spaghetti que o cinema italiano nos ofereceu, começa com longas cenas mudas que procuram ambientar e apresentar as personagens. Depois disso, temos uma linha narrativa simples. Uma criança vai pedir ajuda a uma localidade, pois a quinta dos seus pais foi tomada de assalto por um bandido. Acontece que esse bandido já tem um passado nefasto com Vampira, o que acaba por permitir que, ao ajudar o rapaz e a sua família, a protagonista consiga matar dois coelhos de uma cajadada e fazer justiça, vingando o seu passado. Se o conseguir, claro está. De resto, a trama é bastante linear.

Uma coisa que é bem-vinda e que, quiçá, poderia ter sido mais bem explorada por João Amaral, é a ambientação política da trama. Como estamos na aurora da implementação da República em Portugal, é interessante que a história volte a colocar em cima da mesa os prós e os contras de um regime monárquico e de um regime republicano. É pena que o tema só apareça mais para o final do livro, mas é, seguramente, algo que considero positivo e que atribui valor à obra.

Onde o livro mais peca é na questão dos diálogos que não parecem, de todo, reais. Isso foi algo que também referi na minha análise a Rattlesnake. E também em A Oeste, os diálogos estão demasiado "a oeste" de estarem bem conseguidos, permitam-me a expressão. Quer no tipo de linguagem, quer na própria quantidade de texto, ninguém fala como as personagens de A Oeste falam. Um exemplo: quando Vampira, falando com a criança João, diz, num só balão, a seguinte frase: “Atacarei depois do sol se pôr, o que já não demorará muito. Preciso, no entanto, que sigas sempre atrás de mim e quando te mandar parar, pares! Lembra-te que, se não me obedeceres, isso poderá ser fatal para nós e para a tua família”. Não só a frase é grande demais para ser proferida de uma só vez, como é completamente inverosímil no estilo de discurso que se teria para com uma criança. Note-se que este foi um exemplo aleatório pois, na verdade, e infelizmente, casos destes acontecem ao longo de todo o livro.

Sem dúvida que, em termos de desenhos, João Amaral se apresenta mais à vontade neste registo a preto e branco, com os seus desenhos a funcionarem bem melhor do que no anterior Rattlesnake. Lembro-me que, uma das minhas críticas a esse livro foi, aliás, a presença de uma grande heterogeneidade no desenho das caras e da fisionomia das personagens. Por vezes, a mesma personagem era desenhada de forma tão diferente, que parecia outra personagem. Em A Oeste isso ainda acontece, mas acontece menos frequentemente. O desenho parece mais bem nivelado entre si, o que aumenta a continuidade visual que é tão importante em banda desenhada. Ainda assim, especialmente na caracterização facial de João, a criança que acompanha Vampira na sua luta, o trabalho de João Amaral poderia ter sido mais consistente.

Não obstante, parece-me óbvio que as ilustrações a preto e branco do autor permitem efeitos muito bem conseguidos a nível de cenário e também da exploração das sombras e do espaço negativo dos desenhos. Sem dúvida que funciona bem melhor. O formato italiano utilizado também acaba por ser propício a uma aura cinematográfica que é bem-vinda. Finalmente, também apreciei especialmente a caracterização visual do vilão da história, que se revela carismática e marcante.

A edição da Escorpião Azul é em capa mole com badanas, papel baço decente e boa encadernação e impressão. Muito em linha com aquilo que a editora normalmente nos oferece.

Em suma, A Oeste, de João Amaral, representa uma melhoria em relação a Rattlesnake. Mesmo sendo verdade que há algumas coisas que poderiam (e deveriam!) ter sido feitas de uma forma mais constante e credível, não deixa de ser verdade que a aposta no preto e branco e no formato italiano permitem um livro mais coeso, que poderá agradar especialmente a fãs do género western em banda desenhada.


NOTA FINAL (1/10):
6.7



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
A Oeste
Autor: João Amaral
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 24 x 17 cm
Lançamento: Abril de 2023

2 comentários:

  1. Anatomicamente é de partir a rir algumas posições corporais... A segurar as armas, etc...

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