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terça-feira, 20 de outubro de 2020

Análise: Arde Cuba




Arde Cuba, de Agustín Ferrer Casas 

Arde Cuba é a 9ª obra lançada na coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do Jornal Público. Desta vez, temos um registo ficcional baseado em eventos e personagens reais, que nos colocam em Cuba, no período de transição política, que obrigou o ditador Fulgencio Batista a abandonar o poder, e que levou Fidel Castro à liderança do país. Arde Cuba é da autoria do espanhol Agustín Ferrer Casas. 

O protagonista desta narrativa é o fotógrafo Frank Spellman que viaja para Cuba na companhia do seu amigo que também é uma estrela (verídica) de Hollywood. Falo de Errol Flynn, o famoso Robin Hood, no filme As Aventuras de Robin dos Bosques, realizado por Michael Curtiz, em 1938. Aparentemente, esta viagem a Cuba tinha o propósito único de, além dumas escapadas românticas, propiciar uma pesquisa de locais de rodagem para um filme. Mas, na verdade, o ator Errol Flynn tinha como objetivo entrevistar Fidel Castro. Por esse motivo, sucedem-se entretanto muitos eventos que levarão o protagonista Spellman a situações extremas, nomeadamente a um espancamento por elementos da Mafia local ou à participação num assalto de guerrilha, por parte do grupo de revolucionários de Castro. Para além de Fidel Castro, também as figuras históricas de Che Guevara, Ernest Hemingway ou Camilo Cienfuegos aparecem nesta obra. Mas todas elas - à excepção de Cienfuegos, que assume uma função de quase protagonismo na história – têm papéis muito secundários e são parcamente exploradas e utilizadas pelo autor. 

O que me leva à grande questão que envolve Arde Cuba

Há uma dualidade latente nesta obra que acaba por lhe retirar alguma seriedade nos seus intuitos narrativos. É que, se por um lado, o tema da revolução em Cuba é um assunto sério e pesado, que derramou muito sangue e que marcou, não só a história deste país, como também a história recente de regimes políticos de esquerda, a forma como é abordada neste Arde Cuba acaba por ser um pouco “morna”. Foi a decisão do autor, naturalmente, e portanto é justo que o tenha feito da forma que pretendeu. 

Mas não deixa de ser um trabalho que não é verdadeiramente histórico, nem cómico, nem de aventuras. Esta obra é tudo isso um pouco, e não faz nada disso especialmente mal. Mas também não o faz de forma inolvidável. A própria capa da obra revela a tal dualidade que menciono: sendo, a meu ver, uma capa muito bonita e muito inspirada, não conhecendo este Arde Cuba, ficamos com a sensação clara de ser uma obra de forte cariz político - se só olharmos para a capa. Mas, na verdade, até nem o é. A política está presente, mas de forma suave. 

E, no final, o risco que a obra enfrenta é mesmo este: é que, por ser demasiado “suave” – sem auto-consciência de si mesma, por ventura – é um trabalho que certamente não deixará os amantes de história e/ou política satisfeitos. Porque é demasiado light e não procura, sequer, ser um registo histórico. Mas, ao mesmo tempo, a narrativa que nos é dada também está, de certa forma, agarrada aos eventos históricos. E não apenas como uma mera contextualização de fundo mas, antes, como fazendo parte, ativamente, dos eventos que nos são relatados. Por outras palavras, enquanto registo histórico peca por defeito mas enquanto mera contextualização, peca por excesso. E é essa a grande dualidade que habita nesta obra. 

E que pode até ser extendida à parte visual de Arde Cuba. Também aqui, há uma dicotomia interessante. A forma como o autor ilustra Cuba é muito fiel à realidade e o próprio desenho dos edifícios emblemáticos da cidade de Havana ou a reconstrução dos automóveis da época e espaço urbano, é majestosa e digna de merecida menção. A isso talvez se deva o facto de Agustín Ferrer Casas ser arquitecto de formação. É uma maravilha admirar certas vinhetas a que o autor dedica tanto cuidado e devoção no desenho. Uma coisa que muito me agradou também, foi a diversidade de “planos de câmara” que o autor utiliza, sempre com muita mestria. Há várias vinhetas simplesmente fabulosas para observar. Na concepção das personagens, o autor também revela boas qualidades de desenhador mas aqui adoptando um estilo que, mesmo demonstrando um semi-realismo, tende a cair para um traço mais caricatural, especialmente no desenho de expressões faciais. E, mais uma vez, gera uma certa confusão no leitor ou na coerência dos intuitos do autor. É realidade ou é caricatura aquilo que o autor nos quer passar? É sério ou é cómico? Bem, possivelmente, será um misto de todas estas coisas e, naturalmente, nada há de errado nessa opção do autor. Não é isso que está em questão. Mas, antes, o seu bom funcionamento. Ou não. 

As cores aplicadas pelo autor são garridas e fortes, o que encaixa muito bem no imaginário cromático que temos de Cuba, especialmente da cidade de Havana. É uma escolha bem acertada do autor e que funciona de forma harmoniosa. Poucas vezes falo da legendagem nas minhas análises. Normalmente só o faço quando a experiência de leitura é marcada, de forma vincada, quer positiva, quer negativamente. Na obra em questão, fez-me alguma confusão a legendagem utilizada pelo autor. E por vários motivos. Sendo demasiadamente geométrica, parece-me que a balonagem utilizada não encaixa bem no estética das ilustrações de Agustín Ferrer Casas. A cor amarelo também não ajuda e distrai. Além de que, quase sempre, os balões são demasiado grandes em relação ao texto que albergam, o que rouba espaço à ilustração propriamente dita e faz certos balões parecerem vazios, mesmo que estejam cheios de texto.

Quando à edição da Levoir, está bem conseguida, oferecendo aos leitores um bom livro, bem produzido, e a um preço mínimo. Destaque ainda para as páginas de extras que funcionam como um bom acrescento para que o leitor consiga mergulhar mais porfundamente nos eventos retratados nesta obra. 

A meu ver, Arde Cuba é um livro que se lê muito bem e que tem a sua boa dose de interesse. Mas, derradeiramente, falha em ser um livro excepcional para ser, “apenas” um bom livro de banda desenhada. E é pena porque, pelo tema e pelas boas ilustrações do autor, poderia ser uma obra “ardente” em vez de ser, simplesmente, “morna”. 


NOTA FINAL (1/10): 
8.2 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Arde Cuba 
Autor: Agustín Ferrer Casas 
Editora: Levoir 
Páginas: 152, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020

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