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sábado, 25 de novembro de 2023

Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a História Apavorante dos Náufragos do Jakarta

Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne - Arte de Autor

Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne - Arte de Autor
1629 - O Boticário do Diabo … ou a História Apavorante dos Náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne

A Arte de Autor lançou no Amadora BD o mais recente trabalho de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne, que dá pelo (longo) nome de 1629 - O Boticário do Diabo… ou a História Apavorante dos Náufragos do Jakarta e que, na forma, é uma BD clássica de piratas. Como tal, é natural que sejamos remetidos muitas vezes para Long John Silver, a fantástica série de banda desenhada do mesmo autor Xavier Dorison onde, curiosamente, Thimothée Montaigne, também colaborou - embora com a função de colorista, apenas.

Mas se Long John Silver se centra nessa personagem fictícia criada originalmente por Robert Louis Stevenson para o seu clássico da literatura A Ilha do Tesouro, este 1629 é baseado em factos verídicos. Como tal, a história da obra centra-se no evento histórico que envolveu o navio holandês Jakarta (ou Batávia), pertencente à poderosa Companhia Holandesa das Índias Orientais, que acabou por naufragar em 1629 numa ilha perdida no Pacífico. E são mesmo as condições que levam a esse naufrágio que constituem o engodo para tornar a história desta obra mais impactante para o leitor. É que esta viagem com o destino à Indonésia teve elementos dignos de uma thriller! O navio transportava uma incomensurável fortuna em ouro e diamantes que, juntamente com as penosas condições de vida a bordo de um navio à época, aguçaram apetites alheios que deram origem a uma conspiração com o intuito de inverter os papéis designados no navio, de forma a deitar mãos ao enorme tesouro.

Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne - Arte de Autor
E, mesmo sendo verdade que havia tripulantes de todas as classes sociais a bordo do navio, indo dos mais pobres até à classe alta de Amesterdão, a verdade é que todos eles tinham em comum a necessidade desesperada por embarcar nesta longa viagem com a esperança de mudança de vida. De todos os homens e mulheres a bordo, havia um que se diferenciava: Jeronimus Cornelius, um boticário arruinado, que até era procurado pela Inquisição e que, a bordo, era a segunda pessoa mais importante. Sendo misterioso, carismático, culto e inteligente, a sua presença parece deixar marca em todos à sua volta, incluindo o leitor deste 1629.

De facto, Dorison tem o mérito de nos oferecer um daqueles vilões que, pela sua personalidade e crueldade, facilmente causa impacto no leitor. Aliás, esta capacidade do argumentista para esculpir excelentes vilões não é, de todo, uma novidade, se tivermos em conta que, além do já referido Long John Silver, o autor também deu vida aos cruéis vilões de O Castelo dos Animais, Undertaker ou O Terceiro Testamento.

Ora, voltando ao vil Cornelius, à medida que a história vai avançando, começamos a tomar contacto com o seu plano diabólico e conspirativo de tomar as rédeas, ou o leme, do Jakarta, através de um motim que vai alimentando, pela sombra, nos bastidores da grande embarcação. Mas o boticário parece ter uma oposição inesperada em Pelsaert, o Subintendente do Jakarta; em Hayes, um simples marinheiro; e, especialmente, em  Lucrécia Hans, uma bela mulher a bordo por quem o Boticário sente um crescente desejo. O clima de tensão vai, então, aumentando gradualmente, passando para o leitor, de forma hábil, uma certa sensação de urgência, em que o argumentista Dorison é pródigo nas suas histórias.

Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne - Arte de Autor
O que é curioso é que o navio Jakarta representa uma dicotomia óbvia: é que, por um lado, torna-se o lugar mais perigoso do mundo e símbolo do desastre e  tragédia iminente para a sua tripulação, por outro lado, representa igualmente o único modo de salvação para todos os que nele viajam.

Não sendo uma história tão original ou inesperada assim, tem nesta vertente de se basear num acontecimento histórico, uma forte vantagem. Não o faz de forma didática. Ao invés, procura ser um verdadeiro livro de aventura que consegue captar e aprisionar o leitor à ação do livro. De facto, assim que começamos a ler 1629, o difícil mesmo é pararmos a leitura. E, também por esse motivo, acaba por ser agridoce que, no final da leitura, fiquemos a meio da história, já que ainda falta o segundo volume do díptico.

A trama que se vai instalando é excelente, mas também aprecei especialmente a forma como nos é mostrada a vida a bordo, à época, bem como todas as privações e sacrifícios que isso representava. Nesse ponto, e com as devidas diferenças, claro está, até me senti remetido para o igualmente fantástico Moby Dick, de Chabouté.

Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne - Arte de Autor
Xavier Dorison revela-se muito inspirado e tem o mérito de pegar neste incidente da história e transformá-lo num romance impactante. As personagens são marcantes, encetando bons diálogos entre si e o ritmo da narrativa é muito bom.

E não é apenas pelo facto da história e das personagens serem bem trabalhadas por Dorison que este livro vale a pena. Até porque, honestamente, até são as belas ilustrações de Thimothée Montaigne que saltam primeiramente à vista.

O autor já trabalhou com Dorison na série O Terceiro Testamento e no primeiro volume de Long John Silver, portanto, parece que a ligação entre os dois é estreita e que, em termos de conceção da obra, se entendem às mil maravilhas. Montaigne apresenta um traço semi-realista que, tendo a capacidade de agradar aos mais adeptos do franco-belga clássico, também não está enclausurado nesse estilo e consegue ter um aspeto moderno, ao mesmo tempo. Tudo o que Montaigne ilustra, seja o mar, o navio, as personagens, as paisagens, os momentos de ação, os momentos de dor, os momentos de mistério… é visualmente apelativo e apresenta uma qualidade inegável em termos técnicos. É difícil que não surja no leitor uma certa sensação de maravilhamento pela simples observação de tão belas ilustrações.

Destaque ainda para a brilhante caracterização das expressões das personagens, bem como para a linguagem corporal das mesmas. Tudo bem feito!

Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne - Arte de Autor
E mesmo em termos de planificação, enquadramentos e até na forma como as legendas são inseridas na obra, 1629 é uma obra de qualidade superior, onde nada parece ter sido deixado ao acaso. Parece uma daquelas grandes produções de Hollywood, mas aplicada à banda desenhada.

Para que nada falhasse, até mesmo as cores – da autoria de Clara Tessier – são magníficas, acrescentando todo o tipo de sensações que o argumento de Dorison e os desenhos de Montaigne precisavam.

Quanto à edição, este livro é um forte candidato a melhor edição do ano. Não o será pelos extras, que não há, mas sim pelo magnífico objeto-livro que esta edição consegue ser! Os acabamentos da capa são tão especiais que podemos considerar como raros de encontrar em banda desenhada. A capa é dura e apresenta uma textura que faz lembrar uma malha têxtil que se torna agradável ao toque. E, depois, o livro também apresenta, quer na capa, quer na contracapa, quer na lombada, numerosos detalhes com acabamento dourado que parecem fazer-nos acreditar que se trata de uma edição do século XVII, do tempo da viagem do Jakarta. Juntando os acabamentos, os desenhos e o próprio arranjo gráfico da capa, lombada e contracapa, é dos livros mais bonitos de banda desenhada que já vi. Lindo, lindo, lindo! De resto, o papel é couché e de boa qualidade, tal como assim é a encadernação e a impressão da obra. Tudo muito bem feito e a roçar a perfeição, pese embora, em termos de revisão, saltem à vista mais gralhas - como repetição de palavras ou erros de sintaxe – do que seria desejado.

Em suma, 1629 - O Boticário do Diabo … ou a História Apavorante dos Náufragos do Jakarta, é uma obra de altíssimo nível – uma das melhores do ano – que certamente agradará a todos os adeptos de uma boa banda desenhada de aventura, onde o argumento, repleto de personagens marcantes e misteriosas, e os desenhos soberbos habitados por belas cores, andam de mãos dadas. E, claro, a edição da Arte de Autor também é das melhores do ano. No fundo, 1629 é aquilo a que, no cinema, chamaríamos de “grande produção”. A única coisa a lamentar é que não sabemos quando nos chegará o segundo e último volume desta história. Mas mal posso esperar!


NOTA FINAL (1/10):
9.7



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Análise: 1629 - O Boticário do Diabo … ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne - Arte de Autor

Ficha técnica
1629 - O Boticário do Diabo … ou a História Apavorante dos Náufragos do Jakarta
Autores: Xavier Dorison e Thimothée Montaigne
Editora: Arte de Autor
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Outubro de 2023

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