quarta-feira, 31 de maio de 2023

Análise: Macbeth - Rei da Escócia


Macbeth - Rei da Escócia, de Thomas Day e Guillaume Sorel

A Seita lançou há alguns meses um novo livro para somar à sua coleção Nona Literatura. Depois do fantástico Drácula, de Georges Bess, ou de Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi, foi a vez de Macbeth - Rei da Escócia, um clássico de William Shakespeare ser editado pela editora portuguesa.

A adaptação da obra ficou a cargo de Thomas Day, no argumento, e Guillaume Sorel, nas ilustrações. Macbeth é uma das tragédias mais conhecidas e influentes escritas por William Shakespeare no início do século XVII. A história deste clássico da literatura retrata a ascensão e a queda de Macbeth, um nobre escocês ambicioso que, instigado pela profecia de três bruxas e fortemente influenciado pela sua esposa, comete uma série de atos trágicos para alcançar e manter o poder.

Convém desde logo fazer notar que a adaptação que Thomas Day faz da obra clássica é bastante livre. Quer dizer, os eventos mais relevantes da trama original arquitetada por Shakespeare estão cá todos, mas, nesta adaptação para banda desenhada, a esposa do protagonista, Lady Macbeth, assume um papel muito mais ativo e influente. Aliás, a personagem acaba por ser, a meu ver, a verdadeira protagonista da história, já que é através das suas ações, diretas ou indiretas, que o enredo vai sendo moldado.

Quanto a mim, esta demonização da personagem de Lady Macbeth, que Thomas Day nos propõe, funciona bem, fazendo com que a personagem se encha de carisma, mesmo que pelas razões negativas, já que é uma figura verdadeiramente maquiavélica e com um apetite maléfico difícil de satisfazer. Mas quem não gosta de personagens más, pergunto eu? São elas, aliás, os barómetros para que possamos avaliar o caminho de retidão dos justos e dos “bonzinhos”.

Quanto ao nobre cavaleiro Macbeth, este até poderia ter tido uma boa vida. Sendo um dos braços direitos do Rei, recebe como prémio, pelas suas ações e serviços, algumas terras, incluindo a viúva e órfão do falecido proprietário das mesmas. Mas a ambição desmedida da viúva, que casa com Macbeth, sempre focada em que este se torne rei e ela, consequentemente, rainha, fará com que ambos façam as mais hediondas ações, incluindo o próprio assassinato do rei. Se é verdade que Macbeth parece discordar das ações da sua esposa, também é verdade que sente pela mesma um amor imprescritível, uma paixão arrebatadora e uma fraqueza insuportável.

A história é violenta e está marcada por uma aura metafísica, onde o fantasma do antigo amigo de Macbeth assume relevância para servir de narrador. Mas não é a única personagem que assume essa tarefa, já que a própria Lady Macbeth também o faz. E isso tudo somado à linguagem complexa, densa, poética e, por vezes, pesada, faz com que este seja um livro difícil de acompanhar. Mesmo para aqueles que já conheçam a peça original de Shakespeare.

Com efeito, dei por mim a voltar mais vezes atrás na leitura, de modo a não perder o fio à meada, do que aquilo que acharia desejável. Bem sei que, tratando-se de uma obra de Shakespeare, um dos nomes maiores da literatura mundial, Thomas Day queira ter mantido a aura poética e dramática do texto original. Mesmo assim, acho que esse é o ponto onde a obra menos brilha. Um texto mais linear, com um só narrador e com a ausência de vários personagens de nome difícil que são referidos, mas que pouca ou nenhuma influência acabam por ter na trama, teriam aproximado este livro da perfeição.

Por falar em perfeição, o trabalho que Guillaume Sorel nos dá neste livro, é verdadeiramente fantástico. Sem desprimor para Thomas Day, que tem bastantes méritos, é Sorel a estrela deste livro. Os seus desenhos apresentam um realismo impressionante, com o estilo do desenho do autor a assentar que nem uma luva no tom trágico da história. A maneira como desenha os cenários, as cenas de batalhas sangrentas, as cenas mais eróticas ou nas cenas mais esotérico-poéticas, chega perto da perfeição.

Nos traços das personagens, pode acontecer que haja uma ou outra expressão que não pareça tão bem executada. Ainda assim, isso não belisca a beleza artística com que o autor representa cada uma das personagens. Especialmente a bela e fatal Lady Macbeth, que é concebida pelo autor com um grande carisma assente nas suas feições aquilinas, seios fartos e um cabelo negro rebelde. Um espetáculo para os olhos. Também as três bruxas são personagens maravilhosamente imaginadas e executadas por Sorel que ficam na nossa memória, já depois de lido o livro.

Mas se o traço é belo, a maneira como as cores são aplicadas em aguarela é outra masterclass de virtuosismo técnico e inspiração no máximo. Há muitas vinhetas que parecem quadros que poderiam figurar num museu. Os efeitos de luz e sombra, que tanto condicionam as demais cores, são absolutamente impressionantes. A própria planificação da obra, que é bastante dinâmica, com vinhetas de todas as formas e tamanhos possíveis, contribui ainda mais para um trabalho de excelência.

A edição do livro, por parte d’A Seita, é verdadeiramente impecável. Afinal de contas, trata-se de uma edição integral que congrega os dois volumes com que a obra foi originalmente lançada. A capa é dura e baça e o papel, também baço, oferece uma ótima experiência de leitura. A encadernação e a impressão também são de boa qualidade. Nota menos positiva para o facto de as margens interiores serem, quiçá, demasiado finas pois, por vezes, há um balão ou uma legenda menos legível. Mas é algo que acontece poucas vezes, convém frisar. Positiva também, é a inclusão de uma nota introdutória feita pela professora Adriana Bebiano e de seis páginas com esboços e estudos de personagem. Há também uma capa alternativa exclusiva da loja Wook. Ainda sobre a questão da capa, saliente-se o facto de, na edição normal, o título estar na cor branca e não na cor vermelha, como acontece na edição original francesa. E assinale-se que a edição portuguesa funciona muito melhor. Não apenas por uma questão estética – que será sempre subjetiva – mas por uma questão de ter melhor leitura. É por estas e por outras que se diz, várias vezes, e com razão, que algumas edições portuguesas conseguem superar as edições originais francesas. É um detalhe, eu sei, mas é um detalhe relevante.

Em suma, Macbeth – Rei da Escócia apresenta ilustrações verdadeiramente espetaculares que vão tirar o fôlego ao leitor. O trabalho de Sorel é majestoso. Thomas Day adapta com bastante liberdade a obra original de Shakespeare, sem que isso diminua o cariz trágico-poético da mesma. Não há dúvidas de que a coleção Nona Literatura d’A Seita continua a dar-nos bandas desenhadas de qualidade superior.


NOTA FINAL (1/10):
9.0


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Ficha técnica
Macbeth - Rei da Escócia
Autores: Thomas Day e Guillaume Sorel
Adaptado a partir da obra original de: William Shakespeare
Editora: A Seita
Páginas: 214, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2023

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