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terça-feira, 19 de outubro de 2021

Entrevista a Derradé - "Só comecei a fazer BD porque ninguém em Portugal fazia o tipo de bd que eu gostaria de ler"



E se, hoje de manhã, publiquei uma entrevista com Lucio Oliveira, um autêntico mestre da bd humorística brasileira, agora é altura de publicar a conversa que tive com Derradé, também ele um verdadeiro mestre da bd humorística em Portugal.

O autor prepara-se para editar, pela Escorpião Azul, a sua mais recente obra O Fogo Sagrado.

No domingo, dia 31 de Outubro, às 16h30, o livro será oficialmente lançado no Amadora BD, com a presença de Derradé. Não faltem!

Para já, deixo-vos com esta interessante conversa que tive com um dos nomes mais proeminentes da banda desenhada humorística de Portugal.



Entrevista


1. A Escorpião Azul prepara-se para lançar no Amadora BD o teu novo livro, intitulado O Fogo Sagrado. Tenho visto que o descreves como, e passo a citar, “Uma autobiografia fictícia pós-apocalíptica viral”. Queres elaborar?
É basicamente isso mesmo. É um livro de ficção, com uma parte auto-biográfica nem sempre verdadeira, com uma outra parte inspirada na pandemia que é fictícia (a parte, não a pandemia). 
Não queria estar a revelar demasiado pois o livro foge bastante ao que é hábito encontrarem nos meus livros, até em termos gráficos. Digamos que estou num tom mais confessional.



2. Sendo uma autobiografia, podemos considerar que, finda a leitura deste O Fogo Sagrado, saberemos mais sobre a tua pessoa, bem como que importância tem para ti – enquanto leitor e autor - a banda desenhada?
Assim o espero. Este livro pode ser considerado a minha última declaração de Amor a esta Arte. A partir daqui não tenho planos para mais nenhuma obra que possa ser considerada autobiográfica, como alguns viram por exemplo n'A Loja, editada pela Polvo. Se fizer um "Loja 2 - Trespassa-se" não será voltada para o meu umbigo.



3. Pode-se considerar, então, esta obra como uma homenagem à banda desenhada em si?
Também pode ser vista assim. Eu diria que a dupla A Loja e O Fogo Sagrado constituem essa homenagem à BD. Um mais voltado para a parte criativa e de edição (O Fogo) e o outro para a parte comercial, coleccionismo e de consumo (A Loja)


4. Tens sido um autor que ora lança obras pela editora Polvo, ora as lança pela editora Escorpião Azul. Não há aqui conflitos de interesses entre editoras? É fácil esta gestão? Porque é que este fenómeno acontece? 
Vamos por partes, A Polvo na sua primeira vida era constituída pelo Pedro Brito (Autor de BD com A grande), pelo Rui Brito (que continua na Polvo) e pelo Jorge Deodato (que passou pela Calçada de Letras e fundou a Escorpião com a Sharon Mendes). Assim, continuo sempre na Polvo e é a minha casa desde sempre. Mas isso não me impede de ter um projecto ou outro editado por outra malta, neste caso a Escorpião (como já aconteceu com a Calçada de Letras), a convite do Jorge. O Rui nunca levantou grandes problemas e eu até acho engraçado ser editado por duas editoras. E é mais uma maneira de ajudar a edição de BD Portuguesa, fornecendo conteúdo.



5. Como tem sido trabalhar com a Escorpião Azul neste O Fogo Sagrado?
Bastante tranquilo. Considerando que atrasei o livro em um ano porque os primeiros tempos de confinamento não foram muito produtivos para o meu lado. E é preciso louvar a Escorpião pelo trabalho de apresentação de novos autores e o resgate de não tão novos autores. Muita gente se esquece que devido à inexistência de revistas de BD em Portugal, o crescimento dos autores faz-se em público, com a edição de livros. É uma situação ingrata.


6. Normalmente olhas para a sociedade com um certo humor sagaz. Há, para além do humor presente, uma tentativa da tua parte em criticares a sociedade e fazeres um “abre olhos” aos teus leitores ou o teu intuito passa, apenas, por causar boa disposição no leitor?
Quando se faz humor o primeiro e grande objectivo é fazer rir, ou sorrir vá. Se depois se conseguir dar mais qualquer coisa ao leitor, óptimo. Mas se a parte de humor falhar, então de nada adianta um grande discurso filosófico pois estará no palco errado. Tento equilibrar, mas por vezes é difícil de conseguir essa dosagem. Aliás, eu considero muito mais complicado fazer uma obra de humor do que uma obra dramática. Já várias vezes falei sobre isso e deixa-me extremamente irritado e desiludido o lugar secundário que o humor tem perante o Drama actualmente. Basta ver o desaparecimento das categorias de humor em prémios de BD ou a raridade que é uma obra de humor ganhar um grande prémio (literatura, cinema o que quiserem). Tem de ser mesmo uma obra excepcional.



7. Já ponderaste fazer um livro de bd sem humor ou é algo impossível para ti, pelo simples facto de o humor estar no teu ADN?
Sem humor? Mas é o que tenho feito até agora... Tenho um livro que está um terço feito, passado na implantação da república, que é mais vocacionado para a ficção histórica e aventura, mas tem sempre um ou outro toque de humor e piscadela de olho ao leitor. O meu ADN é o humor.


8. Tens sido uma voz ativa na defesa do humor enquanto género de banda desenhada. Sentes que este género é “maltratado” ou esquecido pelo setor? Que achas que deveria ser feito para que esta situação mudasse?
Não só na Banda Desenhada. Como referi acima, é raríssimo uma obra de humor ganhar um prémio, tem de ser mesmo muito boa, excepcional mesmo, enquanto uns dramalhões medianos por vezes conquistam esses mesmos prémios. Fui agora mesmo confirmar ao imdb, sabes quantos prémios venceu A Vida de Brian, um filme que considero dos melhores jamais feitos? Nenhum. Por muito polémicos que sejam, os Prémios do Amadora BD dão visibilidade. Ao eliminarem a categoria de humor contribuíram para o obscurantismo que paira sobre o humor, a nível mundial. E não serve de desculpa o pouco número de obras de humor editadas, basta consultar a listagem de esse género tanto no Central Comics como no Bandas Desenhadas para desarmar esse argumento. Não sei o que deveria ser feito, mas o que não deveria ser feito era eliminar essas categorias.



9. E sentes que esse esquecimento do humor entanto género de bd é um mal nacional ou também acontece o mesmo lá fora?
É difícil de estabelecer um padrão. Por cá parece-me evidente, nos países anglo-saxónicos também se nota (o cartoonista António que o diga) mas por exemplo em França (o país do Charlie Hebdo) e na Bélgica isso não se passa. Será que está relacionado com o grau de cultura dos habitantes desses países? Geralmente diz-se que é preciso ter uma certa inteligência para apreciar certo tipo de humor. Se calhar é verdade.


10. Depois deste O Fogo Sagrado, já tens projetos para o futuro, relativamente a novos livros de banda desenhada? Queres partilhar novidades com os leitores do Vinheta 2020?
Dia 15 de Outubro fiz 50 anos. Já tenho muitos anos disto e o cansaço começa a ganhar cada vez mais terreno. É necessário dar espaço às novas gerações (como o João Gordinho, que é mais velhote do que eu...) e ir aparecendo cada vez mais espaçadamente até para não cansar o público. Começas também a olhar para os anos que, teoricamente te restam e em que livros é que realmente gostarias de empregar esse tempo, cada vez mais precioso. Assim, tenho planeados 5 ou 6 livros a fazer até aos sessenta anos. Idade em que, se ainda tiver saúde para isso me dedicarei à minha primeira paixão: Ler e coleccionar BD. Costumo dizer que só comecei a fazer BD porque ninguém em Portugal fazia o tipo de bd que eu gostaria de ler. E foi quando li a Chiclete com Banana e a Animal que descobri esse tipo de BD, como poderão comprovar ao comprar e ler e oferecer "O Fogo Sagrado".



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