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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Análise: Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!

Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!, de Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso - Levoir e Público


Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!, de Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso - Levoir e Público
Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!, de Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso

Se há séries que são provocadoras, sem remorsos, e que emanam uma forte violência, Torpedo salta à memória como um dos belos exemplos dessa estirpe. E quando menciono “violência”, até nem me refiro a violência física - embora esta também exista em Torpedo, claro – mas de violência ao nível das histórias, das personagens e do enredo. Torpedo, também conhecido como Luca Torelli, é um verdadeiro bruto e uma personagem que, certamente, chocaria/chocará muitas das mentes demasiado (?) sensíveis que pululam nas gerações mais novas. Aliás, até vou mais longe: se Torpedo fosse uma série com mais sucesso - em vez de ser uma série de nicho - não tenho dúvidas de que muita gente se insurgiria contra a mesma, apelando ao seu cancelamento. Enfim, é o mundo atual em que vivemos.

Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!, de Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso - Levoir e Público
Mas, lá está, e talvez também por isso, essa violência, essa brutidão e essa aspereza que podemos encontrar em Torpedo, também fazem parte do conjunto de razões para que tantos leitores - incluindo a minha pessoa - descubram nesta série o sal e a pimenta que necessitam para uma história que mexe connosco, que nos choca, mas que, acima de tudo, nos faz rir perante o seu humor negro.

Depois de o Torpedo jovial – mas igualmente indecoroso e infame – que conhecemos na série originalmente desenhada por Jordi Bernet, e que colocava o protagonista, Luca Torelli, em plenos anos 30 (em 1936, mais concretamente), Torpedo 1972, conforme o nome sugere, posiciona a história nos anos 70, oferecendo-nos um Luca envelhecido e decrépito, embora mantendo todos os traços da sua personalidade. Este O Que Isso Dói! é o segundo volume desta aposta que tem Eduardo Rissso como ilustrador.

Neste volume, Luca Torelli acorre à sua amiga Lou para lhe atender a um pedido: matar o polícia Joe Carter, que está a pôr em perigo as raparigas e as próprias instalações do bordel, do qual Lou é gerente. Se Torpedo parece renitente em aceitar o pedido de Lou, logo acaba por aceder ao mesmo, quando esta lhe oferece, como parte do pagamento para este serviço, a possibilidade de bar e prostitutas grátis durante dois anos. Ora, combinado o negócio, Torpedo não terá pruridos éticos em assassinar alguém em troca de poder beneficiar de sexo grátis e sujo durante dois anos! Além disso, o seu fiel companheiro, Rascal, também poderá beneficiar deste pagamento.

Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!, de Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso - Levoir e Público
Por falar em Rascal, este mantém-se especialmente cómico neste volume, com a sua súbita necessidade de ir a um urologista para lhe tratar do problema de disfunção eréctil que lhe acontece devido à forte agressão às suas partes baixas, logo na primeira prancha do livro.

Se me perguntarem se a história, o argumento propriamente dito, deste O Que Isso Dói! tem algo de muito especial, terei que responder que não. A premissa é tão básica que - por falar em dor - até dói! No entanto, e à semelhança de um filme de Tarantino, Abulí procura mais dar-nos momentos marcantes, com diálogos inspirados e carregados de humor negro, do que em oferecer-nos algo que nos faça tirar grandes reflexões para a vida. É um daqueles casos onde é mais importante a jornada do que o destino.

O estilo de ilustração de Eduardo Risso casa bem com a personagem de Torpedo. Não será um desenho que, na minha opinião, é tão apelativo como o estilo mais clássico e maravilhosamente desenhado num traço a preto e branco puro por Jordi Bernet, mas, e até tendo em conta que este Luca Torelli já é outro do que o Luca Torelli que conhecemos - afinal de contas, passaram-se 36 anos para a personagem - a arte ilustrativa de Risso acaba por fazer jus à história e ao ambiente de Torpedo.

Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!, de Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso - Levoir e Público
Os que estão familiarizados com o tipo de desenho do autor – que, entre outras, pode ser apreciado em obras como 100 Balas ou Batman Noir, também editadas pela Levoir - encontrarão aqui muitos pontos em comum, já que o estilo “trashy” das personagens, que parecem saídas de um filme série B, se mantém uma imagem de marca do autor. E as cores acabam por desempenhar um papel importante porque, como Eduardo Risso não é um autor que deposite muitos detalhes nos seus cenários, as manchas cromáticas brincam bem com os ambientes que interessa recriar, explorando a dinâmica visual do todo.

Em termos de edição, a Levoir fez aqui um bom trabalho. Não esquecendo a edição da série completa (na altura) que havia editado em 2018, incluindo o primeiro volume de Torpedo 1972, a editora teve o bom senso de adaptar a edição deste O Que Isso Dói! às características gráficas dos 6 anteriores livros da coleção.

Assim, e com efeito, o livro apresenta o mesmo grafismo em termos visuais, com o mesmo lettering a vermelho, os mesmos tons a preto e a vermelho e o texto da contracapa em harmonia com o texto das contracapas dos anteriores seis livros. Além disso, na lombada, este novo volume continua a ilustração que o somatório das 6 lombadas já formava. É certo que a palavra “Torpedo” deixa de estar centrada (e como resolução desta consequência talvez este sétimo volume pudesse ter o nome dos autores, de lado, na parte superior da lombada, atenuando dessa forma esta assimetria, digo eu), mas parece-me que foi a escolha certa e que dignifica ainda mais a edição. Se tantas vezes a Levoir recebe críticas às suas edições, eis um belo exemplo de um bom trabalho de edição por parte da editora. E relembro ainda que o papel utilizado até melhorou face aos volumes anteriores e que o número de páginas com material adicional até foi bastante aumentado para 12 páginas.

Em suma, não consigo não ser fã de Torpedo. Eis uma das personagens mais eticamente incorretas da BD, uma autêntica besta no trato das mulheres e um verdadeiro animal no (in)cumprimento dos valores mais básicos de uma sociedade. Mas, de alguma forma, há nessa maneira de estar da personagem um charme sujo, uma beleza abismal, uma comédia abrutalhada, que entretém o leitor de forma viciante. Num mundo cada vez mais suscetível ao eticamente incorreto, a série Torpedo continua a afirmar-se como uma pedra no charco. E que bom é ser-se salpicado pela rebeldia e pelo anti-establishment. Recomenda-se, claro!


NOTA FINAL (1/10):
8.8



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!, de Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso - Levoir e Público

Ficha técnica
Torpedo 1972 - O Que Isso Dói!
Autores: Enrique Sánchez Abulí e Eduardo Risso
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 195 x 260 mm
Lançamento: Abril de 2024

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