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segunda-feira, 18 de julho de 2022

Análise: A Cicatriz - Na Fronteira entre o México e os Estados Unidos


A Cicatriz - Na Fronteira entre o México e os Estados Unidos, de Andrea Ferraris e Renato Chiocca

A Escorpião Azul editou recentemente a obra A Cicatriz – Na Fronteira entre o México e os Estados Unidos, da autoria dos italianos Renato Chiocca e de Andrea Ferraris. 

Este último não será nenhum desconhecido para os leitores portugueses atentos já que, há menos de um ano, a Escorpião Azul publicou o livro Churubusco, do mesmo autor. Obra essa que muito me agradou, diga-se. Portanto, posso dizer que estava com boas expetativas para este A Cicatriz. Ao contrário de Churubusco, em que Ferraris assume argumento e desenhos, aqui o argumento é da autoria de Chiocca, enquanto Ferraris se ocupa das ilustrações.

Diga-se que esta é uma bela leitura, em que nos é dado um relato comovente e, de certa forma, preocupante da realidade inóspita e difícil com que todos os migrantes se deparam quando tentam cruzar clandestinamente a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Especialmente desde que a Administração Trump teve a infeliz ideia de construir e aumentar o muro que separa a fronteira entre os dois países.

Os autores puderam testemunhar, ao vivo e a cores, como é a vida para todos estes migrantes clandestinos. Foi, por isso, que ambos os autores viajaram para Tucson e Nogales, para aí se poderem documentar, com o intuito de fazerem este livro que consiste em duas pequenas histórias: Uma Noite na Fronteira e Um Dia Na Fronteira.

Na primeira história, Uma Noite na Fronteira, é-nos dada a história real de José Antonio Elena Rodríguez, um jovem que, com apenas dezasseis anos, foi baleado dez vezes nas costas por um agente da fronteira dos Estados Unidos. Porquê? Bem, porque o jovem passou a fronteira de forma desautorizada. Sim, leram bem, foi por essa razão que um agente da autoridade disparou 10 vezes sobre as costas de um jovem.

Na segunda história, que nos é contada mais em jeito de crónica de viagem, os próprios autores contam-nos o dia-a-dia de vários voluntários que prestam assistência médica e deixam alimentos para os imigrantes sem documentos que se aventuram no mortífero deserto de Sonora, que é um dos maiores e mais quentes do mundo. As ameaças como a fome, o calor, as lesões da viagem ou o risco de serem atacados pelos inúmeros animais selvagens que controlam o deserto, são mais que muitas. Mas os imigrantes não têm problemas em tentar a sua sorte. E tudo com o objetivo de perseguir essa quimera chamada Estados Unidos da América. A terra dos sonhos para tanta gente. Mas não para tantos outros.

Este enorme muro com mais de 3.000 km’s, que divide os dois países, não é mais do que uma barreira não natural criada pelo homem, que separa mais do que junta. Uma boa demonstração daquilo a que o Homem está disposto a (não) fazer pelo seu semelhante.

A sensação de leitura é profunda, triste e alarmante, sem que os autores tentem dramatizar em demasia a situação. Porque, na verdade, se há nestas histórias uma revolta e um sentimento de injustiça é porque esse é o drama real que nos últimos anos tantos milhares de migrantes têm passado para atravessar a fronteira entre o México e os Estados Unidos.

O estilo de traço de Andrea Ferraris está bem próximo daquilo que o autor já nos deu em Churubusco. Com um traço a carvão e com alguns borrões característicos desta técnica, posso dizer que a experiência é bastante diferente do habitual. E com uma beleza ímpar. 

Por isso, aproveito até para recuperar o que escrevi por alturas da minha análise a Churubusco e que continua a fazer sentido quando olhamos para os desenhos deste A Cicatriz: “as ilustrações de Andrea Ferraris são bastante belas, com o lápis de carvão a oferecer-nos ilustrações únicas, originais e impactantes, pela tristeza e sensação de amargura que delas emana. A arte é simples, mas elegante, acabando por encaixar muito bem no estilo de narrativa que o autor nos oferece. Parece existir uma sujidade sempre presente devido à existência de manchas de carvão que cobrem as páginas.

A minha única queixa em relação à obra é que é curta demais. Este é um livro que se lê em 15/20 minutos. Se há algum mal nisso? Certamente que não. "Vale mais pouco e bom do que muito e mau", como se costuma dizer. Mas estou certo que, com mais páginas, este A Cicatriz poderia ter ido mais além, sendo mais marcante e conseguindo oferecer-nos uma imersão e uma consequente reflexão muito maiores. Parece um daqueles casos do cinema em que uma curta-metragem é boa mas sabe a pouco, estão a ver?

Em termos de edição, o livro mantém as características habituais dos lançamentos da Escorpião Azul: capa mole, bom papel (de uma cor levemente amarelada) e com uma encadernação e impressão bastante decentes. Um destaque positivo merece ser dado à breve, embora interessante, entrevista com os autores, que nos permite perceber melhor o "como" e o "porquê" desta obra.

Em suma, este é um belo livro sobre uma realidade triste e atual que ainda afeta tantos milhares de migrantes, que tentam passar a fronteira do México para os Estados Unidos a todo o custo, colocando a própria vida em risco. Só tenho pena que o livro seja tão curto já que me estava a proporcionar um excelente momento de leitura. Seja como for, curto em demasia ou não, vale a pena conhecer.


NOTA FINAL (1/10):
8.2


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
A Cicatriz - Na Fronteira entre o México e os Estados Unidos
Autores: Andrea Ferraris e Renato Chiocca
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 48, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17x24 cms
Lançamento: Maio de 2022

2 comentários:

  1. Gostei de Churubusco e este é um título que definitivamente estou curioso para ler. Apenas espero que não tenha os problemas de balonamento e legendagem do anterior. Gostaria, igualmente, de ver outros excelentes autores italianos do mesmo selo original (a Coconino Press…) publicados por cá. Aparentemente não está nos planos da Escorpião Azul.

    Por falar em planos, alguém sabe em que pé está a edição nacional de “O Árabe do futuro”? …

    Por falar em

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    1. Obrigado pleo comentário, António. Quanto ao próximo número O Árabe do Futuro, espero que a Teorema (Grupo Leya) o continue a editar.

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