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terça-feira, 6 de abril de 2021

Análise: O Último Homem...



O Último Homem..., de Jérôme Félix e Paul Gastine

Hoje chega às bancas o novo livro da Gradiva, intitulado O Último Homem..., que é da autoria de Jérôme Félix e Paul Gastine. Mas aqui no Vinheta 2020 esta obra maravilhosa já foi lida e relida e posso dizer, sem rodeios e sem reticências, que este é o melhor álbum de banda desenhada que a Gradiva já lançou!

Esta editora que tem, nos últimos anos, revelado uma crescente aposta na edição de obras de banda desenhada, com destaque para as séries mais educativas Descobridores, A Sabedoria dos Mitos e Eles Fizeram História, bem como, o lançamento de As Novas Aventuras de Bruno Brazil ou da série O Guardião, tem neste O Último Homem... a sua nova jóia da coroa. Uma obra magnífica a todos os níveis que merece ser (re)conhecida por todos!

E embora estejamos, para já, a assistir a um dos anos editoriais em que mais banda desenhada do género western se edita em Portugal, julgo ser justo dizer que este O Último Homem... é um western algo diferente, que traz consigo uma componente um pouco mais refrescante do que aquela que podemos, à partida, imaginar se nos lembrarmos dos cânones clássicos do género. Dito por outras palavras, acaba até por me parecer um livro mais focado na componente histórica - latente no desenvolvimento do oeste americano, devido à introdução da linha férrea, que permitiu um verdadeiro êxodo populacional e económico - do que, propriamente, um western clássico, em que temos os bons a lutarem contra os maus e há muitos tiros e “cowboiadas”. A grande premissa de O Último Homem... é a da luta pela injustiça. A vingança cega por algo que nos é tirado indevida e injustamente. É isso que aqui temos. E, portanto, nesse sentido, a mesma história, com os mesmos personagens, até poderia passar-se num outro tempo e num outro local.

O Último Homem... traz consigo o fim anunciado da era dos cowboys devido à introdução de linhas férreas em todo o país americano, que vão permitir levar as vacas até aos matadouros de Chicago. De forma fácil e rápida. Ou seja, a importância dos vaqueiros, dos cowboys, morre com a chegada do comboio. O protagonista, Russell, percebendo a alteração económica que se adivinha, decide mudar de ocupação e passar a ser rancheiro no Montana, deixando a tarefa de ser cowboy. Faz-se acompanhar pelo seu amigo Kirby e por Bennet, um jovem com limitações intelectuais que está ao cuidado de Russell desde que este o tomou aos seus cuidados.

Mas quando Bennett aparece morto, o ciclo natural dos eventos transforma-se abruptamente. Facilmente Russell e Kirby se apercebem de que os responsáveis da localidade, devido a quererem manter uma reputação de cidade pacata e limpa, para desta forma se candidatarem a serem uma cidade com linha férrea, simulam o suicídio do jovem rapaz. E então, Russell fica com uma grande sede de vingança e regressa à cidade para exigir a verdade sobre o que realmente aconteceu com Bennett.

Confesso que, a partir deste ponto, comecei a temer que o argumentista Jérôme Félix perdesse as rédeas da história, pois certas ações das personagens pareceram-me algo forçadas e rápidas, sem uma grande base lógica que as justificasse. Lembro-me de pensar: “queres ver que este fantástico argumento se perde numa cena de perseguição sem grande lógica?”. Felizmente, estava errado. Félix consegue pegar nas pontas que deixa soltas e ligar tudo muito bem. É uma história muito bem tecida, com bastante cuidado do argumentista.

Outra coisa de que gostei foi do facto de surgirem certos acontecimentos irreversíveis – e quiçá dolorosos para autores e leitores - ao longo da narrativa. O autor foi audaz e bem sucedido ao aparentar querer levar a trama por um lado e depois surpreender pelo outro. Mas não revelo mais do que isto para não causar nenhum spoiler aos que me lêem.

Quanto à arte, não podíamos, sinceramente, pedir mais do que aquilo que nos é dado. O traço de Gastine apresenta um detalhe incrível, com ilustrações belas e variadas, que tornam cada vinheta numa obra de arte. Se há bandas desenhadas que não parecem ter sido feitas "à pressa", como às vezes me “queixo” noutras análises, esta O Úlimo Homem... é uma delas. Cada vinheta, por mais ínfima ou pequena que seja, é sempre pontuada por múltiplos detalhes ilutrativos que nos mergulham profundamente na história, nas personagens, no ambiente, na obra.

A capacidade do autor para ilustrar com virtuosismo as faces (e demais expressões) das personagens roça a perfeição. Mas também os cenários, os cavalos, a cidade, a floresta, as cenas de ação... é tudo tratado com um cuidado e um aprumo invejáveis. A planificação, sendo de cariz clássico, também sabe ser, por vezes, moderna e dinâmica, oferecendo à história o ritmo certo de leitura. Destaque ainda para a multiplicidade de bons planos de câmara. Tudo bem feito. Praticamente impossível arranjar defeitos em termos de ilustração.

E, como se não bastasse, as cores – também a cargo de Gastine – também são maravilhosas, elevando ainda mais a qualidade da ilustração da obra. Jogos de sombras, cenas nocturnas, cenas de chuva cerrada, de tardes soalheiras... tudo isto recebe a cor certa e contribui para a sensação de “barriga cheia visual” para o leitor.

E estão a ver quando refiro que a capa de um livro de bd pode – e deve! - ser impactante e puxar pelo poder do livro? Este será um exemplo perfeito para o que sempre digo. Já por várias vezes tinha dado de caras com este livro na FNAC, na sua edição francesa, e nunca consegui não reparar nele e não o querer folhear. Estava na minha lista de compras há muito e tudo começou pela capa que me cativou desde o primeiro momento. É linda, com uma ilustração espetacular, com cores magníficas e um dramatismo tal, que é impossível de não impactar um leitor. Séria candidata a melhor capa do ano nos prémios VINHETAS D'OURO, parece-me. Até nisto, Gastine consegue ser sublime.

Quanto à edição da Gradiva, está impecável, com papel brilhante de excelente qualidade que consegue atribuir à obra a qualidade editorial merecida. Julgo que a opção pelo título O Último Homem... pode não ter sido a mais feliz, pois a obra original denomina-se Jusqu'au dernier. Talvez “Até ao Último” ou “Até ao Último Homem” fosse mais acertado. Mas mais do que isso, são mesmo as reticências que, na minha opinião, desestabilizam a harmonia gráfica desta fantástica capa. Claro que isto são críticas menores para uma obra tão boa e tão bem conseguida. Mas fica a nota, ainda assim.

Em conclusão, repito que é a melhor obra de bd da Gradiva e que, por isso, a editora portuguesa está de parabéns. Um western fantástico e obrigatório para todos. Até mesmo para os que não são especialmente admiradores do género. Grandioso e inesquecível. Um dos grandes livros do ano!
Obrigatório.


NOTA FINAL (1/10):
9.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
O Último Homem...
Autores: Jérôme Félix e Paul Gastine
Editora: Gradiva
Páginas: 74, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2021

2 comentários:

  1. Só por este comentário já o encomendei à Fnac com 10% de desconto. Também só estava à espera da confirmação daquilo que já suspeitava. Agora é apreciá-lo com a calma que merece. Obrigado pela análise.

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    1. Caro MigasMan... obrigado pelo comentário. É um álbum espetacular! Boas leituras!

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