Havia uma grande expetativa para o novo Astérix, intitulado O Lírio Branco, cujo lançamento mundial aconteceu há poucas semanas. Não só porque este é o 40º álbum da série – o que é sempre um número “redondo” e assinalável – como também, e especialmente, porque seria o álbum que assinalaria a entrada de um novo argumentista na série.
Depois de Jean-Yves Ferri ter assegurado os argumentos para cinco álbuns de Astérix, este deu lugar ao argumentista francês Fabcaro. Didier Conrad, que já havia assinado as ilustrações dos álbuns lançados com Ferri, mantém-se como ilustrador deste O Lírio Branco.
Ora, daquilo que tenho visto das reações a este 40º álbum da série, especialmente a nível estrangeiro, tenho verificado que parece haver uma certa euforia com a entrada de Fabcaro na série. Quanto a mim, não partilho da mesma. E não é que Fabcaro não tenha feito um trabalho meritório neste O Lírio Branco. Fê-lo. Mas se havia tantos críticos aos álbuns assinados por Ferri, também não compreendo que agora haja tantos elogios ao trabalho de Fabcaro. Porque ambas as contribuições não estão tão distantes assim. Quer em termos de qualidades, quer em termos de fraquezas. Dito por outras palavras, sinceras, ou os argumentos de Ferri não eram assim tão maus como tanta gente apregoava, ou o argumento deste O Lírio Branco não é tão genial como todos parecem exclamar.
Vamos por partes.
Como habitual nas aventuras de Astérix, temos um tema da atualidade a ser transposto para o tempo dos gauleses e dos romanos. O que, descontextualizando os assuntos, gera muitas situações caricatas que, se conseguirmos olhar para Astérix e Companhia como o mero reflexo da nossa sociedade atual, temos um humor revestido de crítica. O que é bom e mais profundo. E, note-se, não é um daquelas críticas incisivas ou profundas, mas uma leve e divertida forma de olhar para nós mesmos e vermos como certas coisas que temos como certas na nossa vida atual, podem soar tão ridículas ou non-sense com o devido afastamento. Idiossincrasias dos tempos contemporâneos, diria. E é isso que Fabcaro tenta fazer neste 40º álbum de Astérix, procurando trazer à tona o espírito e forma de Goscinny.
Assim sendo, o próprio “Lírio Branco” assume-se como uma nova escola de pensamento positivo, oriunda de Roma, que começa a propagar-se pelas grandes cidades, acabando por chegar à aldeia dos Irredutíveis. Esta ideia de pensar positivo e do discurso motivacional – tão em voga nos tempos atuais – é levada ao extremo, de forma a incentivar os exércitos romanos de César, por um lado, e, posteriormente, passando a plano de ação, para conseguir ferir Astérix e os seus companheiros. Ora, o mentor desta escola de pensamento é Palavreadus que, recebendo luz verde do Imperador César, acaba por ser o mastermind e vilão da história.
Se resulta? Certamente! Fabcaro é feliz ao introduzir um tema pertinente dos nossos dias e ao dar-nos algumas piadas que colocam um sorriso na nossa cara. Também há outras piadas menos felizes, ou mais “secas” ou forçadas, onde o argumentista fica aquém. Mesmo assim, o maior louvor que posso fazer a Fabcaro é que esteve particularmente brilhante – levando-me a lembrar algumas das personagens inolvidáveis que Goscinny criou para a série – com a introdução da personagem Palavreadus. É uma personagem divertida, astuta e com uma dupla personalidade uma vez que, sendo romano, procura fazer-se passar por um aliado dos gauleses. Joga nas duas frentes e procura, através de “falinhas mansas”, conquistar simpatia junto dos dois extremos. Isso permite que o argumentista Fabcaro desenvolva muito bem a personagem e que faça com que a mesma fique na nossa lembrança já depois de finalizarmos a leitura de O Lírio Branco. É, quanto a mim, e juntamente com duas ou três piadas bem conseguidas, aquilo que de melhor se retira desta obra.
Porém, também é verdade que, embora comece bem, a meio do livro se sente a narrativa algo arrastada e até algo repetitiva, com a reciclagem de algumas piadas já ditas, anteriormente, no mesmo livro. É, portanto, uma obra que prometia muito ao início, mas que, no final, talvez não corresponda à alta expetativa. Mesmo assim, acaba por ser um livro agradável e leve para se ler.
Quanto ao trabalho de Didier Conrad, considero que continua praticamente igual ao que o autor já nos habituou. Ou seja, há uma clara e fiel proximidade ao trabalho original de Uderzo. Se o autor coloca o seu cunho pessoal, este é muito subtil fazendo com que, a traços gerais, não se notem diferenças (quase) nenhumas com os álbuns de Uderzo.
Mesmo assim, pareceu-me que o autor não esteve tão inspirado desta vez. Não é que haja desenhos mal desenhados ou algo demasiadamente negativo, mas, especialmente a nível de detalhes cénicos ou na tentativa de surpreender um pouco ao nível da planificação (conforme o autor já tinha feito, e bem, em álbuns recentes), dá a ideia que Conrad se conteve mais, arriscando menos. Cumpre, claro, mas não é o seu melhor álbum. E muito menos é a sua melhor capa, que me parece das mais desinspiradas de toda a série.
Quanto à edição da ASA, o livro apresenta capa dura brilhante, com bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. Uma nota de louvor para a tradução. Astérix não é uma série fácil de traduzir – de todo! Há muitos trocadilhos que se perdem na tradução. E, mesmo admitindo que algumas das piadas originais poderão ter sido atenuadas em termos de valor humorístico, acho que a tradução merece nota de louvor. Nota positiva, ainda, para o facto de o livro ter sido lançado em simultâneo com o lançamento mundial. Muito embora isso já seja algo expetável em Astérix, é algo importante para o nosso mercado que não esqueço de mencionar.
Em suma, aprecia-se a lufada de ar fresco que Fabcaro tenta trazer à série, fabricando um ótimo “vilão” e um argumento com várias piadas engraçadas que nos fazem lembrar – com alguma distância, é certo – o brilhante uso de palavras do criador original da série, Goscinny, embora O Lírio Branco também seja um álbum que, ao longo da leitura, perde algum do fulgor inicial. Não obstante, é bom, acima de tudo, ver que Astérix, Obélix e companhia continuam vivos e de boa saúde!
NOTA FINAL (1/10):
7.9
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
-/-
Astérix #40 - O Lírio Branco
Autores: Fabcaro e Didier Conrad
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 21,8 x 29 cm
Lançamento: Outubro de 2023
Sem comentários:
Enviar um comentário