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segunda-feira, 8 de julho de 2024

Análise: Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França

Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França, de Taha Siddiqui e Hubert Maury - Levoir

Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França, de Taha Siddiqui e Hubert Maury - Levoir
Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França, de Taha Siddiqui e Hubert Maury

A editora Levoir publicou recentemente a obra Dissident Club, uma banda desenhada autobiográfica escrita por Taha Siddiqui, um premiado jornalista paquistanês, e ilustrada por Hubert Maury. Neste trabalho, o argumentista mergulha no seu passado pessoal, desde os tempos de criança até aos tempos de adulto, para, detalhadamente, nos narrar todo o seu percurso até se tornar um célebre jornalista crítico do governo paquistanês. E que acabou, obviamente, por ser perseguido por isso.

A educação de Taha muito contribuiu para que o autor fosse construindo, paulatinamente, a sua consciência política. Os seus pais até nem eram muito extremistas com a religião islâmica no início da vida de Taha, mas à medida que o mesmo foi crescendo, viu o seu pai radicalizar-se, mergulhando numa prática mais profunda da religião. E naturalmente (como não?) este era apoiado pela sua mulher. Com esta doutrinação sempre presente de forma bastante austera, Taha e os seus irmãos viram a sua vida começar a perder os pequenos prazeres que outrora tinham apreciado: a brincadeira, a televisão, a banda desenhada e mais um sem número de coisas passaram a ser-lhes vedadas. E especialmente tudo aquilo que era oriundo do ocidente, era considerado “anti Islão” e, portanto, não deveria chegar às mentes das crianças. Taha e os irmãos até tentavam acatar estas ordens do pai, de forma a agradar-lhe mas, sendo crianças, não custa compreender que, mais cedo ou mais tarde, acabariam por procurar especificamente aquilo que lhes era vedado. “O fruto proibido é sempre o mais apetecido”.

Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França, de Taha Siddiqui e Hubert Maury - Levoir
Taha foi crescendo e, como não podia ocupar o seu tempo da forma de que mais gostava, acabou por se refugiar nos estudos, tornando-se um excelente aluno. Mas mesmo quando mostrava as suas notas perfeitas aos pais, estes pareciam não lhes dar a devida importância, focando-se mais na sua insatisfação perante o facto de Taha continuar sem saber o Corão de cor e salteado. Além de que a paixão de Taha por uma rapariga, cuja família praticava outro culto, também não seria tolerada pelas respetivas famílias.

Note-se que o autor não nos dá esta sua experiência pessoal em forma de queixume ou tentando recolher comiseração alheia… limita-se, isso sim, à exposição dos factos num discurso simples, claro e confidente. E com algum humor à mistura. E isso cria, logo ali, uma boa relação com o leitor que mergulha desbragadamente na sua vida. As sensações de injustiça e de empatia vão surgindo nas mentes dos leitores (apenas do mundo ocidental, suspeito) só pelo testemunho que nos é dado. Em sentido oposto - e lamentavelmente, diria - acredito que também haja gente – como os próprios pais de Taha ou outros praticantes radicais do islamismo – que, ao ler este livro, sinta aversão por Taha e o considere um perfeito infame. Enfim, é o mundo bipolarizado em que vivemos.

Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França, de Taha Siddiqui e Hubert Maury - Levoir
Entretanto, e já na idade adulta em que se havia tornado jornalista, Taha tem que fazer uma fuga forçada do Paquistão devido às ameaças de morte e a uma tentativa de sequestro, que o levam a refugiar-se em Paris, onde até acaba por fundar um espaço cultural e ativista com o mesmo nome deste livro: "Dissident Club".

A razão pela qual este livro funciona muito bem, é porque consegue obter um excelente equilíbrio entre política, religião e história de vida. Não se torna enfadonho em nenhuma das suas 265 páginas, porque é transparente e escorreita a forma como Taha nos mergulha na sua vida pessoal e, ao mesmo tempo, de forma orgânica e não doutrinal, nos leva a conhecer como é a vida no Paquistão. É natural, pois, e pelas boas razões, que o igualmente excelente O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf, ou mesmo Persépolis, de Marjane Satrapi, nos venham à memória quando lemos este Dissident Club.

Dissident Club explora profundamente os desafios que os jornalistas enfrentam no Paquistão, um país onde a liberdade de imprensa é severamente restrita. Siddiqui descreve as ameaças, agressões e a vigilância que ele e seus colegas enfrentaram devido ao seu trabalho de investigação; e a sua escrita é direta e envolvente, combinando relatos pessoais com análise política e social. O seu estilo acaba por ser bastante acessível, mas profundamente informativo, oferecendo insights sobre o complexo cenário político do Paquistão e as lutas dos jornalistas e ativistas.

Dissident Club também é enriquecido pelas ilustrações de Hubert Maury, que desempenham um papel significativo na narrativa do livro. O estilo expressivo das ilustrações de Maury - que me remeteu, com as devidas distâncias, para o dos irmãos brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá - ajuda a narrativa visual a transmitir as emoções e as tensões vividas pelo autor. As ilustrações e Maury são, pois, capazes de capturar a intensidade das situações descritas por Siddiqui, tornando-as mais palpáveis para o leitor. Gostei também da paleta de cores que alterna entre os tons mais amarelados - para o registo do passado de Siddiqui - e os tons azulados para o tempo presente em que o autor comunica diretamente com o leitor. Mesmo que o estilo de desenho seja em forma de esboço rápido e simples, as cores dão-lhe uma bela harmonia e uma estética, quanto a mim, bonita.

Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França, de Taha Siddiqui e Hubert Maury - Levoir
A edição da Levoir apresenta capa dura baça, com papel brilhante no interior que, a meu ver, é um pouco fino em demasia. Acho que, tratando-se da bela obra que é, este livro merecia um papel de melhor qualidade. Se bem que é decente, vá. De resto, o trabalho de impressão e de encadernação é de boa qualidade. Tal como em outros casos pontuais, embora este seja um livro lançado de forma avulsa, fora de uma coleção de Novelas Gráficas, apresenta o grafismo habitual desses livros, com a lombada a preto e a inscrição “ Novela Gráfica”.

Em suma, Dissident Club traz-nos uma história real alicerçada numa poderosa narrativa de coragem pessoal em que é dado destaque à determinação de continuar o trabalho jornalístico mesmo quando tal prática pressupõe ameaças à própria vida e coloca a segurança da família do jornalista em risco. Eis um excelente livro e uma das melhores surpresas deste ano de 2024 por parte da Levoir. Pelo menos, até ao momento corrente. Dissident Club é um ótimo testemunho de vida, uma reflexão político-religiosa muito bem contada em banda desenhada que, à semelhança de Um Árabe do Futuro ou de um Persépolis, merece ser lida por todo o mundo ocidental. E, bem, por todo o mundo oriental… mas isso talvez já seja pedir demasiado…


NOTA FINAL (1/10):
9.2


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Dissident Club - Crónica de Um Jornalista Paquistanês Exilado em França, de Taha Siddiqui e Hubert Maury - Levoir

Ficha técnica
Dissident Club: Crónica de um Jornalista Paquistanês Exilado em França
Autores: Taha Siddiqui e Hubert Maury
Editora: Levoir
Páginas: 272, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato – 195 x 270 mm
Lançamento: Maio de 2024


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