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quinta-feira, 22 de maio de 2025

Análise: Menina e Moça

Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate - Levoir - RTP

Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate - Levoir - RTP
Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate

Menina e Moça, adaptação por parte das autoras portuguesas Carina Correia e Rita Alfaiate, da obra clássica de Bernardim Ribeiro, é o mais recente volume da coleção Clássicos da Literatura Portuguesa em BD que a editora Levoir tem vindo a editar em parceria com a RTP.

Desta vez, temos uma dupla de autoras, depois de o mesmo já ter sucedido com Maria Moisés, que teve ilustrações de Joana Afonso e Carina Correia. E é a mesma Carina Correia que neste Menina e Moça volta a assinar a adaptação do argumento, fazendo desta vez parelha com Rita Alfaiate.

Esta é uma obra da qual, reconheço, pouco ou nada conhecia. A leitura posterior do caderno de informação adicional que esta edição da Levoir inclui permitiu-me, depois, saber que Menina e Moça é uma obra singular na literatura portuguesa, pois representa uma transição entre o final da Idade Média e o início do Renascimento. Foi publicada postumamente em 1554 e é muitas vezes considerada como o primeiro romance pastoril da literatura portuguesa, embora o seu caráter híbrido a torne difícil de categorizar: está ali entre o romance, a novela sentimental e a prosa lírica.

Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate - Levoir - RTP
A história aparece-nos divida em 3 narrativas: “História de Lamentor e Bilesa”, “Os Amores de Binmarder a Aónia” e “Os Amores de Avalor por Arima”. Acabam por ser três contos que, embora independentes, se relacionam entre si, tendo a mesma temática romântica e passando-se no mesmo cenário bucólico.

Mesmo assim, a estrutura da obra é fragmentária, com episódios que se sucedem sem uma clara linearidade, como se a memória e a emoção governassem a organização narrativa mais do que a cronologia. Essa fluidez contribui para o caráter lírico da narrativa, por ventura algo datado em relação às estruturas narrativas mais contemporâneas, o que, por um lado, até lhe dá um certo charme próprio, admito.

O tema que percorre todo o livro é o amor. Nas suas várias formas de sofrimento, pois parece existir uma constante perda, dor, frustração que as personagens têm de enfrentar. Todas elas são figuras atormentadas por paixões frustradas, amores interrompidos, ausências e destinos cruéis. Há uma forte presença do destino como força inevitável e impiedosa, que conduz os amantes à perda e ao sofrimento.

Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate - Levoir - RTP
Carina Correia resgata alguma da linguagem arcaica e elaborada utilizada por Bernardim Ribeiro na obra original, mesmo que se sinta uma (bem-vinda) tentativa de transportar um clássico da literatura portuguesa do século XVI para um formato mais acessível ao público contemporâneo. A adaptação do texto original por parte de Carina Correia revela-se, em grande parte, eficiente e escorreita, com a autora a saber captar o tom melancólico e introspectivo de Bernardim Ribeiro, respeitando a densidade emocional e simbólica da obra original. A linguagem escolhida preserva, na medida do possível, a musicalidade e a cadência do texto renascentista, evitando uma modernização excessiva que pudesse descaracterizar o seu espírito.

Contudo, essa fidelidade ao texto original tem um custo: por vezes, a leitura torna-se mais densa e exigente, sobretudo quando predominam longas sequências de narração, através de legendas em voz off, não havendo muitos diálogos. Talvez a inclusão de mais diálogos, digo eu, que favorecem a identificação com as personagens e dinamizam a progressão da história - pudesse ter equilibrado melhor o ritmo e o envolvimento emocional do leitor.

Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate - Levoir - RTP
Ainda assim, importa reconhecer que a adaptação cumpre bem os pressupostos fundamentais: respeita o núcleo temático da obra, mantém o ambiente lírico e pastoril, e consegue transportar para o formato da banda desenhada uma obra cuja natureza fragmentária e introspectiva tornava este exercício particularmente desafiante. É, por isso, um trabalho meritório e que abre caminho para novas leituras de Bernardim Ribeiro.

No que diz respeito às ilustrações de Rita Alfaiate, de quem sou confesso admirador, o trabalho apresentado revela-se algo irregular. Em algumas páginas, somos confrontados com imagens verdadeiramente impressionantes, que demonstram um domínio expressivo notável da cor, da composição e da atmosfera. Nessas vinhetas, percebe-se claramente uma inspiração profunda, quase devota, e o resultado é visualmente cativante e emocionalmente envolvente.

Contudo, esta qualidade não é constante ao longo da obra. Em diversos momentos, nota-se uma certa pobreza nos cenários ou mesmo a ausência dos mesmos, o que pode contribuir para uma sensação de vazio e de alguma descontinuidade visual. Isso não significa que o trabalho de Rita Alfaiate não seja eficaz - é, sem dúvida, funcional e, em várias passagens, belíssimo -, mas fica a sensação de que a autora poderia ter oferecido uma experiência visual ainda mais coesa e impactante.

Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate - Levoir - RTP
É claro que essa perceção de "potencial por cumprir" é reforçada pelo meu conhecimento do excelente trabalho e capacidade de Rita Alfaiate, que já demonstrou maior regularidade e profundidade visual noutras obras. É precisamente por se saber do que a autora é capaz que se torna inevitável comparar e concluir que, apesar do mérito inegável deste Menina e Moça, não será a obra que revela o melhor trabalho da autora. Isso não retira valor à obra, mas deixa no leitor uma certa expectativa não inteiramente satisfeita.

Em termos de edição, o livro apresenta capa dura baça, com bom papel brilhante no interior, boa impressão e boa encadernação. No final, conforme já por mim referido, há um caderno de extras onde nos são dadas informações adicionais sobre a obra, o autor e o contexto histórico dos mesmos.

Em suma, esta adaptação de Menina e Moça é um exercício corajoso e bem-intencionado, que traz uma nova luz sobre um texto fundamental da tradição literária portuguesa. Apesar de algumas oscilações no equilíbrio entre texto e imagem, bem como na consistência gráfica, trata-se de uma versão que cumpre os objetivos principais de tornar acessível uma obra densa e poética, respeitando o seu cerne. É uma porta de entrada válida para novos leitores e um exemplo estimulante de como os clássicos podem continuar a dialogar com a contemporaneidade.


NOTA FINAL (1/10):
6.8




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate - Levoir - RTP

Ficha técnica
Menina e Moça
Autoras: Carina Correia e Rita Alfaiate
Adaptado a partir da obra original de Bernardim Ribeiro
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Abril de 2025

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