A banda desenhada Napoleão, dividida em três volumes e escrita por Noël Simsolo e Jean Tulard, com ilustrações de Fabrizio Fiorentino, cujo terceiro volume foi recentemente publicado pela Gradiva, apresenta uma proposta ambiciosa: narrar a trajetória do imperador francês de forma acessível e visualmente impactante. No entanto, apesar da sua abordagem grandiosa, a obra tropeça em diversos aspetos narrativos, o que compromete o seu impacto como uma biografia gráfica definitiva, não obstante a generosa opção de lançar a obra em três volumes. O argumento falha em trazer uma profundidade maior à personagem central, resultando numa visão algo superficial de Napoleão Bonaparte, abdicando das nuances que poderiam enriquecer a sua complexidade histórica.
E tudo isto por causa da forma como o argumento nos é dado. Nas primeiras páginas do primeiro dos três volumes que compõem esta história, quando Napoleão nos conta, na primeira pessoa, e em voz off, as suas origens, até fiquei bastante agradado, pois pareceu-me que seria uma obra mais baseada na figura, no símbolo, no homem. Mas, à medida que a história vai avançando, vemos que a mesma se centra numa desinspirada sucessão de acontecimentos históricos, quase todos batalhas, que nos são dados em catadupa, sem contexto plausível, parecendo que os argumentistas estão apenas a "cumprir calendário". Parece que alguém disse: "bem, nesta obra teremos que falar das batalhas X, Y e Z... portanto, fazemos uma vinheta por cada uma dessas batalhas, colocamos a data e o local, desenha-se uma cena bélica e está feito."
Há, pois, um excesso de eventos apresentados de maneira apressada, sem o devido espaço para contextualização. As batalhas, negociações e intrigas políticas são tratadas quase de forma mecânica, sem transmitir o impacto estratégico que essas ações tiveram na história europeia e, lá está, a consequência disso é um retrato um tanto frio, que não permite ao leitor uma conexão mais impactante com o protagonista ou uma compreensão mais plena da grandiosidade e contradições desta figura incontornável da História mundial.
Outro problema do argumento é a falta de um fio condutor mais envolvente que consiga ligar esta constante listagem de acontecimentos históricos. Em muitos momentos, e conforme já por mim referido, a narrativa parece mais preocupada em cobrir cronologicamente os eventos do que em construir um arco dramático instigante. O resultado é uma leitura que, apesar de bem fundamentada historicamente, pode parecer enfadonha para aqueles que esperam uma abordagem mais dinâmica ou que ofereça um ponto de vista original sobre Napoleão.
Lembro-me de em vários momentos encontrar duas ou três vinhetas seguidas que apresentavam momentos diferentes no tempo e no espaço sem que houvesse qualquer fundamento para tal, além da legenda a fazer referência ao ano e ao local onde se passava aquele momento. Valia mais, digo eu, reduzir-se o número de batalhas a retratar e apostar-se num melhor desenvolvimento do enredo.
Em contraponto, um dos grandes méritos da obra é o trabalho artístico de Fabrizio Fiorentino. O seu traço detalhado e expressivo consegue dar vida às cenas, especialmente nos momentos de batalha, onde a movimentação dos exércitos e o caos dos confrontos são retratados com uma precisão impressionante.
Além disso, os cenários são ricamente trabalhados, reforçando a ambientação da época e transportando o leitor diretamente para o período napoleónico. Há nesta obra algumas vinhetas que são de tirar o fôlego, perante o dinamismo do traço moderno e rápido do autor.
Mesmo assim, e mesmo neste ponto, nem tudo é perfeito. Se há algumas vinhetas que impressionam pela sua qualidade, também outras há em que as faces das personagens quase não parecem passar de um esboço rápido que parece ter sido enviado para o colorista antes de estar devidamente finalizado. Sei que será uma questão de gosto, por ventura, mas é notória esta ambivalência gráfica na obra. O bom trabalho de aplicação de cores por parte de Alessia Nocera até pode camuflar esta característica de muitos dos desenhos de Fiorentino, mas não deixa de se tornar notório - pelo menos para o olhar mais atento - que o autor se apressou no desenho de várias vinhetas. O que é uma pena pois, quanto a mim, o seu talento para o desenho é inquestionável.
A edição da Gradiva, pertencente à coleção Eles Fizeram História, apresenta capa dura brilhante, com um bom papel brilhante no miolo dos livros. Cada um dos livros apresenta um bom caderno informativo sobre a figura de Napoleão e o contexto sócio-político em que este viveu, que oferece, por ventura, as informações que a banda desenhada, por si só, apenas toca de relance. Considero que um integral que reunisse as três obras num só volume seria mais bem-vindo para os colecionadores de BD, mas também compreendo que tem sido esta a forma da editora lançar este tipo de obras. Uma nota positiva deve ainda ser dada à Gradiva por, em menos de um ano, ter lançado os três volumes, não deixando os leitores muito tempo à espera pela finalização da obra.
Em suma, Napoleão revela-se uma leitura visualmente interessante, mas narrativamente decepcionante. O talento de Fiorentino eleva a experiência, mas não é suficiente para compensar as fragilidades do argumento. Para aqueles que procuram uma abordagem ilustrada da vida do imperador, o livro pode ter valor, principalmente pelo seu aspecto artístico, mas os leitores que esperam uma narrativa instigante e profunda sobre a figura histórica de Napoleão talvez fiquem insatisfeitos.
NOTA FINAL (1/10):
6.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Napoleão - Volume 1 (de 3)
Autores: Jean Tulard, Noël Simsolo e Fabrizio Fiorentino
Editora: Gradiva
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23,30 x 31,30 cm
Lançamento: Abril de 2024
Autores: Jean Tulard, Noël Simsolo e Fabrizio Fiorentino
Editora: Gradiva
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23,30 x 31,30 cm
Lançamento: Agosto de 2024
Autores: Jean Tulard, Noël Simsolo e Fabrizio Fiorentino
Editora: Gradiva
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23,30 x 31,30 cm
Lançamento: Janeiro de 2025
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