A G. Floy Studio lançou há uns meses aquele que é o segundo tomo da série Os Malditos, concebida por nomes relevantes da banda desenhada mundial como Jason Aaron ou r.m. Guéra. Sendo este As Noivas Virgens um segundo volume do universo de Os Malditos, e que continua com o mesmo ambiente bíblico-apocalíptico e fantástico, a verdade é que nos apresenta uma história que consegue ser devidamente compreendida se lida de forma isolada.
O enredo desenrola-se numa montanha arredada de tudo o resto. Nela concentra-se um mundo habitado unicamente por mulheres. Nessa montanha, há um convento onde as Irmãs Sagradas criam e preparam meninas órfãs com o intuito máximo e primordial de se tornarem noivas abençoadas dos Filhos de Deus. Para tal, essas crianças, virgens e imaculadas, são submetidas a um longo processo de lavagem cerebral por parte dessas Irmãs Sagradas, que tem como base o medo do pecado e esse fim imenso que é transformarem-se em noivas virgens. Como se isso fosse o objetivo máximo das suas vidas, portanto. É claro que os noivos que esperam estas jovens não são propriamente os Príncipes Encantados ou os Anjos Celestiais com que as jovens mulheres sonham. Nem, tampouco, serão os frutos dos ventres de tais virgens.
Shari e Jael, duas dessas crianças que estão a ser preparadas para ser noivas, e que estão prestes a desabrochar - o que determina que estarão prontas para assumirem a sua nova condição de noivas - são as primeiras a perceber que talvez esse céu que lhes venderam, esse paraíso gratificante, não seja exatamente da forma como lhes tem sido contado. E, apercebendo-se da pérfida mentira que as Irmãs lhes estão a vender, Sharri e Jael acabam por fugir daquela enorme comunidade. Mas, além das Irmãs, também há um grupo com fortes e abrutalhadas guerreiras que partirão em perseguição destas duas jovens.
Inicia-se assim uma corrida do gato e do rato, em momentos que vão sendo entrecortados por flashbacks que nos levam ao passado das personagens, aumentando desta forma o envolvimento do leitor com as mesmas. Jason Aaron dá-nos aqui uma boa narrativa, com duas personagens carismáticas e memoráveis. Há uma certa rebeldia na forma como o autor escreve, que faz com que os diálogos sejam verosímeis e, portanto, as personagens principais se mantenham bastante reais e plausíveis, mesmo tratando-se esta de uma história do género fantástico onde, lá mais para o meio, tenhamos várias criaturas oriundas desse reino de fantasia.
Admito que, depois, à medida que vamos progredindo na leitura, quando a história procura um desenlace para a premissa criada, este seja um pouco mais forçado do que aquilo que eu gostaria. Mesmo assim, o livro acaba de forma bem resolvida, o que apreciei bastante. Por isso, e ainda que este As Noivas Virgens tenha algumas resoluções e escolhas no enredo que talvez não tenham sido as melhores, quanto a mim, devo admitir que acabei por gostar desta história extraída da mente criativa de Jason Aaron.
O autor r.m. Guéra dá vida a estas personagens e a esta premissa com os seus belos desenhos, carregados de detalhe, identidade visual e uma bela planificação que tornam a leitura dinâmica e demarcam muito bem os vários momentos da história. Sejam esses momentos cenas de ação ou perseguição desenfreada, ou instantes mais introspetivos e com um forte caráter religioso. Ou anti-religioso.
É aliás, clara a forma como Jason Aaron vai beber aos textos sagrados da Bíblia. Daí, parte para a sua interpretação pessoal, grotesca e visceral dos acontecimentos narrados nesses textos sagrados. E, lá está, em termos visuais, Guéra capta muito bem essas imagens grotescas e viscerais com vários desenhos providos de uma violência gráfica que não é muito comum.
Além disso, o detalhe que Guéra coloca nos seus desenhos é verdadeiramente impressionante, fazendo com que seja fácil para o leitor mergulhar neste universo visual rico. Para isso, também contam as belas cores de Giulia Brusco que embelezam ainda mais os desenhos de Guéra.
Se os desenhos de Guéra me deixaram muito satisfeito, permitam-me apenas dizer que este As Noivas Virgens é um belo exemplo de um livro com má capa. Ou com uma capa que não está ao nível da arte ilustrativa que aparece dentro do livro, vá. A ilustração escolhida para a capa não demonstra minimamente, nem de forma apelativa, as capacidades ilustrativas do autor. Aliás, essa já tinha sido a minha opinião no anterior volume de Os Malditos. Tão melhor seria a capa deste livro se se tivesse utilizado a última prancha do capítulo 2 deste livro, por exemplo. Bastava colocar-se o nome da obra e dos autores em cima et voilà, teríamos uma capa soberba.
A edição da G. Floy Studio é bastante bem conseguida. O livro tem capa dura baça e bom papel brilhante no interior. A impressão e a encadernação são boas e, no final do livro, ainda há espaço para 10 páginas de extras, que incluem as capas dos vários números que compõem este volume. Perdão pela minha teimosia e aparente presunção, mas também nenhuma destas capas se aproxima da (potencial) bela capa que propus mais acima.
Depois de dois volumes de Os Malditos, e tendo em conta que a G. Floy Studio já lançou o fabuloso Southern Bastards, de Jason Aaron, é meu desejo que a editora venha a lançar a série Scalped, de Aaron e Guéra. Aliás, não será um desejo isolado meu, seguramente, se tivermos em conta que, quando consultado, o público português colocou Scalped como uma das séries que mais gostaria de ver editada por cá. A ver vamos.
Em suma, o segundo volume de Os Malditos funciona muito bem, ao conseguir subverter os textos da Bíblia Sagrada – e, com isso, chocar os mais sensíveis. A aventura, a violência e o bizarro deste livro são uma constante, enquanto, ao mesmo tempo, nos é sugerida uma reflexão sobre o mundo patriarcal e a obsessão religiosa que, ao longo dos tempos, tem estado presente na sociedade global.
NOTA FINAL (1/10):
8.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Os Malditos - Livro Dois: As Noivas Virgens
Autores: Jason Aaron e r.m. Guéra
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18,0 x 27,5 cm
Lançamento: Maio de 2023
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