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sexta-feira, 1 de março de 2024

Análise: O Breve Passado e Outras Histórias

O Breve Passado e Outras Histórias, de Miguel Santos - Escorpião Azul

O Breve Passado e Outras Histórias, de Miguel Santos - Escorpião Azul
O Breve Passado e Outras Histórias, de Miguel Santos

Esta recente proposta da editora Escorpião Azul reúne um conjunto de histórias curtas do autor Miguel Santos - responsável pela quadrilogia Ermal. Mas, para aqueles que estão mais familiarizados com essa obra, importa dizer que esta antologia é deveras diferente no tipo de histórias que nos pretende oferecer.

Aqui, Miguel Santos, mais do que uma narrativa grande e constante, dá-nos pequenos exercícios narrativos em que a ficção científica marca sempre presença. Com assento em temáticas que muito vão beber ao género do cyberpunk, o autor leva-nos para cenários distópicos, mas que levantam questões prementes sobre a sociedade atual. Ou para onde estará a mesma a caminhar. E é essa, a meu ver, a principal valência deste O Breve Passado e Outras Histórias, pois denota o olhar atento, pleno de consciência social, que Miguel Santos apresenta neste conjunto de histórias curtas.

O Breve Passado e Outras Histórias, de Miguel Santos - Escorpião Azul
No total, são 11 os contos breves que constituem este livro. Alguns dos quais, foram previamente publicados em fanzines e revistas de banda desenhada, enquanto que outros são inéditos. No seu todo, as histórias fizeram-me refletir e pensar um pouco nos caminhos possíveis a que certas práticas da nossa vida atual podem conduzir. Nem todas as histórias me deixaram igualmente satisfeito, mas devo admitir que apreciei especialmente a sensação de homogeneidade orgânica que, juntas, as histórias conseguem trazer. Quase como se fossem histórias que contribuem para um universo específico do autor. Gostei dessa orgânica. E destaco as primeiras três histórias, O Breve Passado, A Feitoria e Verde Podre como aquelas que me pareceram mais bem desenvolvidas e, portanto, com maior poder de impacto no leitor.

De certa forma, este livro remeteu-me para s série da Netflix, Black Mirror, de que gosto muito, e que tem uma premissa algo próxima. Cada episódio é uma forma singular de olhar para a mudança que a tecnologia pode operar - ou já opera - nas nossas vidas. Gosto disso de a cada episódio ter um novo e diferente ponto de vista. Que é independente do anterior e do sucessor, mas que, olhando para o “full picture” traz uma reflexão global.

E, à sua própria maneira, e com as devidas distâncias, Miguel Santos opera uma semelhante empreitada neste seu O Breve Passado e Outras Histórias. Mesmo assim, em quase todos os contos deste livro, sinto que ficou algo por contar, algo por dizer, algo por explorar. São, portanto, meros vislumbres, meros retratos, meras reflexões breves que o autor nos oferece. E não é que isso tenha algo de mau, mas acaba por saber a pouco.

Em termos de desenho, Miguel Santos apresenta-se a preto e branco, com as suas ilustrações a apresentarem estilos diferentes em algumas das histórias. Mesmo assim, o estilo mais comum é o preto e branco puro, sem lugar a cinzas, e com as sombras a apresentarem interessantes jogos de luz. Mas há, como é o caso da história A Gesta do Monstro ou, especialmente, Da Peregrinação do Irmão Januarius, exemplos em que os tons de cinza assumem uma grande relevância em termos visuais. 

Gostei especialmente do desenho, com mais detalhe e profundidade - e com um protagonista a fazer lembrar a personagem de Kratos, do videojogo God of War -, bem como do exercício criativo sem falas que o autor nos oferece neste Da Peregrinação do Irmão Januarius.

O Breve Passado e Outras Histórias, de Miguel Santos - Escorpião Azul
Até porque, a opção de Miguel Santos por um preto e branco mais puro na grande maioria das outras histórias, embora nos ofereça algumas imagens impactantes em termos visuais, também acaba por carecer de um maior conjunto de detalhes a nível cénico. Não obstante, é digna de nota a capacidade de world building do autor, com a construção bastante credível, por um lado, e original, por outro, de um generoso conjunto de personagens, trajes, veículos e criaturas futuristas. Nesse ponto, Miguel Santos é um digno criador de um universo muito pessoal e facilmente identificável.

Em termos de edição, o livro apresenta capa mole baça, com badanas, com papel decente e um bom trabalho ao nível da impressão e da encadernação. No final, há ainda um generoso dossier de 14 páginas com esboços e estudos de personagens onde, mais uma vez, fica bem visível a forma como o autor tece estudos trabalhosos, com bastantes fases, das suas personagens.

Uma outra coisa que gostei bastante nesta edição – e que até gostaria de ver mais vezes em antologias de banda desenhada - é a breve introdução, num discurso em primeira pessoa pelo autor, a cada uma das histórias. Não só essas introduções são bons complementos à leitura dos contos, como permitem um contacto mais franco e direto entre autor e leitor, aumentando a imersão do segundo na obra do primeiro.

Em suma, O Breve Passado e Outras Histórias funciona como um convite de entrada para o mundo futurista e distópico de Miguel Santos, onde são pertinentes e plausíveis as reflexões que, paralelamente, podemos fazer em relação ao mundo que nos rodeia na atualidade. Acredito que há aqui algumas histórias que, se pensadas de forma mais comprida, isto é, como uma “longa” em vez de uma “curta”, poderiam ter sido ainda mais marcantes para o leitor.


NOTA FINAL (1/10):
7.2



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Breve Passado e Outras Histórias, de Miguel Santos - Escorpião Azul

Ficha técnica
O Breve Passado e Outras Histórias
Autor: Miguel Santos
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 182, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Setembro de 2023

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