Rubricas

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Análise: Ditirambos #3: Fauna


Ditirambos #3: Fauna, de vários autores

Mais um ano se passou e mais uma edição da antologia de banda desenhada Ditirambos foi lançada no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. Este é o terceiro volume e continua o bom trabalho que tem sido feito por este talentoso conjunto de autores nacionais.

Atualmente, Ditirambos é atualmente a minha antologia portuguesa de banda desenhada preferida. Acho que é uma "coisa" com cabeça, tronco e membros. Bem pensada, com um tema comum e com a regra das “quatro páginas por história”, parece-me uma coisa estruturalmente bem feita. Ora, adicionando a esta coleção vários autores com provas dadas na banda desenhada nacional, e que trazem consigo talento e personalidade, temos uma antologia que não me canso de recomendar.

O tema deste terceiro volume é a Fauna, um título que à semelhança do que foi feito nas duas edições anteriores, em que os temas foram o Êxtase e o Abismo, é suficientemente lato para que as abordagens – não só visuais, mas também ao nível do argumento – acabem por ser muito variadas. Lá por termos um estilo "cartoonesco" numa história, não quer dizer que, na história seguinte, não tenhamos um estilo realista no traço. Lá por termos uma história imensamente colorida com cores vivas, não quer dizer que a história posterior não seja a preto e branco. Ou seja, o resultado será sempre eclético. E isso é uma coisa de que eu gosto particularmente, pois acabamos sempre por ser surpreendidos à medida que vamos progredindo na leitura destas oito histórias.

De um modo geral, estas histórias estão bem conseguidas, permitindo-nos um vislumbre ténue ao trabalho e engenho de cada autor.

Os autores da segunda edição da Ditirambos transitaram todos para esta terceira edição, com a exceção de Carlos Drave, que saiu, e de Carla Rodrigues, que entrou. Portanto, para além desta última autora, participam nesta terceira edição Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Raquel Costa, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Francisco Ferreira, Sónia Mota e Sofia Neto. Cinco autores e cinco autoras. Viva a igualdade!

Como são histórias de apenas 4 páginas, vou tentar falar delas de forma genérica, tentando revelar o menos possível para não estragar a leitura a alguém que, perspicazmente, compre o livro após a leitura desta minha análise.

Joana Afonso é para mim, um sinónimo de qualidade. E, portanto, não foi surpresa que a sua história, Ninhos, me tenha agradado. O seu estilo de desenho, tão próprio, mantém-se em boa forma e também gostei do conceito que a autora introduziu na sua história. O sentimento com que fico sempre, quando acabo uma história da autora, é o seguinte: "quero mais!".

Já André Caetano, outro autor que considero com um potencial enorme, dá-nos, em A Caçada, uma bela e serena história que nos remete para a labuta de uma raposa, que procura um cacho de uvas inalcançável, e a (melhor) forma para chegar ao fruto do seu desejo. Simples, mas muito eficiente. E destaco as belas ilustrações e cores com que o autor nos brinda.

Raquel Costa e Nuno F. Cancelinha assinam, em conjunto, a história Oração. Mais uma vez, temos umas belas ilustrações e universo visual magnífico, por parte de Raquel Costa. Adoro, verdadeiramente, os belíssimos desenhos da autora que considero serem “fora da caixa” e de uma beleza ímpar que me fazem viajar para longe do expetável. Já tinha ficado maravilhado com a história da edição anterior, Mise en Abyme, que considerei a melhor dessa antologia. Neste caso, com Oração, também me senti maravilhado embora ache que, do ponto de vista do argumento, é uma história que precisaria de mais páginas para melhor ser compreendida e desenvolvida. Acho que havia aqui potencial para um livro de 40 ou mais páginas, vejam lá! Portanto, se a sensação é boa… também causa um certo "sentimento de oportunidade perdida". Bem, não diria “perdida” porque isso não seria justo, mas sim "oportunidade mal aproveitada", vá.

Avançando para Mãe Gaia, de Diogo Carvalho, posso dizer que esta história traz uma mensagem biológica bastante relevante. Diogo Carvalho é um daqueles autores que sabe fechar muito bem as suas histórias e volta a demonstrá-lo neste pequeno conto. Além de que, tendo a tal mensagem biológica, também não achei que se tornasse demasiado paternalista. O que é uma coisa que marca pontos, quanto a mim.

Destinos
, de Francisco Ferreira na ilustração, e Sónia Mota no argumento, traz consigo uma curiosa divagação. Confesso que não achei a história muito lógica ou escorreita numa primeira leitura. Mas depois de a ler uma segunda vez, julgo ter captado bem a mensagem, o que me fez gostar da história. Embora tenha gostado da frescura desta história ser a preto e branco, e do próprio sentimento clean que essa opção dava às pranchas, senti que algumas das ilustrações precisariam de um maior cuidado, por parte do ilustrador.

Recreio, de Sofia Neto, é uma reflexão tensa e de um foro muito psicológico, quase a tocar o terror, que resulta muito bem do ponto de vista de planificação. Os desenhos são meio abstratos o que torna mais difícil a total compreensão das intenções narrativas da autora. Ao contrário da história anterior, julgo que, mesmo após uma segunda leitura, fiquei ainda à deriva em relação à mensagem ou reflexão que a autora queria passar. Claro que o problema, por vezes, também é do leitor e não do autor. Pode ser o caso.

Fauna Terrestre, de Carla Rodrigues, a tal autora estreante em Ditirambos, foi uma das histórias que mais gostei. Apreciei muito o seu carácter "cartoonesco", com cores bem vivas e um monólogo presente – sem diálogos, portanto – em que é feita uma boa analogia entre o homem contemporâneo e um qualquer animal selvagem. Simples, bem executado e com algum humor. Gostei muito.

Para o fim, deixo a minha história favorita deste Ditirambos: Ausência, de Ricardo Baptista. Tenho acompanhado as várias histórias que o autor já nos deu nos últimos tempos e devo dizer que, mesmo apreciando e gostando de todas essas séries, me parecia que o autor ainda andava à procura do seu próprio estilo de ilustração. E não digo isso como uma coisa boa, nem má. É o que é. Ou o que me parecia, vá.  Não obstante, e depois de finda a leitura deste Ausência, acho que posso afirmar que me parece que Ricardo Baptista encontrou o seu estilo próprio ou, pelo menos, conseguiu oferecer-nos o seu mais bem conseguido trabalho. Sem desprimor dos outros, entenda-se. Em Ausência, as cores, o desenho, a planificação, as expressões das personagens, os enquadramentos… está tudo feito de uma forma verdadeiramente impressionante. E já para não falar do argumento que é belíssimo e carregado de uma humanidade e de uma maturidade que é raro encontrarmos. A resolução e fim da história é magnífica, mostrando um autor que sabe dosear o enredo, que sabe guardar a emoção para a altura certa. E tudo isto numa história de 4 páginas! Li uma vez. Arrepiei-me com o final. Li uma segunda vez, acenei com a cabeça de forma aprovadora. Li uma terceira vez e senti o cabelo arrepiado. Maravilhoso trabalho. Apreciava e respeitava o trabalho de Ricardo Baptista mas com esta história, fiquei fã do autor.

Olhando agora para a edição, mantenho o que disse sobre o volume 2 da série: “tendo em conta que estamos perante uma edição de autor – limitada a 200 exemplares numerados - acho que o resultado é bastante agradável (...) Tudo muito clean e bem arrumado. A qualidade do papel é bastante aceitável e a capa mole tem a robustez necessária.”. Destaque ainda para a belíssima capa de André Caetano.

Devo confessar que gostaria que, em vez de 4 páginas por história, fossem 6 ou 8 páginas. Dessa forma, os autores teriam mais espaço para melhor desenvolver as suas histórias e nós, leitores, teríamos mais espaço para melhor mergulhar nos seus contos. Mesmo assim, também compreendo que isto seria, quiçá, desvirtuar o próprio conceito base original da antologia Ditirambos. Portanto, aceita-se.

Finalizando as minhas considerações, admiro muito estes jovens autores da antologia Ditirambos. Vê-se que há ali um gosto, uma personalidade própria e uma vontade em fazer algo refrescante, que todos devemos aplaudir e apoiar. É um grupo que muito aprecio. Não só pelas pessoas acessíveis, simpáticas e “sem tretas” que são como, natural e principalmente, pelo enorme talento e potencial que têm.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


-/-


Ficha técnica
Ditirambos #3 - Fauna
Autores: Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Raquel Costa, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues
Edição de Autor
Páginas: 52, a cores e a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 168 x 258 mm
Lançamento: Maio de 2022

-/-


Mais abaixo, deixo o convite para a leitura das análise ao álbum anterior da série:




Sem comentários:

Enviar um comentário