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terça-feira, 28 de novembro de 2023

Análise: Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim

Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal - Gradiva

Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal - Gradiva
Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal

Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim é uma das bandas desenhadas mais recentes no catálogo da editora Gradiva. E sendo verdade que esta é uma daquelas obras que se insere na categoria de “banda desenhada educativa”, em que a editora portuguesa é pródiga, diga-se, também não é menos verdade que, neste caso, Fukushima é um livro bem conseguido, que apresenta bons apontamentos, e que é, por ventura, mais e melhor do que outras obras do género.

O acontecimento que a obra trata é o desastre nuclear de Fukushima, com a libertação de radiação para toda a zona circundante à central elétrica japonesa, que ocorreu a 11 de Março de 2011 e que foi impulsionado por um terramoto que, por sua vez, originou um enorme tsunami que abalou as instalações da central elétrica. É um daqueles momentos da história da humanidade em que parece que tudo o que poderia correr mal, correu ainda pior. Tratou-se de um encadeamento de infortúnios que viriam a causar esse desastre nuclear que é tido como o pior acidente nuclear desde o desastre de Chernobyl, em 1986.

Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal - Gradiva
As consequências do desastre de Fukushima foram devastadoras, levando a que cerca de 160.000 pessoas tenham sido evacuadas da região de Fukushima devido à contaminação radioativa. E muitas dessas pessoas, passados mais de dez anos, ainda não puderam retornar às suas casas.

Este livro da autoria do francês Bertrand Galic e do espanhol Roger Vidal, é bastante eficiente nos seus pressupostos, assumindo um registo muito franco-belga, quer na forma como a história nos é passada, quer nos desenhos que Vidal nos oferece embora, deva dizer, também é notória alguma influência do mangá na caracterização visual das personagens.

Mas vamos por partes.

Em termos de argumento, aquilo que Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim procura ser, é um relato bastante verosímil, que tenta recriar todos os acontecimentos vividos na central elétrica de Fukushima Daiichi e como os trabalhadores da central, que eram chefiados por Masao Yoshida, viveram este dia histórico e os restantes dias que lhe sucederam.

Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal - Gradiva
Como tal, o livro acaba por se centrar bastante em Yoshida, pois foi sobre os seus ombros que recaíram numerosas tomadas de decisão, que colocavam em risco a reputação do Japão e, mais importante que isso, a vida de todos os colaboradores que o rodeavam. E da população que habitava perto da central. Central essa que ficou sem energia, em plena escuridão, com comunicações com o exterior dificultadas, com um crescente número de explosões, que se seguiam umas às outras, e com um aumento da radiação, cada vez mais tóxica, à volta de toda a central. Masao Yoshida chegou mesmo a tomar medidas que iam contra aquilo que lhe era pedido, exteriormente, pela sua hierarquia. Entre a teoria e a prática, por vezes há uma grande distância, bem sabemos.

À medida que vamos acompanhando o que se passa, também nos é mostrada a comissão de inquérito que aconteceu posteriormente ao evento e onde são feitas muitas questões a Yoshida, tentando apurar o que realmente se passou e que medidas foram depois tomadas. Na verdade, até é essa comissão de inquérito que abre e fecha a história deste livro, servindo como engodo e “bengala narrativa” para que possamos mergulhar nos acontecimentos vividos no dia 11 de Março de 2011 e dando um cariz mais cinematográfico à obra.

Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal - Gradiva
Apreciei bastante o livro por não tentar ser demasiadamente educativo, aquando a leitura da banda desenhada. Ou seja, o argumentista Bertrand Galic procurou dar-nos uma aproximação dos factos, apoiando-se depois em algumas suposições ou factos inventados para sustentar o enredo. E isso acaba por funcionar bem, sem que o livro se torne pesado ou aborrecido, por estar imbuído em demasiada informação técnica. Essa informação, os factos e um estudo mais cuidadoso, acabam por constar no livro, sim, mas já depois de a banda desenhada ter terminado, através de um dossier de extras informativo.

Se a história e o argumento funcionam, devo dizer que também fiquei bastante agradado com o trabalho de Roger Vidal nas ilustrações da obra. Como já referido, o seu estilo é bastante europeu, com um belo e simples traço moderno e semi-realista que, sendo muito eficiente, também dá um aspeto visual bastante interessante à obra. As expressões das personagens são muito bem encetadas e a planificação dinâmica permite que estejamos sempre a ler o livro com um certo sentido de urgência, face ao que nos é relatado.

Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal - Gradiva
Uma das coisas que contribui para que, em termos gráficos, este Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim seja bastante belo, é devido às cores suaves que funcionam como suave mancha cromática para a história. Impera uma paleta de tons azulados que funciona bem na atmosfera que se procura passar para o leitor.

A edição da Gradiva está bem conseguida, com o livro a apresentar capa dura brilhante e bom papel baço no miolo - o que é o ideal para o tipo de arte de Roger Vidal, diria. De resto, temos boa impressão e boa encadernação. No final do livro, conforme já referi, somos brindados com um dossier de extras, bem documentado, sobre aquilo que se passou em Fukushima. Acaba por ser interessante pois, apesar da história da BD ter eventos fictícios, depois de lermos este dossier informativo, podemos atestar que, ainda assim, os autores foram bastante fiéis aos acontecimentos reais. E, lá está, este conjunto de extras permite aumentar e educar os leitores face a Fukushima, possibilitando que a BD não tenha a função clara e exaustiva de o fazer. Acaba por funcionar bem.

Já agora, faço votos para que a Gradiva não perca de vista o livro La Petite Fille et le Postman, dos mesmos autores, que foi publicado já neste ano de 2023, e que aparenta ser um belo romance de guerra. Fica a sugestão.

Em suma, Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim é um bom livro e uma agradável surpresa. É uma obra com um cariz didático, certamente, mas não se foca em demasia nessa função educativa – como infelizmente muitos livros do género tendem a fazer. Inversamente, aquilo que este livro faz, é dar-nos um relato vívido e intenso do desastre nuclear de 11 de Março de 2011. Dentro do género de “BD educativa”, e mesmo que não seja deslumbrante, é dos melhores exemplares no nosso mercado.


NOTA FINAL (1/10):
8.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim, de Bertrand Galic e Roger Vidal - Gradiva

Ficha técnica
Fukushima - Crónica de um Desastre Sem Fim
Autores: Bertrand Galic e Roger Vidal
Editora: Gradiva
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 215 x 286 mm
Lançamento: Outubro de 2023

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