Rubricas

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Análise: Apocalipse: O Livro da Revelação de São João

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João é o segundo livro a figurar na coleção Nona Literatura da editora A Seita. O primeiro foi o fantástico Drácula, de Georges Bess, que é uma autêntica obra-prima. Entretanto, a editora também já anunciou que os próximos álbuns desta série serão Macbeth - Rei da Escócia, de Thomas Day e Guillaume Sorel; e Frankenstein, de Georges Bess. Este último que deverá marcar um estilo de ilustração muito de acordo com aquilo que o mesmo autor nos deu em Drácula.

Mas, por agora, foquemo-nos neste Apocalipse: O Livro da Revelação de São João que constitui, quanto a mim, uma aposta mais em qualidade do que na vertente comercial, por parte da editora.

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

A autoria da obra é dos autores Alfredo Castelli e Corrado Roi. Nome consagrados do fumetti italiano. E, assim de rajada, desenganem-se aqueles que, pelo facto desta ser uma obra baseada em textos sagrados da bíblia, poderiam considerar este livro muito cristão ou muito “tenrinho”. Na verdade, este é provavelmente o livro mais “heavy metal” e de cariz mais mórbido e sombrio do ano! Ou não fosse, afinal de contas, sobre esse último livro da bíblia sagrada, denominado "Apocalipse"!

O Apocalipse, ou Livro das Revelações, que é atribuído ao evangelista São João, conta-nos, de uma forma caótica e catastrófica, o fim dos nossos dias, que é levado a cabo segundo a ira de Deus. E “caos” será, provavelmente, uma das melhores palavras para descrever este último livro do Novo Testamento. Aliás, até digo mais: do ponto de vista narrativo, esta é uma história que parece ter sido escrita sob o efeito de narcóticos, tal não é a “salada de frutas” narrativa, que ora anda para a frente , ora anda para trás, ora introduz elementos novos, ora repete da forma mais redundante elementos já abordados, não obedecendo a nada nem a ninguém, e carecendo de elementos narrativos que nos permitem apreciar convenientemente a história. Uma autêntica anarquia narrativa que mais parece um punhado aleatório de ideias e de previsões. 

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

É certo que cada ideia tem um simbolismo bastante interessante mas, tirando isso, mais parece um texto quase poético, cheio de clamor, mas sem uma linha condutora. E isso leva-me para uma questão. É que esta adaptação para banda desenhada acaba por ser, também ela, uma grande anarquia do ponto de vista narrativo. Dir-me-ão: “ah, mas isso só acontece porque o texto original também é assim”. E eu concordarei com isso, claro. No entanto, se estamos perante um texto que é apenas e só do foro simbólico, com pouco ou nenhum fio condutor, para quê dotá-lo, então, desse mesmo texto? Para quê repetir algo que não é bem feito? Só pela questão da fidelidade ao texto original? É que, de facto, o argumentista Alfredo Castelli até se preocupou em adaptar o texto original de forma fiel. Mas tendo em conta a "salganhada" que é este texto, esse foi um trabalho inglório do autor, quanto a mim. E olhando para a fenomenal, sublime, maravilhosa, incrível arte ilustrativa de Corrado Roi, acho que este livro funcionaria melhor sem qualquer legenda, apoiando-se apenas dessa arte impactante de Roi. Não seria necessário texto nesta adaptação, a meu ver. “Ah, mas isso faria com que ficássemos perdidos na narrativa e nos acontecimentos!”. Então, mas se isso continua a acontecer com texto, quer dizer que o texto também pouco ou nada contribui para um melhor entendimento da "história".

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

É certo que, para além de adaptar o texto bíblico original, Castelli também tenta analisar a importância do Apocalipse, ao longo dos tempos, através da influência que esse texto teve em personalidades tão diversas como Isaac Newton, Aleister Crowley ou Jorge Luís Borges, entre outros. Mas fá-lo de uma maneira que não me convenceu muito, já que me pareceu algo forçada, quase que a tentar – em vão – trazer para a experiência de leitura uma certa cadência e lógica mais estruturadas. Isto poderia ter resultado melhor se não fosse colocado na história de forma tão abrupta.

Mas se a parte de Castelli, a adaptação do texto e da história original, não me pareceu muito bem conseguida, a minha opinião muda de forma radical quando olho para o trabalho de Corrado Roi. Verdadeiramente deslumbrante, carregado de personalidade própria e que nos deixa imagens visuais na memória muito depois de terminada a leitura da obra é como posso classificar o trabalho do autor nesta obra. 

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

É verdadeiramente sublime o trabalho de Roi e torna este um dos livros com melhores e mais originais desenhos a serem lançados por cá, durante este ano de 2021. A maneira como Roi interpreta cada personagem, cada momento do texto original, é uma verdadeira obra de arte. Na verdade, se há exposição que eu gostaria de ver, era a das pranchas e vinhetas deste Apocalipse! Cada personagem, cada momento, cada pose, cada ambiente é carregado por uma inspiração divina(?) de Corrado Roi que é digna de nos tirar o fôlego. Sendo um estilo de ilustração demasiado sombrio e macabro para muitos, acho que, ainda assim, mesmo que não se goste do estilo, temos que admitir que o trabalho do autor é de uma força visual magnífica. É um tipo de ilustração que poderíamos encontrar numa capa de bandas como Slipknot, Tool ou Marylin Manson, por exemplo.

A técnica a preto e branco, o trabalho de luz e sombra, o jogo de câmaras, a dinâmica na planificação de páginas e, sobretudo, a originalidade e inspiração que emana de cada ilustração fazem deste Apocalipse uma obra obrigatória para todos os que sabem (e gostam de) apreciar um bom trabalho de ilustração.

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

E é também por causa disso que eu terei que me repetir e dizer, uma vez mais, que este livro seria perfeito se fosse mudo, sem qualquer recurso a legendas com texto. E a parte mais contemporânea das personalidades Newton, Crowley e outros, também poderia sair, quanto a mim. É no bailado de ilustração que este livro é fantástico.

A edição d’ A Seita apresenta capa dura, bom papel baço e boa qualidade de encadernação e impressão. Os dossiers de extras, que aparecem no início e no fim do livro, estão muito bem preparados por Castelli. O "Guia de Leitura" também é uma boa adição para tornar menos penosa a leitura da história. Nota ainda para o facto desta edição ter duas capas diferentes - a dita "normal" e a exclusiva da loja Wook. Coisa que me parece interessante e aumenta o cariz colecionável da obra.

Em conclusão, tenho que felicitar a editora pela aposta nesta obra de qualidade. Este é um livro que me deixa com sentimentos mistos, é certo, pois, por um lado, temos um trabalho de ilustração que é uma verdadeira obra magna, mas, por outro lado, temos uma adaptação do “argumento” original – se é que se pode considerar “argumento” – que não é muito feliz. Seja como for, uma coisa é certa, esta é uma obra que marcará qualquer leitor pela força visual que traz consigo.


NOTA FINAL (1/10):
8.3



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



-/-

Apocalipse: O Livro da Revelação de São João, de Alfredo Castelli, e Corrado Roi - A Seita

Ficha técnica
Apocalipse: O Livro da Revelação de São João
Autores: Alfredo Castelli, e Corrado Roi
Editora: A Seita
Páginas: 112, a preto e branco (e 16 páginas a cores)
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Julho de 2020

2 comentários:

  1. Já que estamos em terreno de adaptações obras de prosa a BD, deixo aqui algumas sugestões aos editores da Seita:

    - Paradise Lost (baseado no poema original de John Milton), adaptado magnificamente pelo espanhol Pablo Auladell

    - City of Glass (original de Paul Aster) ilustrado pelo grande David Mazzucchelli

    - Toda a obra de Sergio Toppi (incluindo adaptações de contos e folclore)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro António. O Cidade de Vidro, do Paul Auster, chegou a ser publicado por cá, pela editora ASA. Esse Paradise Lost nunca li. Vou investigar.

      Eliminar