quarta-feira, 17 de julho de 2024

Análise: O Árabe do Futuro 6

O Árabe do Futuro 6, de Riad Sattouf - Teorema - LeYa

O Árabe do Futuro 6, de Riad Sattouf - Teorema - LeYa
O Árabe do Futuro 6, de Riad Sattouf

Foi com satisfação que acolhi este sexto e último volume da série O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf, que, por cá, foi publicado há umas semanas pela Teorema, uma chancela editorial do Grupo LeYa. 

Esta é uma publicação que demorou alguns anos a ser publicada em Portugal - nove, para ser mais exato - em comparação com os oito anos que a série demorou a ser originalmente publicada. Ora, posto isto, eis mais um "mito urbano" da nossa praça bedéfila que cai por terra. Farto-me de ver, por essa internet fora, comentários acerca da "demora enorme" na publicação desta série por cá, mas a verdade é que demorou praticamente o mesmo tempo do que a publicação para o mercado francês. É verdade que houve um interregno de três anos entre a publicação do quarto e quinto volumes da série que era escusado, mas, repito, a série não demorou assim tanto mais tempo a ser publicada em Portugal do que em França. Demorou apenas mais um ano. É importante que as pessoas se informem bem antes de começarem a maldizer.  

É claro que, face ao interregno entre a publicação do quarto e quinto volume da série, também compreendo que tenha havido leitores portugueses que desesperaram pelo final da série e que, por esse motivo, tenham adquirido a edição francesa da obra. O que também é legítimo, claro. Contudo, o que é certo e factual é que a editora portuguesa honrou os seus compromissos terminando mais uma série.

O Árabe do Futuro 6, de Riad Sattouf - Teorema - LeYa
São, pois, no tempo atual, tantos os exemplos de séries que, não obstante a sua dimensão e número de volumes, são integralmente editadas em Portugal, que é cada vez mais justo afirmar, com segurança, que "o normal", em Portugal, é que as séries sejam publicadas na íntegra. Parece algo básico e óbvio de afirmar, eu sei, mas, tendo em conta que durante muitos anos não era isso que acontecia, (ainda) é algo que merece o nosso contentamento. E, claro, creio que, por outro lado, também é justo que nós, leitores portugueses, façamos a nossa parte e compramos as séries que são iniciadas em Portugal sem medo que as mesmas sejam posteriormente descontinuadas. A confiança está conquistada, diria.

Este último volume da série volta a trazer-nos à história autobiográfica de Riad Sattouf. Aqui são narrados os principais eventos da sua vida, durante os anos de 1994 e 2011, o que faz com que este seja o maior período temporal da história. Riad já é adulto e procura agora dar os primeiros passos enquanto autor de banda desenhada. Como tal, vai-nos contando diversas peripécias da sua vida que o levaram aos primeiros trabalhos, bem como todo o processo que teve que percorrer para alcançar a almejada formação profissional que lhe fosse útil para se afirmar como autor de banda desenhada. A par disso, os dramas pessoais mantêm-se presentes, com o seu irmão mais novo retido pelo seu pai na Síria, sem que possa viver em França, junto de Riad, do seu irmão do meio, da sua mãe e dos seus avós. O périplo infindável que a mãe de Sattouf enfrenta para tentar chegar ao contacto com o seu filho mais novo, chega a ser traumatizante, esgotante e profundamente triste para o leitor.

O relato continua, pois, a ser bastante agridoce, ora dando-nos barrigadas de riso perante a maneira como o autor descreve pequenas situações do dia-a-dia, ora brindando-nos com vários murros no estômago com a seriedade do drama familiar que assola esta família. É um retrato sociológico absolutamente fantástico que tem o dom de servir como um objeto de estudo para que possamos compreender a dicotomia e complexidade que é ter-se dupla-nacionalidade em qualquer país e, em particular em França, onde são tantos os problemas advindos da não convenientemente bem feita integração dos imigrantes.

Sattouf é certeiro na forma como narra a sua vida entre o Médio Oriente e França, oferecendo uma visão perspicaz e muitas vezes crítica das culturas e dos eventos que moldaram sua juventude. O autor lida com questões de identidade ao crescer entre a Síria e França, tentando encontrar o seu lugar no mundo. Mas esses dois universos acabam por ser, muitas vezes, antagónicos.

O Árabe do Futuro 6, de Riad Sattouf - Teorema - LeYa
O estilo de desenho do autor mantém-se igual ao longo de toda a série, com um traço "cartoonesco" em linhas claras e com uma utilização eficaz de cores para transmitir diferentes ambientes e emoções. A paleta de cores é limitada, mas expressiva, o que ajuda a distinguir entre os diferentes cenários geográficos e culturais. E mesmo estando o pai de Riad na Síria - e portanto geograficamente distante do protagonista que está em França - a sua presença acaba por ser constante no espírito de Riad. E para o demonstrar visualmente, o pai aparece sempre em pequenos balões de pensamento de cor vermelha.

Tanto quanto sei, esta é uma série que não vende especialmente bem em Portugal. E isso deixa-me bastante descontente, pois é uma obra que considero verdadeiramente obrigatória e extremamente bem feita. No entanto, também me parece que compreendo parte do que leva a um não interesse dos leitores portugueses: um certo preconceito. Do qual, aliás, eu padeci e do qual já falei na minha análise ao quarto volume da série. A isso se deve especialmente duas coisas: o título - que acho penoso e extremamente desinspirado - e as próprias capas dos livros que, a meu ver, não são nada apelativas. Mas, ultrapassado o preconceito, garanto-vos que O Árabe do Futuro é uma belíssima série! Por vezes, para sermos agradavelmente surpreendidos, só temos mesmo que desafiar os nossos próprios preconceitos. Fica a dica!

A edição da Teorema é em capa mole baça, com badanas. No miolo, encontramos bom papel baço e um bom trabalho no cômputo da impressão e da encadernação. Uma pequena nota negativa para a não introdução da referência ao volume 6 na lombada do livro. Já no anterior volume 5 isso tinha acontecido. Não é nada de dramático, bem sei, mas é um detalhe que tira continuidade aos restantes 4 volumes que tinham menção ao número do volume na lombada.

Concluindo, se até aqui a série merece rasgados elogios pela sua capacidade de misturar humor e crítica social de maneira acessível e cativante, este sexto e último volume não é exceção, continuando a oferecer-nos uma honestidade brutal e uma perspectiva única de Riad Sattouf sobre eventos históricos e pessoais. É uma das minhas séries favoritas de banda desenhada e merece ser lida por todos!


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Árabe do Futuro 6, de Riad Sattouf - Teorema - LeYa

Ficha técnica
O Árabe do Futuro 6
Autor: Riad Sattouf
Editora: Teorema (LeYa)
Páginas: 184, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 172 x 240 mm
Lançamento: Maio de 2024


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