segunda-feira, 22 de julho de 2024

Análise: O Fotógrafo de Mauthausen

O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva

O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva
O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro J. Colombo

Quando, ainda no final de 2023, falei com a responsável pela Gradiva, Helena Rafael, a propósito das novidades que a editora portuguesa tinha preparadas para 2024, uma das obras que mais me deixou entusiasmado foi, além de A Vida Secreta dos Escritores, este O Fotógrafo de Mauthausen. Talvez porque, tendo em conta o restante catálogo de banda desenhada da editora, pareciam duas propostas aliciantes e diferenciadas.

Se A Vida Secreta dos Escritores me encheu bem as medidas e, até agora, figura entre as minhas bandas desenhadas favoritas lançadas em Portugal durante o ano 2024, este O Fotógrafo de Mauthausen, dos autores espanhóis Salva Rubio, Pedro J. Colombo e Aintzane Landa, não consegue tamanha proeza.

O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva
Ainda assim, é um livro interessante, que vale a pena conhecer. Especialmente por aqueles que têm especial interesse em saber mais sobre a Segunda Guerra Mundial e, em particular, sobre os inacreditáveis e hediondos crimes praticados pelos nazis durante o mesmo período. Esta é, pois, uma obra que mergulha num dos períodos mais sombrios da história recente, a Segunda Guerra Mundial, e, especificamente nos horrores dos campos de concentração nazis. 

Neste caso concreto, este livro inspirado em factos verídicos, e que até já recebeu uma série televisiva na Netflix, relata-nos a vivência de Francisco Boix, o prisioneiro número 5185 do campo de concentração de Mauthausen. A história que aqui nos é contada acaba por ser especialmente relevante por vários fatores: não só é mais um testemunho real e, portanto, documental da forma como os nazis procederam nos seus famigerados campos de concentração, como vai além disso, revelando o feito audaz e corajoso de Francisco Boix, que arquitetou um plano para conseguir roubar, esconder e preservar fotografias comprometedoras que documentavam as atrocidades cometidas pelos nazis.

O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva

Francisco Boix era espanhol e membro das Brigadas Internacionais e acabou capturado pelos alemães, tendo depois sido enviado para Mauthausen. Uma vez neste campo de concentração situado na Áustria, do qual não era suposto sair com vida, Boix é designado para trabalhar no serviço fotográfico do campo, onde testemunha e regista as atrocidades cometidas contra os prisioneiros. 

Um dos oficiais das SS do campo, com quem Boix acaba a trabalhar, é Paul Ricken, um antigo professor com conhecimentos em fotografia. Ora, este oficial tem como hábito a tentativa de fazer "fotografia artística" através dos cadáveres das várias vítimas que por ali sucumbem diariamente. 

Se a moral que imperava junto do exército alemão já era típica de um psicopata, este oficial que tinha prazer em fotografar prisioneiros assassinados, estava, pelo menos na minha opinião, a um nível ainda mais grave da psicopatia. 

O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva

Mas, felizmente, neste caso, as fotografias também podem constituir um documento e prova de algo, o que levou a que este estranho prazer de Paul Ricken acabasse por se revelar útil aos injustiçados. Com a ajuda de outros prisioneiros, Boix consegue esconder milhares de negativos, que mais tarde serviriam como prova dos crimes nazis durante os julgamentos de Nuremberga.

Acaba por ser uma boa história de resistência, inspiração e coragem porque, apesar das condições brutais e desumanas, Boix teve a ousadia de arriscar a própria vida para poder documentar e preservar evidências que acabariam por ser cruciais para a condenação dos perpetradores dos crimes de guerra, pois, além de serem registos visuais, estas fotografias também revelaram ter o papel de restaurar a veracidade do que se ali se tinha passado. Bem sabemos como os cobardes dos nazis, quando perceberam que a guerra estava perdida, começaram a tentar apagar as provas dos seus crimes. Felizmente - e em nome da verdade e da justiça - houve pessoas como Francisco Boix que lutaram contra essa tentativa de reescrever ou atenuar a história. 

O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva

Se considero que todos devem conhecer a história de Francisco Boix e que esta banda desenhada até faz um bom serviço em dar a conhecer a sua vivência, lamento que, ao nível dos desenhos, o livro não atinja o patamar qualitativo que seria esperado.

As ilustrações de Pedro J. Colombo até nos trazem vários momentos bons, sim, mas considero que, em muitos outros casos, as mesmas carecem de um maior aprimoramento para serem mais impactantes. Parece-me que, pelo menos ao nível da caracterização facial das personagens, o autor apresenta algumas lacunas. Especialmente porque existem muitas personagens que se confundem umas com as outras - e convém não esquecer que estamos a falar de prisioneiros que têm a mesma indumentária. E, portanto, na concepção visual das faces das personagens, Pedro J. Colombo apresenta algumas insuficiências. 

O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva
Mesmo assim, também tenho que ser sincero e conceder que há, espalhadas pelo livro, belas e bem executadas ilustrações, especialmente em algumas vinhetas de dupla página.

Este é um daqueles casos em que, se olharmos de soslaio para  as ilustrações, folheando o livro à pressa numa livraria, até é verdade que o nosso olhar pode ficar bem impressionado com as ilustrações. Mas um olhar mais atento, que acontece quando estamos especialmente embrenhados na leitura, permite dar-nos conta de que as ilustrações poderiam ser melhores. Não estou a dizer que são más. Não o são. São eficazes a demonstrar visualmente a história. Mas ficam-se por aí.

As cores de Aintzane Landa fazem um trabalho eficiente ao darem alguma profundidade às ilustrações de Pedro J. Colombo e proporcionando um cunho de modernidade à parte visual da obra. A paleta de cores é sombria de forma a bem capturar o ambiente opressivo do campo de concentração.

Em termos de edição, estamos perante um bom trabalho da editora Gradiva. O livro apresenta capa dura baça, bom papel baço e boa impressão e encadernação. Além disto, salta a vista o gigante(!) dossiê de extras que conta com umas impressionantes 58 páginas! Sim, leram bem. 58 páginas! Aqui são-nos dados textos de apoio, fotografias reais e um extenso trabalho documental ao nível histórico. Acaba por fazer deste lançamento uma obra com uma forte componente educativa e transformar este livro numa das melhores edições de banda desenhada do ano, dado que tem muita riqueza documental.

Em suma, o testemunho real do protagonista deste O Fotógrafo de Mauthausen é de leitura obrigatória para todos os que se interessam pelo tema - e, bem, até mesmo para os que não se interessam - pese embora, a parte das ilustrações deste livro, cumprindo com eficiência a sua tarefa, não consiga elevar a obra a algo mais impactante.


NOTA FINAL (1/10):
7.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Fotógrafo de Mauthausen, de Salva Rubio e Pedro Colombo - Gradiva

Ficha técnica
O Fotógrafo de Mauthausen
Autores: Salva Rubio, Pedro J. Colombo e Aintzane Landa
Editora: Gradiva
Páginas: 168, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2024


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