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quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Análise: Jane

Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez - Pipoca & Nanquim

Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez - Pipoca & Nanquim

Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez

Depois da análise que fiz a Conto de Areia, em que Ramón K. Pérez adapta para banda desenhada um guião para cinema, escrito por Jim Henson e Jerry Juhl, fiquei com mais vontade de conhecer mais do trabalho do autor. E este Jane, editado pela editora brasileira Pipoca & Nanquim veio mesmo a calhar. Embora, convenhamos, Jane e Conto de Areia sejam obras muito diferentes. 

O argumento da obra aqui em análise é de Aline Brosh Mckenna, mais conhecida como a argumentista do filme O Diabo Veste Prada, com Meryl Streep no papel principal. Em banda desenhada, esta é a primeira incursão da autora. Nota ainda para o facto desta ser uma adaptação da obra Jane Eyre, de Charlotte Brontë. Mas bem, na verdade, creio não se tratar bem de uma adaptação fiel da obra original para bd mas mais de uma inspiração ou de uma reinterpretação da obra clássica, ajustada aos tempos contemporâneos. Confesso não ter lido o clássico Jane Eyre mas, daquilo que me foi dado a entender, a história dessa obra e deste Jane, são bastante diferentes entre si.

Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez - Pipoca & Nanquim

A história, como não podia deixar de ser, foca-se no percurso de Jane. Jane é uma jovem que sempre esteve sozinha no mundo. Mesmo quando estava acompanhada. Depois de perder os pais, passa a viver a sua infância com os seus tios e primos. Mas, nesse lar emprestado, que não sente como seu, acaba por se sentir só e como se ninguém desse por ela. E não admira que, quando já tem 18 anos, decida abandonar essa pequena cidade do Massachusetts, onde vive com os tios e primos, e rumar a New York, com o objetivo de encontrar um lugar onde se sinta em casa. 

Jane tem um dom para o desenho e está sempre a desenhar. Não é portanto nenhuma surpresa que ganhe uma bolsa para desenvolver as suas aptidões numa escola de belas artes de New York. Mas, para poder subsistir, precisa encontrar um emprego e acaba por aceitar a proposta para ser babysitter de Amanda, a filha de Rochester, um autêntico magnata. Mas, desde logo, tudo parece muito estranho nesta família onde todas as outras babysitters, que precederam Jane, não aguentaram mais do que um mês de serviço naquela casa. A mãe de Amanda foi assassinada há bastantes anos e o seu pai é um homem muito misterioso que, ora parece uma boa pessoa, ora parece afastado e bruto, não demonstrando ter tempo para a sua própria filha. Jane não sabe o que pensar sobre ele. Tudo naquela casa parece estar envolto num grande clima de secretismo. Há até uma área da casa a que Jane está proibida de aceder. A obra acaba por nos mostrar que nem tudo é o que parece à primeira vista e são vários os plot twists com que nos vamos deparando.

Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez - Pipoca & Nanquim

Não querendo revelar mais sobre o enredo, para não estragar o prazer da leitura a ninguém, direi apenas que esta é uma história onde coexistem vários elementos: há espaço para o romance, para a relação amorosa, mas também há espaço para o mistério e para o drama, onde a tensão começa a crescer a partir do momento em que Jane aceita o trabalho como babysitter de Amanda. E, mais no fim, até há uma componente de ação que habita a história. É por isso que estamos perante uma história algo complexa. Por momentos até pode parecer algo clichet mas parece-me que a narrativa está bem conseguida por parte de Aline Brosh Mckenna. E não deixa de ser curioso que a sua experiência como argumentista seja no grande e pequeno écran porque, de facto, a estrutura da narrativa deste Jane, remeteu-me bastante para o cinema. Como se estivesse a ver um filme.

Quanto à arte de Ramón, estamos perante mais um grande trabalho deste talentoso autor. Para aqueles que leram e que, como eu, ficaram maravilhados com as suas ilustrações em Conto de Areia, devo dizer que neste Jane, Ramón parece ficar uns furos abaixo da arte fantástica e que tanto enche o olho de Conto de Areia. No entanto, Jane também é uma obra muito bem ilustrada.

Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez - Pipoca & Nanquim

O traço que aqui nos é apresentado parece mais rápido, grosso e menos detalhado, mas o cunho pessoal do autor mantém-se bem presente. Assim, as personagens de estilo semi-realista, apresentam uma boa dose de expressões bem conseguidas. O estilo de ilustração remeteu-me para o autor Darwyn Cooke, da série Parker, entre outras, que tanto aprecio também.

A planificação é bastante dinâmica e reserva-nos algumas surpresas ao longo da história. De referir também que o autor nos oferece dois tipos de ilustrações diferentes. O estilo base, mais “cartoonizado”, que está presente em quase toda a obra, e o estilo mais artístico, verdadeiramente espetacular, que vai aparecendo aqui e ali, ao longo da obra.

E, por falar nisso, no final, há toda uma reinterpretação dessas vinhetas “mais artísticas” com que Pérez nos presenteou ao longo da história, e que pressupõem até uma nova leitura da obra. Já sabíamos que a própria personagem de Jane era uma excelente ilustradora e as diferenças de estilos nos desenhos faziam-nos crer que os desenhos fossem mesmo da personagem. Mas, afinal, parece ser mais do que um artifício narrativo de Pérez para nos contar a história de Jane, pois essas ilustrações transformam-se, elas mesmas, em parte da própria história. Mais não digo. Mas é uma ideia muito interessante. E, tal como já referi, parece-me que onde mais brilha Pérez neste Jane é mesmo na capacidade de contar bem uma história através da banda desenhada. De (des)construir a maneira como se conta – ou pode contar- uma história através da bd. Brilhante.

Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez - Pipoca & Nanquim

A edição da Pipoca & Nanquim é fantástica. Capa dura, excelente encadernação, ótimo grafismo do objeto e papel brilhante de boa qualidade. Tudo muito bem feito e nada negativo a apontar.

Em suma, Jane é um livro que é mais do que aquilo que aparenta ser. A história, parecendo ser simples e linear, não é tão simples assim, e está carregada de muitos plot twists entusiasmantes. E a própria arte de Pérez, sendo bem menos detalhada e aprimorada do que em Conto de Areia, traz, ainda assim, consigo uma beleza ímpar, especialmente na forma original e personalizada como o autor sabe usar a banda desenhada ao serviço da narração visual duma história.
Recomenda-se!


NOTA FINAL (1/10):
8.5


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Jane, de Aline Brosh Mckenna e Ramón K. Pérez - Pipoca & Nanquim

Ficha técnica
Jane
Autores: Aline Brosh McKenna e Ramón K. Pérez
Editora: Pipoca e Nanquim
Páginas: 228, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Julho de 2019

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