Foi durante o Maia BD e também devido à vinda do autor Mana Neyestani ao evento, que a editora Levoir lançou este Os Pássaros de Papel, que já é a segunda obra do autor publicada pela editora, depois do muito bem conseguido Uma Metamorfose Iraniana.
Além disso, o trabalho de Neyestani também já foi publicado em Portugal pela editora Iguana, com a edição do livro Mulher Vida Liberdade, no qual o autor iraniano, juntamente com vários outros autores, também participa.
Com este Os Pássaros de Papel, Mana Neyestani regressa à BD com uma bela obra que nos relata uma realidade que eu ignorava totalmente até ler este livro. Essa é, também, uma das funções das criações artísticas e, neste caso, da banda desenhada. A de educar, a de dar a conhecer.
A obra aqui em análise elucida-nos sobre a situação que se vive nas montanhas do Curdistão iraniano, na fronteira com o Iraque, em que são efetuadas perigosas expedições de transporte por pessoas extremadamente pobres que se veem forçadas, para obter algum dinheiro, a transportar às costas, em "mochilas" verdadeiramente gigantes, muitos materiais contrabandeados. Estas expedições são efetuadas a pé, em percursos perigosos, por montanhas sinuosas onde as condições atmosféricas são de infinito perigo para a existência humana, havendo numerosas tempestades de neve e, ao mesmo tempo, certas partes do trajeto são tão apertadas que um passo em falso poderá levar esses transportadores - a que se dá o nome de Kolbars - ao fundo de uma ravina. Como se isto já não fosse suficientemente mau, ainda há numerosas patrulhas efetuadas pelas autoridades locais que atiram a matar, caso encontrem um destes transportadores ilegais.
A história acompanha a personagem de Jalal que se junta a um grupo de homens - cada um com as suas vicissitudes e dramas pessoais - que com ele embarcam na já referida viagem carregada de privações para conseguirem uma remuneração que, de tão pequena, é ridícula - pelo menos para aqueles que vivem "no primeiro mundo" - mas que, ao mesmo tempo, é crucial para a subsistência destas pessoas. Sendo uma história ficcionada, é baseada em algo que acontece na realidade e que, portanto, atribui à obra essa valência de dar enfoque a um tema que, pelo menos na sociedade ocidental, é de pouco ou nenhum conhecimento.
À medida que vamos acompanhando a viagem destes kolbars, vamos tomando contacto com Rojan, a mulher com quem Jalal espera casar, que é a filha de um dos homens que embarca na mesma expedição de Kolbars. Cada um dos capítulos do livro é começado com Rojan a fazer tapetes que vão crescendo gradualmente entre capítulos, permitindo que o leitor se aperceba do tempo que demoram estas expedições. E Rojan fabrica estes tapetes para, com o dinheiro obtido através dos mesmos, conseguir uma hipótese de fuga com o seu amado Jalal. A introdução destes breves momentos de Rojan é, sem dúvida, uma boa forma de tornar a história mais dinâmica e menos repetitiva, acrescentando-lhe uma pitada de poesia e de reflexão.
O desenho de Neyestani, com um traço bastante rabiscado e caricatural a preto e branco - onde só raramente aparecem alguns detalhes a cores - agrada-me especialmente, pois traz consigo um certo dramatismo ao relato, com as caras e expressões das personagens a apresentarem os sinais de uma vida carregada de peso e dificuldades. Também na caracterização da montanha e das tempestades de neve, o desenho de Neyestani é, quanto a mim, muito belo. Utilizando os delírios dos Kolbars depois de tantas privações, o autor ainda nos oferece alguns desenhos mais caricaturais ainda, onde há oportunidade para um pouco de fantasia que funciona bastante bem. De resto, reitero o que já havia escrito sobre os desenhos de Neyestani em Uma Metamorfose Irariana: "apreciei bastante o estilo de tramas que acrescentam profundidade e detalhe aos desenhos. Mesmo sendo um estilo caricatural, é aquilo a que chamo um estilo “caricatural rico”".
Reconheço que, por vezes, algumas personagens podem ser algo confundíveis entre si e este seria, quanto a mim, o ponto mais negativo que se pode apontar à parte visual da obra que, sendo simples, é bastante bela.
Quanto à edição da Levoir, estamos perante um bom trabalho. Mesmo não tendo sido lançado em nenhuma coleção de Novelas Gráficas da editora, o livro apresenta o mesmo tipo de aspeto: capa dura baça com a lombada a preto e a inscrição "Novelas Gráfica". No miolo, o papel é baço e de boa qualidade e o trabalho de encadernação e impressão é bom. Nota positiva para o acrescento de um prólogo e de um epílogo, com imagens, onde são dadas ao leitor mais informações sobre a existência dos kolbars. Uma boa edição, portanto.
Em suma, mesmo que Os Pássaros de Papel não chegue a ser tão impactante como Uma Metamorfose Iranina - em que o autor nos contou a sua história pessoal em que esteve preso apenas e só por ter feito um cartoon que não caiu nas boas graças do regime iraniano - estamos perante mais uma bela aposta da Levoir, que vale a pena conhecer e que consolida o bom trabalho do autor iraniano como um autor de causas sociais e registo gráfico diferenciado.
NOTA FINAL (1/10):
8.6
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