Já o disse anteriormente, mas terei que me repetir: mesmo mantendo-se boa, com uma premissa original e com um desenho de primeira qualidade, Mattéo, de Jean-Pierre Gibrat, é uma série que perdeu algum fulgor desde o segundo tomo. Curiosamente, a partir do momento em que a série passou a ser editada em Portugal pela Ala dos Livros que, não obstante, já manifestou vontade de publicar esses dois primeiros volumes completamente extintos do mercado nacional que foram originalmente lançados por cá pela Vitamina BD. Com efeito, e após Mattéo ter arrecadado o VINHETA D’OURO 2023 para Melhor Série, o editor da Ala dos Livros voltou a deixar no ar a ideia de publicar na íntegra toda a série. Incluindo os primeiros dois volumes, portanto. Não há datas concretas para tal, mas parece ser algo que está no horizonte da editora. O que é uma boa notícia, claro!
Mas, voltando ao que dizia, a partir do terceiro volume, a série baixou abruptamente o ritmo narrativo, concentrando-se mais na vivência pessoal da personagem de Mattéo e das outras personagens que orbitam à sua volta, mantendo apenas o contexto político como pano de fundo. É certo que os vários momentos históricos que vão sucedendo ao longo da vida da personagem - e que vão desde a Primeira Guerra Mundial ao início da Segunda Guerra Mundial - estão bem presentes e condicionam a vida das personagens. Mas aquele tumulto da experiência vivida nos primeiros dois volumes – e tão gratificante para os leitores - dá lugar, a partir do terceiro tomo, a uma existência das personagens mais calma. Talvez por isso, não seja de admirar que, se nos dois primeiros livros se passam quatro anos, nos volumes Terceira e Quarta Época se passem apenas dois meses(!). Fica a ideia que Gibrat optou deliberadamente por abrandar a história, fazendo-a render e saindo do ritmo frenético dos dois primeiros volumes.
Claro que também é verdade que esta opção permitiu que a trama respirasse de forma mais contida, proporcionando ao leitor a oportunidade de mergulhar e refletir sobre certas escolhas e privações da vida do nosso protagonista. Nomeadamente, do seu passado amoroso e das consequências irrevogáveis que o mesmo teve na vida da personagem, quer Mattéo o desejasse ou não.
Este sexto e último volume que encerra a série, coloca-nos já em plena Segunda Guerra Mundial, na altura em que, a 10 de maio de 1940, o exército alemão invade o território francês. A isto junta-se uma relação de proximidade entre Mattéo e o seu filho, Louis, com quem o protagonista não tem qualquer ligação e com o qual procura agora criar algum tipo de laço… nem que seja através da proteção e luta que enceta com vista à sobrevivência do filho. Eventualmente, a sua caminhada conjunta leva-os às praias de Dunquerque, onde os bombardeamentos são incessantes e o caos bélico é histórico.
Com este sexto volume, Gibrat fecha com chave de ouro esta série até porque, a meu ver, consegue finalizar bem os momentos mais calmos da totalidade da obra e, ao mesmo tempo, trazer-nos uma apoteose mais vibrante e mais em linha com o ritmo frenético dos dois primeiros volumes da série. E o final da história - sem o revelar, como é óbvio - é de uma verdadeira força emocional. Assim sendo, é bem possível que, excluindo os volumes 1 e 2 da série, este sexto e último volume seja o melhor!
Quanto ao desenho, o trabalho de Gibrat continua absolutamente apelativo e magnífico. A identidade do seu traço realista, com mulheres lindas que ficam na nossa mente já depois de fecharmos o livro – embora, sejamos justos, elas sejam bastante (demasiado?) parecidas entre si – continua bem presente ao longo de toda a série. Por isso, até repesco as minhas próprias palavras aquando da análise a um dos álbuns: “a qualidade do seu desenho é verdadeiramente impressionante, com uma elegância de traço poucas vezes encontrada em livros de banda desenhada. (…) A sua arte é ímpar, sofisticada e clássica ao mesmo tempo, e apresenta um estilo muito próprio. Às vezes diz-se: “goste-se ou não”. No caso de Gibrat, parece-me que a única expressão válida, em relação à sua arte é: “goste-se ou goste-se”. É possível não gostar de tamanha obra de arte da ilustração?”
É verdade que, por vezes, encontramos algumas vinhetas onde parece claro que o aprumo/cuidado do autor no desenho não se revela ao seu melhor nível, no entanto, também há outros momentos em que ficamos embasbacados com a beleza visual que o autor consegue incutir nos seus desenhos. E sejamos sinceros, mesmo quando Gibrat não está ao seu melhor nível, o seu desenho continua a ser uma proposta irrecusável. Por isso reitero que o cunho de qualidade no desenho do autor continua bem presente ao longo da grande maioria da obra.
A capa deste sexto volume também tem, como seria de prever, uma ilustração verdadeiramente linda, com belas cores. De tal modo que, quanto a mim, poderia figurar num museu de pintura. E, mais uma vez, a capa deixa bem assente que é difícil resistir à beleza das personagens femininas de Gibrat.
A edição da obra é de excelente qualidade, como seria expectável por parte da editora Ala dos Livros. O livro apresenta capa dura baça, com detalhes a verniz. No miolo, o papel é ligeiramente brilhante e a encadernação e impressão são muito boas.
Em suma, este Mattéo – Sexta Época é o ponto final digno para uma série de qualidade superior que tanto nos maravilhou com o seu protagonista intrigante e ávido na luta por ideais, com as suas belas mulheres de olhares convidativos e com a sua audaz premissa de representar um espaço temporal muito rico (ou pobre?), a nível de acontecimentos políticos, numa Europa que, durante mais de 20 anos não fez mais nada do que destruir-se a si mesma.
NOTA FINAL (1/10):
9.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Mattéo - Sexta Época (2 de Setembro de 1939 – 3 de Junho de 1940)
Autor: Jean-Pierre Gibrat
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Março de 2023
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