A Polvo lançou recentemente, no Amadora BD, o livro Volta – O Despertar dos Gigantes de Gelo que assinala o regresso da dupla nacional constituída por André Oliveira e André Caetano a esta saga que está pensada para ser uma trilogia.
Oito anos separam o lançamento do primeiro e segundo álbuns. Lembro-me que já tinha lido, por alturas do seu lançamento, o primeiro álbum intitulado Volta – O Segredo do Vale das Sombras. Mas como já não me lembrava muito bem da sua história e para poder mergulhar melhor no universo deste segundo Volta, que tem o título de O Despertar dos Gigantes de Gelo, decidi voltar a ler, de uma só vez, os dois volumes e analisá-los conjuntamente. O que acabou por ser um exercício pertinente e interessante.
É que, apesar de ser uma história em continuação, há, por ventura, uma certa quebra entre um volume e o outro. A vários níveis. Mas já lá irei.
Em primeiro lugar, e começando por abordar o trabalho de André Caetano ao nível das ilustrações, houve uma clara evolução e melhoria do Volta #1 para o Volta #2. Este segundo álbum é muito mais bonito e bem executado do que o primeiro ao nível do desenho. E não me entendam mal relativamente ao que acabei de escrever. Volta #1 já era um álbum bastante bonito, sim, onde ficava claro o potencial e skill de Caetano nas ilustrações e na capacidade de construir toda uma tónica visual única e especial.
No entanto, aquilo que o autor faz neste O Despertar dos Gigantes de Gelo é manifestamente (ainda) mais especial! Desde logo, o traço a preto e branco de André Caetano, onde as camadas a cinza aumentam a textura visual das ilustrações, parece mais confiante, limpo e dinâmico a todos os níveis. A utilização do preto e branco, onde o traço por vezes é mais grosso e seguro de si mesmo, apresenta-se-nos, pois, com mais beleza. E até mesmo a própria utilização do formato italiano (horizontal) parece ser mais bem aproveitada pelo autor para nos passar uma experiência mais imersiva e cinematográfica. E isto já para não falar nos maravilhosos cenários - onde as tempestades de neve parecem congelar-nos - nas belas cenas de ação e nos variados monstros que André Caetano tão bem (re)cria.
E, depois, sucede algo bastante interessante neste Volta #2: é que parece que a história é talhada para ir ao encontro das competências, estilo e gosto de André Caetano. O autor, que domina muito bem o desenho dos ambientes paisagísticos, das florestas, das tempestades de neve, da natureza e até das figuras mitológicas do foro (mais) fantástico, tem neste Volta #2 um autêntico playground para se recriar. Em Volta #1 não houve tanto espaço para isso. Dito de outra forma, em Volta #1 parece que foi mais André Caetano que encaixou no estilo e forma de André Oliveira e, em Volta #2, parece ter ocorrido o oposto, isto é, que foi André Oliveira que melhor soube moldar a sua história para um mais bem conseguido aproveitamento do talento de André Caetano. Se se ganhou na parte das ilustrações, a parte do argumento deste Volta #2 ficou uns furos abaixo em relação ao primeiro volume.
Mas recuemos então à proposta de história que André Oliveira nos traz nesta saga. Tudo começa quando um ciclista chega - sem saber muito bem como - a uma pequena aldeia, denominada Reste du Monde, que parece parada no tempo. Embora este ciclista, que fica apelidado como Campeão, pareça vagamente contemporâneo, a verdade é que as gentes da aldeia parecem de um tempo mais longínquo ainda. O que causa uma interessante dúvida e insegurança na população local. E embora Campeão esteja de passagem, acaba por permanecer em Reste du Monde, encontrando o amor e debatendo-se com alguns dos monstros que parecem atormentar a aldeia. Ou serão os monstros que o atormentam a ele mesmo? Há, portanto, um cariz de conto fantástico ou de terror nesta história, embora a mesma assuma com mais inclinação um tom de mistério que, quanto a mim, envolve melhor o leitor, fazendo-o cismar sobre o que pode ou não vir a acontecer às personagens. Por outro lado, Campeão também parece ter sido vítima de uma experiência traumática no seu passado que o inviabiliza de continuar o seu percurso pessoal sem que enfrente certos esqueletos do seu armário. Acaba por acontecer uma revelação, já no final desse primeiro volume, que responde a algumas das questões levantadas.
Em Volta #2, onde a escrita de André Oliveira, expetavelmente, se mantém profunda e bem explanada – embora, por vezes, algo vaga -, acompanhamos a caminhada de Campeão e Violeta por montanhas geladas, atravessando inóspitas tempestades de neve. Desta vez, após ficar soterrado por uma avalanche, o casal acaba por ser resgatado por criaturas fantásticas. Os sonhos de Campeão continuam a atormentá-lo – enquanto nos dão algumas luzes sobre o seu passado – mas, tirando isso, e a companhia de Violeta, não há muitas coisas que unam este segundo volume ao primeiro volume da saga. Não diria que exista um fio condutor. Pelo menos, de forma direta e/ou coerente. A menos, claro, que no terceiro e último volume, André Oliveira venha a cozer todas estas linhas soltas. Mas se, por um lado, este corte com o enredo do primeiro para o segundo tomo, parece algo abrupto e até mesmo aleatório, este O Despertar dos Gigantes de Gelo acaba por ter a vantagem de também poder ser lido de forma isolada. Sem que se tenha lido ou se conheça, sequer, o álbum anterior.
Mesmo assim, é verdade que a figura de Campeão surge novamente carregada de alegorias e metáforas que, embora nunca sejam realmente resolvidas ou reveladas pelo argumentista, servem como ponte de ligação para a intrincada conceção do protagonista da história. Campeão volta a ser reconhecido pelos demais como um predestinado para algo maior. Ao contrário do primeiro volume de Volta onde parecíamos estar perante um episódio de Twin Peaks, neste segundo tomo parece que aterrámos dentro de um dos filmes da saga de O Senhor dos Anéis. Há muitas criaturas fantásticas e falantes (algumas com um tamanho semelhante a um colosso) que encetam um conflito entre dois grupos/espécies diferentes que parecem reclamar a presença de Campeão junto de si. No final, André Oliveira dá-nos mais umas pistas sobre o passado do protagonista.
É sempre um pouco lato – e por vezes injusto – tecer uma opinião sobre uma história que ainda não está fechada. Ainda assim, quer Volta #1, quer Volta #2, procuram através do mistério – no primeiro volume – e da fantasia – no segundo volume – oferecer-nos uma personagem com um passado sombrio que merece ser resolvido. O argumento acaba por ser bastante abstrato e por vezes confuso, mas também é verdade que nos faz pensar e indagar para onde nos quererá levar o autor. Não sendo, para já, a obra de André Oliveira que mais me agrada, creio que se o autor conseguir fechar com chave de ouro as inúmeras portas que foi abrindo ao longo destes dois volumes, bem como as pontas soltas que deixou pendentes, pode vir a ser uma trilogia brilhante. Mas veremos o que acontece.
Em termos de edição, os livros apresentam capa dura com bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. Isto não esquecendo que o grafismo dos livros – para o qual contarão, certamente, as (boas) opções estéticas de ambos os autores – é muito bonito. Uma nota mais que positiva tem que ser dada à ilustração da capa deste Volta #2. Não é segredo para ninguém que André Caetano é um excelente capista e também é verdade que qualquer uma das duas capas de Volta #1 – especialmente a primeira – é muito bela. Porém, neste Volta #2 o autor foi especialmente feliz. Muitas vezes digo que uma boa capa pode vender um livro. É o caso. Só de olhar para a belíssima ilustração desta capa, já apetece comprar e mergulhar neste ambiente gelado, tão bem reproduzido por André Caetano.
Em suma, ainda que sejam a primeira e segunda parte de uma trilogia, Volta #1 e Volta #2 são bastante diferentes entre si. Do ambiente taciturno e misterioso do primeiro volume, passamos para um registo do fantástico, com inúmeros monstros e criaturas mitológicas que, mesmo criando uma certa rutura algo brusca com o volume anterior e tendo algumas pontas soltas ao nível do argumento, são o engodo para a confirmação do enorme talento desta dupla criativa em termos de banda desenha nacional. Se é que tal “confirmação” ainda é necessária.
NOTA FINAL (1/10):
8.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Volta #1 – O Segredo do Vale das Sombras
Autores: André Oliveira e André Caetano
Editora: Polvo
Páginas: 96, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 240 x 168 mm
Lançamento: Dezembro de 2015
Autores: André Oliveira e André Caetano
Editora: Polvo
Páginas: 96, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 240 x 168 mm
Lançamento: Outubro de 2023
Aproveitei o lançamento do 2o volume desta trilogia (oito anos depois do primeiro!!!…) para reler a série e retomar o fio á meada. Se a arte do André Caetano evolui de maneira significativa (considero-a de nível mundial) o mesmo não se pode dizer do argumento de André Oliveira que me parece mal resolvido e, em partes, confuso. O tom demasiado coloquial dos diálogos retira alguma da “seriedade” que a história requeriria e quebra a narrativa dando origem a algumas sequências gráfica com pouco nexo. Factores a ter em atenção no 3o e último volume que, esperemos, não chegue só daqui a outros 8 anos. No geral nota positiva com algumas ressalvas.
ResponderEliminarConcordo que não é o melhor trabalho de André Oliveira e que deixa muitas pontas soltas. Mas como ainda temos o terceiro volume no horizonte, faço votos para que o autor consiga "resolver" bem a história. E sim, o André Caetano dá-nos ilustrações lindíssimas!
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