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quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Análise: Abandonos

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Abandonos, de Ricardo Santo

Abandonos, assinala o regresso, passado apenas um ano, do autor português Ricardo Santo ao lançamento de banda desenhada. Depois de, também pela editora Escorpião Azul, o autor ter lançado a aclamada obra Planeta Psicose – que este ano arrecadou o Prémio Revelação nos Prémios do Amadora BD e que, nos VINHETAS D’OURO, também esteve, no ano passado, nomeada para Obra Revelação da Banda Desenhada Nacional – eis que Ricardo Santo, também autor do novo banner do Vinheta 2020 - já agora! - regressou em 2021 com uma nova obra.

Que é totalmente diferente de Planeta Psicose. Bem, não diria “totalmente”, mas diria que Abandonos e Planeta Psicose são diferentes em quase tudo. Em primeiro lugar, Abandonos é um livro a preto e branco e, em segundo lugar, esqueçam toda aquela loucura e comédia que Planeta Psicose nos deu. Abandonos é uma obra bem mais séria e que convida a uma reflexão profunda, trazendo consigo uma componente didática que, tenho que confessar, me surpreendeu.

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
A história, que mistura realidade e ficção, mostra-nos o percurso de alguns portugueses que se juntam em torno de um ideal. Ricardo Santo recupera as tragédias vividas nos inesquecíveis incêndios de 2017, que entre outros locais da floresta portuguesa, afetaram fortemente o património natural e cultural da Serra da Estrela. É assim criado o Movimento por uma Estrela Viva com o intuito de proteger e preservar toda a área circundante desta região do país.

O livro é contado sob a forma de testemunho, dando a entender que o autor se serviu de conversas e/ou entrevistas com as pessoas, aparentemente, reais que aparecem neste Abandonos.

E diga-se que os acontecimentos estão bem cobertos em apenas 40 páginas de livro: desde o terror que as pessoas que se viram perto das chamas destes incêndios experienciaram; passando por uma padaria que, pela noite dentro, se manteve aberta para fornecer pão, calor humano e casas de banho a todas as pessoas que ali estavam cativas, não podendo circular para os seus destinos; ou como foi visualizar um território completamente destruído, com veículos queimados, árvores carbonizadas ou animais completamente perdidos; os eventos estão bem descritos.

Com efeito, Ricardo Santo, oferece-nos um testemunho real e impactante sobre esta tragédia que ainda permanece bem viva nas nossas mentes. Ou, se não permanece, devia e algo está mal. E, curiosamente, Abandonos também nos faz relembrar disso. Que é importante que lutemos pela nossa terra, para que a mesma perdure e floresça, enquanto nos juntamos a outras pessoas com ideais semelhantes. Muito simples, muito direto.

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Olhando para as ilustrações deste Abandonos, posso dizer que será nesse cômputo que os leitores melhor identificarão o estilo próprio de Ricardo Santo. E, portanto, onde Planeta Psicose e Abandonos mais se tocam.

Com um traço semi-caricatural que muito aprecio, o autor mantém-se novamente eficaz em oferecer-nos ilustrações bem conseguidas e bastante inspiradas. As personagens apresentam expressões faciais inequívocas e uma boa linguagem corporal, enquanto que os ambientes e cenários se apresentam bem desenhados, especialmente nas vinhetas onde se denota que o autor mais de demorou na caracterização cénica. E que dizer das fantásticas páginas de guarda em que o autor apenas desenha detalhes da natureza? Que potencial enorme que este autor tem! Sendo desenhos simples, são igualmente desenhos muito graciosos. 

Aprecio muito o traço deste autor e este Abandonos prova que o mesmo não sabe apenas desenhar histórias divertidas, de humor. Não há humor nenhum em Abandonos e, mesmo assim, os desenhos de Ricardo Santo encaixam que nem uma luva nos relatos sérios e emotivos que nos são dados. E se gosto daquilo que o autor consegue fazer com cores, também gostei bastante deste livro a preto e branco.

Voltando à história, devo admitir que o livro não nos dá propriamente “uma história”. Não há aqui um argumento clássico. Ao invés, aquilo que Abandonos nos oferece reside muito no relato daquilo que se passou. Se, por um lado, do ponto de vista do argumento, parece que Ricardo Santo não dá qualquer salto qualitativo nesta história, por outro lado, fica óbvio que não era essa a pretensão do autor. A ideia é relatar, educar e fazer refletir. E nisso, Abandonos funciona perfeitamente.

E, nesse sentido, até vou mais além, pois considero que há uma carga didática que nem o autor, nem a Escorpião Azul, nem o Movimento por uma Estrela Viva, devem deixar de promover. Será que já foram contactadas as escolas deste país para que o livro possa ser promovido junto dos alunos? Será que já foram contactadas a Proteção Civil, as Câmaras Municipais das áreas ardidas, os museus naturais de Portugal, as lojas de souvenirs da Serra da Estrela para que todos conheçam Abandonos? Se tal não aconteceu, devia acontecer. Eu sei que é mais fácil de falar do que fazer mas isto é algo que precisa mesmo ser feito. Acho que este é um daqueles livros que mais do que receber o aval e o bom parecer dos leitores e críticos de banda desenhada, precisa mesmo é de chegar a todas as pessoas. Ao maior número possível. As que lêem e as que não lêem banda desenhada. O potencial é infinito desde que, claro está, os agentes envolvidos com este livro saibam “mexer-se” e fazer lá chegar a mensagem.

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
O que me leva a falar da edição da Escorpião Azul que, não surpreendentemente, está em linha com os lançamentos habituais desta editora: capa mole, papel decente e boa encadernação. Nada há a objetar quanto a isso, já que é a fórmula que a editora sempre apresenta. 

No entanto, acho que há aqui uma coisa que, eventualmente, e de forma lamentável, passou ao lado dos editores e, talvez mesmo, do próprio autor: é que, em nenhum sítio da capa há alguma menção ao caráter didático da obra ou ao simples facto da mesma ser sobre os incêndios que assolaram Portugal durante o ano de 2017. Como é possível?! Isto podia (devia!) ter sido feito com um subtítulo, ou com um autocolante a fazer menção a tal ou com um elemento gráfico que chamasse a atenção para o tema do livro. Assim, como está, com o título Abandonos e duas miúdas giras na capa, este livro parece, acima de tudo, um romance. Em marketing estudamos a opportunity to sell que, basicamente, é o elemento diferenciador e/ou especial que fará com que o nosso produto seja facilmente vendável. Pois bem, a opportunity to sell de Abandonos é o facto de este ser um livro didático sobre os incêndios que ocorreram em Portugal em 2017. E se isso não é aproveitado, perde-se a grande oportunidade de negócio inerente ao livro. Mais do que receber análises em blogs de banda desenhada, este livro deve estar presente em todos os lugares que já mencionei acima, de cabeça. E muitos outros que, naturalmente, olvidei. E acho que a editora e autor ainda vão a tempo de “fazer barulho” com este livro.

Em conclusão, considero que Abandonos ainda não é o livro com o forte e marcante argumento que considero que este autor merece para dar o grande salto e afirmação enquanto autor mas é, ainda assim, uma obra bastante interessante, que merece ser lida mas, mais do que isso, oferecida. Aos mais novos, especialmente. Para que saibamos e ensinemos o valor de certas coisas na natureza, que damos como certas. Oh, que bom é quando a banda desenhada, para além de nos dar bons momentos, também traz consigo uma boa dose de responsabilidade social! É o caso.


NOTA FINAL (1/10):
7.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul

Ficha técnica
Abandonos
Autor: Ricardo Santo
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 40, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Outubro de 2021

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