quarta-feira, 6 de março de 2024

Análise: Mulher Vida Liberdade

Mulher Vida Liberdade, de Marjane Satrapi e vários autores - Iguana - Penguin Random House

Mulher Vida Liberdade, de Marjane Satrapi e vários autores - Iguana - Penguin Random House
Mulher Vida Liberdade, de Marjane Satrapi e vários autores

Este é um livro de forte mensagem política, como se de um statement de resistência se tratasse, e que, até por esse bom motivo, em boa hora foi lançado em Portugal. E a proeza de tal feito coube à editora Iguana que, como tenho vindo a dizer, e de forma gradual, começa a tornar-se mais relevante no lançamento de banda desenhada de qualidade.

Mulher Vida Liberdade é um esforço criativo conjunto, orquestrado por Marjane Satrapi, a célebre autora de Persépolis, que junta um alargado conjunto de autores para assinalar, acusar, testemunhar e relatar o constante ataque aos direitos humanos, especialmente os das mulheres, que continua a ser feito no Irão. Por tudo isto, mais do que um livro de banda desenhada, Mulher Vida Liberdade é uma afirmação político-cultural. De um conjunto de autores que procura chamar a atenção do mundo para a triste realidade que ainda se vive no Irão. E cabe a nós, leitores, inteirarmo-nos pelo assunto, divulgando-o e, já agora, e se possível, tomando ação.

Mulher Vida Liberdade, de Marjane Satrapi e vários autores - Iguana - Penguin Random House
Portanto, com tamanhos propósitos, talvez a análise à arte e argumento deste livro, que é dividido por um grande conjunto de curtas histórias de BD, seja o mais acessório e irrelevante que posso fazer. Logicamente, com a participação de nomes sonantes da banda desenhada, como Joann Sfar, Lewis Trondheim ou Paco Roca, entre outros, é fácil para um leitor de banda desenhada sentir o seu interesse neste livro a crescer. Até porque são várias as abordagens e tipos de desenho que nos são dados, naturalmente.

A ignição para todo este movimento, que tem crescido em força, deu-se quando, a 16 de Setembro de 2022, Mahsa Amini, uma jovem mulher iraniana, foi espancada pela “Polícia dos Costumes” no Irão (sim, eles têm disso no Irão), pela única razão de não estar a usar o véu de forma correta. Whatever that means, como se diz em inglês. Depois do espancamento, Mahsa Amini não conseguiu resistir aos ferimentos e acabou por se tornar numa mártir e numa heroína pela luta dos direitos das mulheres no país. Passou a ser o símbolo desta luta pela Mulher, pela Vida e pela Liberdade. Esse foi, aliás, o slogan político que acabou por ser usado neste movimento pela independência curda que procura, acima de tudo reconhecer a importância da mulher. E que também dá nome a este livro.

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Mas resumir esta Luta apenas ao nome de Mahsa Amini, será por demais redutor e, de certa forma, também é isso que este livro procura demonstrar: que são muitas as caras e os nomes que se têm rebelado contra o regime autoritário e castrador de princípios básicos dos direitos humanos que é o Estado do Irão. Assim, o livro está dividido por breves contos que procuram demonstrar e esquematizar vários momentos e pessoas desta Luta do povo iraniano. Para tal, Satrapi reuniu três especialistas no assunto (Farid Vahid, Jean-Pierre Perrin e Abbas Milani) que assumem a quase totalidade dos argumentos.

Cada um desses breves contos é depois ilustrado por um autor diferente, sendo que alguns dos participantes ilustram mais do que uma mera história. No total, são 17 os autores que colaboram neste livro.

Mulher Vida Liberdade, de Marjane Satrapi e vários autores - Iguana - Penguin Random House
Apreciei especialmente os contributos de Mana Neyestani - que muito me surpreendeu, também, em Uma Metamorfose Iraniana, editado pela Levoir - de Paco Roca, de Patricia Bolaños, de Lewis Trondheim e de Deloupy. 

Já em relação à colaboração de Sfar, não fiquei tão empolgado, uma vez que o autor apenas se limitou a ilustrar um longo diálogo entre Satrapi, Jean-Pierre Perrin, Milani e Farid Vahid. Por muito interessante que seja este diálogo com mais de 30 páginas, e é, o facto de as ilustrações serem apenas das quatro individualidades sentadas, numa esplanada, a conversar, sem que haja lugar a diversidade ou outro tipo de dinâmica, tornou esta última parte do livro bem abaixo das minhas expectativas. 

Marjane Satrapi não é apenas a "coordenadora" deste livro e também faz a sua contribuição. Mas, também neste caso, a autora deixou-me algo desiludido, pois limitou o seu contributo apenas a alguns textos e a uma ilustração o que, quanto a mim, foi manifestamente pouco, embora, claro está, a autora mereça as minhas vénias por ter encabeçado a feitura/curadoria do livro em si.

Mulher Vida Liberdade, de Marjane Satrapi e vários autores - Iguana - Penguin Random House
De resto, devo dizer que há muitas histórias curtas/contributos que me impressionaram pela positiva. Lamento que algumas participações sejam demasiado breves, tendo apenas uma ou duas páginas. No entanto, outras há que têm mais páginas e permitem uma maior imersão do leitor naquilo que nos é contado.

Em termos de edição, a Iguana dá-nos aqui um trabalho exemplar que apresenta capa dura, com textura aveludada, bom papel baço e um excelente trabalho de encadernação e impressão. Também pela relevância dos testemunhos aqui presentes, parece-me legítimo afirmar que o trabalho de edição da Iguana sai reforçado com a aposta nesta obra. Para além das histórias em banda desenhada, o livro também é complementado por alguns textos de apoio que procuram iluminar os leitores acerca dos principais acontecimentos históricos e culturais do Irão. O que é uma mais valia, sem dúvida.

Portanto, em suma, esta é uma boa aposta da editora Iguana num livro que, acima de tudo, está carregado de uma mensagem política que convém que o mundo ocidental não esqueça. Recomenda-se a sua leitura.


NOTA FINAL (1/10):
8.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Mulher Vida Liberdade, de Marjane Satrapi e vários autores - Iguana - Penguin Random House

Ficha técnica
Mulher Vida Liberdade
Autores: Marjane Satrapi e vários autores
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 288, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2023

3 comentários:

  1. Bons autores/as aqui presentes e um título que encaixa bem na agenda política da editora. Não deixa de ser irónico que um dos meus autores preferidos, o nada politicamente correcto Winshluss, volte ao mercado nacional através de uma pequena história (perdida no meio de tantas outras) precisamente através deste selo...

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    1. As coisas não são mutualmente exclusivas. E esse mesmo autor já trabalhou com Satrapi.

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  2. É um bom livro. Muito político, mas deveras interessante.

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