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sexta-feira, 14 de abril de 2023

Análise: 7 Senhoras

7 Senhoras, de Margarida Madeira

7 Senhoras, de Margarida Madeira
7 Senhoras, de Margarida Madeira

De vez em quando, infelizmente não tão frequentemente assim, lá surge um(a) autor(a) que, sendo novo(a) na indústria, traz consigo ideias novas e refrescantes, num estilo muito próprio, que rapidamente se afirma e se assume como um talento nato para a banda desenhada. Margarida Madeira pode muito bem ser um desses casos.

A autora portuguesa, tendo já um vasto currículo na animação e na ilustração, acaba de lançar a sua primeira obra de banda desenhada. Dá pelo nome de 7 Senhoras e, num registo terno e pleno de sensibilidade, procura oferecer-nos um breve vislumbre sobre a vida de sete mulheres que, de uma forma ou de outra, criaram impacto em Margarida Madeira, à medida que a autora ia crescendo. Há, pois, todo um cariz autobiográfico nesta obra.

No total, são 6 histórias (uma vez que uma das histórias fala sobre duas mulheres) e mais uma espécie de epílogo que, no final, junta as pontas soltas de cada um dos contos, com o claro objetivo de torná-los numa só história.

7 Senhoras, de Margarida Madeira
São contos/capítulos breves, mas que conseguem fazer o leitor mergulhar nas vidas das personagens que nos são apresentadas. E encontrar redenção – ou um caminho possível para a mesma. Em estilo slice of life, a autora arrasta os leitores para estes pequenos episódios da vida que, quando passam por nós, mal damos por eles, mas que, passado algum tempo, verificamos que deixaram a sua marca. Se o estilo desta proposta em mini-histórias me remeteu para Estes Dias, de Bernardo Majer, uma das obras mais aclamadas da banda desenhada nacional no ano passado, também devo dizer que encontrei, pelo menos em termos de discurso e narrativa, algumas pontes entre este 7 Senhoras e as obras mais sensíveis e impactantes do espanhol Paco Roca.

Porém, e sendo, quanto a mim, positivas estas referências, é claro que Margarida Madeira tem o seu estilo próprio de contar uma história. A sua personalidade. Algo que é só seu. Com efeito, há algo, mais raro de encontrar, onde me parece que está o verdadeiro segredo da autora, que reside na forma como ela, narradora, nos revela as personagens e suas vivências, pelos olhos de uma criança.

7 Senhoras, de Margarida Madeira
Explico melhor: não é bem o olhar racional e afastado de uma pessoa adulta que incide nestas sete existências mundanas, mas sim o olhar de uma criança – a criança que em tempos foi – que Margarida Madeira consegue trazer à tona. E que beleza e ternura isso consegue trazer aos relatos que nos são dados!

Permitam-me um paralelismo. Uma das minhas bandas preferidas, os Soul Asylum (infelizmente apenas conhecidos pelo mega hit Runaway Train) tem, numa das suas muitas excelentes letras, intitulada Eyes of a Child, os seguintes versos “She sees the world through the eyes of a child… big problems seem smaller and old things seem new”. Estes versos, que considero verdadeiramente deliciosos, bem que me vieram à memória enquanto lia este 7 Senhoras. Logo na primeira história, em que a autora nos conta as suas memórias sobre Tandra, uma prostituta, é claro que quando Margarida era criança, não tinha a noção disso. E conta-nos a história dessa mesma perspetiva. Não se focando naquilo que nós, sociedade adulta e preconceituosa, facilmente recrimina e marginaliza, mas sim focando-se em gestos e hábitos do dia a dia de Tandra. Porque Margarida enquanto criança não olhava para Tandra e via uma prostituta. Ao invés, olhava para Tandra e via, primeiro que tudo, uma mulher. E isso é, quanto a mim, maravilhoso do ponto de vista do “story telling” e remete-me também para uma obra tão ímpar como O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry.

7 Senhoras, de Margarida Madeira
Assim, de forma airosa e aparentemente leve, Margarida faz desfilar diante do leitor vários contos que trazem os temas da prostituição, do luto, do analfabetismo, da desigualdade entre géneros e, acima de tudo, mostram-nos a maneira como as mulheres conseguem, cada uma à sua maneira, alcançar o seu local e a sua redenção.

Sendo sobre mulheres e versando sobre os temas que acabo de referir, também me parece salutar que o livro não concentre as suas energias em ser panfletário ou demasiado político-social. Não. São sete mulheres, sim. Mas creio que também poderiam ter sido sete homens (quem sabe, num livro futuro da autora?). O que (mais) interessa não é tanto o facto destas sete personagens serem mulheres, mas sim o facto de, das mais diversas formas, impactarem a vida de outrem. Neste caso, da autora. Que belo isso é!

A menina Cristina era uma funcionária da escola que melhorava a vida das crianças que tanto aprenderam consigo; a Dona Fúnfia, era uma empregada doméstica que, não sabendo ler, sabia fazer (e ensinar) tantas outras coisas; a Dona Iracena – qual Marie em Armazém Central – teve que “fazer pela vida”, assumindo o negócio do falecido marido; a Tandra – já por mim referida - antes de ser prostituta, também era uma mulher lesada por este mundo; a Vózita – a bisavó da autora – que, talvez sem querer, fez com que a mesma tomasse contacto com a morte, pela primeira vez; ou, finalmente, Inês e a sua avó, que ficaram amigas de Margarida.

7 Senhoras, de Margarida Madeira
Em termos de ilustração, 7 Senhoras também é um belo livro. Com um estilo de desenho de traço simples e naïf, com detalhes caricaturais, a autora consegue que o conjunto das vinhetas que compõem cada uma das pranchas deste livro tenha uma harmonia muito agradável à vista e que, naturalmente, case muito bem com o tipo de histórias que nos vão sendo dadas. As cores, assentes numa paleta em tons de azul, também contribuem bastante para esta sensação de harmonia. Voltando à obra de O Principezinho, que já referi acima, também do ponto de vista visual, e tal como essa obra, 7 Senhoras é um daqueles livros que parece ser feito para crianças, devido à leveza que transpira, mas, lá no fundo, tem uma profundidade que fica ao alcance apenas de uma mente mais vivida e madura. E, também por isso, deixou-me tão bem impressionado.

Em termos de edição, posso dizer que esta obra também tem uma forte personalidade vincada. Com capa dura em tecido, apresenta um aspeto muito singelo e simples. Apenas tem o título da obra e um pequeno desenho dos pés de cada uma das personagens. Nem sequer o nome da autora aparece na capa do livro, nem, tampouco, há uma sinopse da obra na contracapa. O resultado é cativante, concedo, mas creio que a capa do livro poderia beneficiar mais se tivesse mais elementos e se mostrasse, logo no primeiro contacto, de que se trata de uma banda desenhada. Olhando apenas para o livro, mais depressa parece uma obra de literatura, em prosa ou em poesia, do que, propriamente, um livro de banda desenhada. E como considero que este livro deve ser lido por todos os que gostam de banda desenhada, temo que, com este aspeto exterior, possa passar ao lado de muitos interessados em BD que não tomem contacto com o livro, especialmente pela sua capa demasiado séria e simples.

Tirando esta questão, há que dizer que, especialmente tendo em conta que estamos perante uma edição de autor – embora haja, na ficha técnica do livro, uma alusão ao facto da Fundação Lapa do Lobo ter apoiado a edição –, o livro apresenta uma boa qualidade enquanto objeto-físico. Bom papel baço, com uma espessura convincente, que alberga muito bem o estilo de ilustração da autora, e uma boa encadernação e impressão.

Em suma, devo dizer que 7 Senhoras é um livro que recomendo totalmente e que se afirma, desde já, como candidato claro a todos os prémios de banda desenhada que, em 2023, premeiem os Autores/Obras Revelação. Por falar em "revelação", Margarida Madeira revela-se, pois, ao mundo da banda desenhada e fá-lo em grande estilo!


NOTA FINAL (1/10):
9.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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7 Senhoras, de Margarida Madeira

Ficha técnica
7 Senhoras
Autora: Margarida Madeira
Editora: Independente (Edição de Autor)
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 155 x 127 mm
Lançamento: Fevereiro de 2023

5 comentários:

  1. Resultado de uma forte personalidade da autora. De uma criatividade deveras especial. De convivências fantásticas. Resultado de histórias que não poderiam deixar de ser registadas. E assim foi feito. Mas feito de uma forma única, inesquecível, memorável, leve e repleta de conteúdo.

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    1. Muito obrigado pelo comentário! Concordo que é uma belíssima obra.

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  2. Onde é possível adquirir esta obra? (se me puder ajudar) . Os meus agradecimentos.

    Letrée

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    1. Olá Letrée! A Wook já o está a vender: https://www.wook.pt/livro/7-senhoras-margarida-madeira/28496020

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    2. Obrigado. Os meus cumprimentos.

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