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quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Análise: Vinil Rubro

Vinil Rubro, de Mário Freitas e Alice Prestes - Kingpin Books - Mário Breathes Comics

Vinil Rubro, de Mário Freitas e Alice Prestes - Kingpin Books - Mário Breathes Comics
Vinil Rubro, de Mário Freitas e Alice Prestes

A Kingpin Books lançou recentemente, através da chancela Mário Breathes Comics, a obra Vinil Rubro que, no espaço de um ano, é a terceira história (curta) de banda desenhada de Mário Freitas que, arredado durante bastante tempo do lançamento de novas BDs da sua autoria, parece agora ter voltado com uma renovada e fecunda energia para a escrita de novos livros. Pessoalmente, e sendo um admirador do seu trabalho, faço votos para que esta aura criativa se mantenha nos próximos tempos. Até porque neste Vinil Rubro que hoje vos trago, Mário Freitas atesta que ainda tem muito para dar ao género.

Depois do polémico (para alguns) A Polaroid em Branco, em que o autor se fez valer de ferramentas de Inteligência Artificial para a conceção do livro, e de Há Quem Queira que a Luz se Apague onde, em parceira com Derradé, criou uma história de humor e crítica social, Mário Freitas faz-se acompanhar neste Vinil Rubro por Alice Prestes, cuja incursão na banda desenhada é a primeira.

Os dois esforços anteriores de Mário Freitas tiveram os seus bons momentos e méritos, sim, mas é com Vinil Rubro que, quanto a mim, o autor se transcende e consegue recriar-se nesta belíssima obra em que é inequívoca e transbordante a inspiração do mesmo para textos profundos e para uma narrativa inteligente que consegue desafiar o leitor.

Vinil Rubro, de Mário Freitas e Alice Prestes - Kingpin Books - Mário Breathes Comics
É difícil falar da história de Vinil Rubro sem dar spoilers ou encaminhamentos involuntários para a compreensão da mesma, mas vou tentar: a história centra-se numa jovem mulher que trabalha de noite, como DJ, e vive sozinha com um gato. Parece estar à beira de uma valente depressão que é causada pela aparente ausência de uma relação passada. É na música, no vinho e nos momentos passados com o seu gato que a protagonista parece encontrar a sua redenção. Ou a sua perdição.

Em Vinil Rubro, Mário Freitas parece andar a brincar com as palavras e com o leitor, não sendo claro nem óbvio para onde nos quer levar e, ao mesmo tempo, oferecendo-nos um texto poético e muito bem escrito que permite interpretações mistas. E é quando atingimos a última página do livro que somos levados a relê-lo, percebendo que talvez o relato não tenha sido tecido por quem parecia estar a comunicar com o leitor primeiramente. Este exercício narrativo não é único em banda desenhada, e muito menos o é no cinema, mas também não é algo assim tão comum e, portanto, acaba por ter um resultado fabuloso e gratificante neste livro.

Assim sendo, e embora seja um pequeno livro de 16 páginas, é como se, quando atingimos a última página, só tenhamos lido metade do livro. Posso dizer que já fiz duas leituras completas de 32 páginas do livro (4 leituras, portanto) e quanto mais leio este Vinil Rubro, mais acho que este é o melhor argumento de Mário Freitas. E, se não me equivoco, já li todos os seus livros. Como pequeno detalhe/sugestão para que este inteligente jogo narrativo fosse ainda mais perfeito, acho que, de alguma forma, poder-se-ia ter demonstrado que o gato era uma gata. Através de um plano de detalhe da coleira do(a) mesmo(a) que mostrasse o seu nome feminino, por exemplo. Seria ainda mais perfeito para o jogo narrativo criado! Não digo mais nada. Quem já leu deverá compreender o porquê desta minha sugestão.

Vinil Rubro, de Mário Freitas e Alice Prestes - Kingpin Books - Mário Breathes Comics
Mas, se o trabalho de Mário Freitas é notável, não o seria tanto se toda a componente visual criada por Alice Prestes não fosse tão singular, elegante e bela, com a capacidade de servir a tónica mais que certa para a história imaginada pelo argumentista. Com um estilo de desenho completamente diferente daquilo a que estamos habituados ao nível da banda desenhada nacional, Alice Prestes convence logo na primeira prancha. Ou melhor, na primeira vinheta. 

Se o desenho é belo e diferenciado, as cores - onde, consoante a cena e aquilo que da mesma interessa extrair, a paleta vai mudando entre os tons verdes, azuis e vermelhos - são verdadeiramente lindas. É um universo pictórico muito belo aquele que a autora nos consegue dar. Para um livro que apenas tem 16 páginas, não deixa de ser notável que o seu grafismo sobressaia e se acomode na nossa memória. Se daqui a 10 anos alguém me falar de Vinil Rubro, estou certo que lembrar-me-ei com facilidade e em poucos segundos do estilo gráfico da obra. E isso, meus caros, e especialmente tendo em conta a quantidade de banda desenhada que leio, é um imenso feito.

O estilo de ilustração de Alice Prestes será mais oriundo da ilustração do que da banda desenhada e isso é mais sentido nos casos em que as personagens fazem alguma ação mais física. Nesses casos, sente-se que o desenho é algo rígido, carecendo da dinâmica necessária para passar a noção de movimento. Não obstante, e perante um desenho que em tudo o resto é tão belo, diria que isto será apenas um detalhe. E, claro, como é uma obra que não pressupõe muita ação física por parte das personagens, isto não chega a ser um problema. Alice Prestes pode não ser a autora perfeita para qualquer tipo de banda desenhada, mas sem dúvida que é a escolha certa para Vinil Rubro

Se há algo que me deixa insatisfeito com este livro? Sim, a sua dimensão. Muito embora este seja um livro que, mesmo tendo 16 páginas, é como se tivesse 32, conforme já referi, creio que havia aqui espaço para tornar a experiência mais inolvidável e fazer deste livro um marco na banda desenhada nacional. E isso teria sido alcançado se o livro tivesse mais páginas para melhor conhecer e desenvolver as personagens e a trama. 

Vinil Rubro, de Mário Freitas e Alice Prestes - Kingpin Books - Mário Breathes Comics
As curtas em banda desenhada – e no cinema ou na música, quando falamos de EPs e não de LPs - têm essa dicotomia: por um lado, permitem exercícios extremamente interessantes e gratificantes, como é o caso; por outro lado, a sua relevância acaba por estar confinada a essa mesma opção de tamanho mais pequeno. Por muito especial que uma curta seja, terá sempre adjacente a si mesma uma certa efemeridade, pois a curta metragem parece sempre um trailer alargado e não o próprio filme. Como se fosse o pitch promocional de uma obra que se quer grande. Pode ser um preconceito meu, admito, mas pergunto-vos, caros leitores: da vossa lista de 10, 50 ou 100 filmes preferidos, quantos são curtas metragens? Dois? Um? Zero? No meu caso, até há uma curta metragem linda que figura entre os meus 100 filmes preferidos - Harvie Krumpet, de Adam Elliot, para quem interessar saber. Mas, lá está, é caso único. É difícil para uma curta metragem almejar voos que não sejam curtos.

E, voltando a Vinil Rubro, gostei tanto que a minha queixa até é mesmo essa: que seja uma experiência curta demais. Mesmo que tenha, na verdade, 32 páginas. E nisso, tiro o chapéu a Mário Freitas. São 16 páginas que valem por dois.

Em termos de edição, o livro apresenta capa mole, com agrafos, e bom papel couché. A capa e a contracapa são baças, com verniz localizado em algumas partes, o que faz com que o aspeto da “embalagem” – porque é isso que as capas são nos livros – seja, desde logo, muito apetecível. Especialmente, tendo em conta que se trata de uma curta história, é com bons olhos que vejo esta elevação em termos de qualidade editorial como aliás, também já foi feito pela Kingpin Books em A Polaroid em Branco ou em Há Quem Queira que a Luz se Apague.

Concluindo, Vinil Rubro é uma autêntica pérola que merece ser conhecida e lida por todos os amantes de uma bela narrativa em banda desenhada. É uma das belas surpresas do ano - onde Mário Freitas nos dá, possivelmente, o seu melhor argumento até à data e onde Alice Prestes entra pela porta grande da BD nacional, oferecendo-nos ilustrações belíssimas e únicas - e só peca mesmo por ser curto em dimensão, não obstante as variadas leituras que, para uma melhor compreensão da inteligente trama, pressupõe do leitor. Quero mais!


NOTA FINAL (1/10):
8.8



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Vinil Rubro, de Mário Freitas e Alice Prestes - Kingpin Books - Mário Breathes Comics

Ficha técnica
Vinil Rubro
Autores: Mário Freitas e Alice Prestes
Editora: Kingpin Books
Páginas: 16, a cores
Encadernação: Capa mole, com agrafos
Formato: 16,5 x 23,5 cm
Lançamento: Outubro de 2023

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