A Levoir lançou recentemente História de Jerusalém, um livro que procura dar-nos um relato histórico completo e exaustivo sobre Jerusalém, com o intuito de nos dar pistas para uma melhor compreensão do que se passa naquela que, mesmo sendo apelidada por "Terra Santa" é (foi e será) palco de um sangrento e infindável conflito.
Diria portanto, e como primeiro ponto, que, tendo em conta o regresso da guerra entre o Hamas e Israel, que voltou a escalar desde o passado mês de Outubro de 2023, não só a feitura desta obra se tornou mais pertinente que nunca, como a sua edição portuguesa pelas mãos da Levoir é bem-vinda.
Este trata-se de um livro a que gosto de chamar de "BD educativa" ou "BD científica". Chamem-lhe o que quiserem, mas o ponto relevante é que estamos perante uma utilização da banda desenhada com o objetivo de educar, de informar e de tornar mais clara uma matéria à partida complexa. E a questão de Jerusalém é das questões mais complexas do foro político-religioso de sempre. Um autêntico "imbróglio diplomático".
Portanto, e para tentar ir ao cerne da questão, o argumentista desta banda desenhada, Vincent Lemire, procura dar-nos uma história da cidade, desde a sua formação como tal. Para isso, serve-se de uma árvore, uma oliveira com 4.000 anos localizada no Monte das Oliveiras, para nos possibilitar um narrador que possa relatar tudo aquilo que ali se passou, com o maior distanciamento e neutralidade possível. Como, convenhamos, uma árvore poderia fazer, caso falasse mesmo.
O curioso com a questão de Jerusalém, quando olhamos para a base da sua fundação enquanto cidade e quando olhamos para a sua relevância no tempo atual, é que nem sequer era expectável que surgisse naquele lugar uma cidade tão relevante para o planeta, já que esta está localizada no meio das montanhas, originalmente quase não tinha água potável, é uma região onde verão e inverno são rigorosos; e as rotas comerciais de então, nem sequer passavam por ali. Tinha, portanto, tudo para não se tornar uma localidade grande. Mas não foi isso que aconteceu.
De uma forma por vezes aleatória, Jerusalém foi-se tornando naquilo que é, passando o seu poder e domínio político-religioso por muitas mãos diferentes, à medida que várias fações - judeus, cristãos e muçulmanos - se digladiavam (e digladiam) pelo controlo da cidade. Quer no passado, quer no presente. E, possivelmente, continuará a ser assim no futuro.
A complexidade dos problemas político-religiosos em Jerusalém pode ser (parcialmente) entendida considerando-se vários fatores históricos, religiosos e políticos. É que, por azar dos azares, é uma cidade simbolicamente importante para judeus, cristãos e muçulmanos. Para os primeiros, é importante e um centro espiritual porque se acredita que o Templo de Salomão foi ali construído e é também aí que se encontra o Muro das Lamentações. Já os cristãos, acreditam que foi em Jerusalém que Jesus Cristo ressuscitou após ter sido aí crucificado. Por último, para os muçulmanos, Jerusalém é a terceira cidade mais sagrada do Islão, onde se localiza a Mesquita de Al-Aqsa no Monte do Templo (Haram al-Sharif).
Parece complicado? Pois, complica-se ainda mais porque, já na era moderna, após a Primeira Guerra Mundial, Jerusalém ficou sob mandado britânico, o que ainda criou mais cisões no território. Depois de a ONU ter proposto a divisão da Palestina em estados judeus e árabes, foi criado o Estado de Israel que teve a cidade de Jerusalém dividida entre Israel (a parte mais ocidental) e Jordânia (a parte mais oriental). Entretanto, a partir dos anos 60 as guerras entre as duas áreas passaram a existir, com Israel a anexar a parte mais ocidental de Jerusalém.
Portanto, com períodos mais ou menos conturbados, o clima de tensão neste território é, quanto a mim, o maior em todo o mundo, já que qualquer alteração no status ou na administração deste local pode provocar tensões e violência. A cidade simboliza muito mais do que apenas uma capital: é um microcosmo do conflito israelo-palestino e das tensões entre as três grandes religiões monoteístas.
Com um tema tão complexo, julgo que é digno de boa nota o relato criterioso que Vincent Lemire nos dá neste livro. Vê-se que o autor foi bem fundo, em termos de abordagem, para melhor preparar o leitor - e a si mesmo, imagino - para o tema aqui presente. Por vezes, e parece-me isto uma nota menos positiva, até acho que o autor foi "ao fundo" em demasia, dando-nos várias informações que não serão, quiçá, tão relevantes ou que podem trazer consigo alguma monotonia ou redundância na leitura.
Pese embora a árvore Oliveira procure servir a função de ligar o relato em termos narrativos como um todo, teria sido melhor se houvesse um fio condutor mais claro e conciso como é feito, por exemplo, em obras como Sapiens ou O Mundo Sem Fim que, embora também tratem objetos de estudo complexos, fazem-no com uma maior desenvoltura narrativa.
Mesmo assim, isto também não quer dizer que este História de Jerusalém não funcione bem. Funciona. E cumpre bem os seus objetivos que são informar acerca de um tema tão complexo como a história de Jerusalém. O próprio título da obra é claro como a água. E, lá está, tendo em conta a atualidade que se vive em Jerusalém, este livro torna-se uma ferramenta acessível e muito (muito!) bem documentada. E que merece publicação, claro está!
Em termos de ilustrações, o traço a cores de Christophe Gaultier cumpre bem a sua tarefa e está de acordo com o tipo de ilustração rápida, acessível e dinâmica que este tipo de "banda desenhada informativa" normalmente apresenta. Gaultier mostra-se apto a tornar o discurso textual mais acessível, devido às suas ilustrações simples e de fácil acesso visual. E como é um livro colorido, torna-se mais dinâmico.
Em termos de edição, a Levoir dá-nos aqui um bom trabalho. O livro apresenta capa dura baça, com bom papel baço no interior e boa encadernação e impressão. Há ainda um prefácio escrito por Rui Tavares e uma cronologia dos principais acontecimentos na cidade de Jerusalém ao longo do tempo.
Em suma, História de Jerusalém é uma obra cujo timing de lançamento apresenta bastante sentido de oportunidade e que tem o mérito de nos tentar contar a densa e complexa história e origem desta cidade que se tem revelado o coração de tantos e tantos problemas e conflitos ao longo da História da Humanidade. Recomenda-se para todos os que estão interessados em aprofundar os seus conhecimentos sobre o tema.
NOTA FINAL (1/10):
8.2
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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História de Jerusalém
Autores: Vincent Lemire e Christophe Gaultier
Editora: Levoir
Páginas: 264, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 195 mm x 270mm
Lançamento: Março de 2024
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