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quarta-feira, 5 de abril de 2023

Análise: Spaghetti Bros - Volume 4

Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor

Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina

Com este quarto e último volume, que inclui os tomos 13, 14, 15 e 16 da série Spaghetti Bros, criada pelos argentinos Carlos Trillo e Domingo Mandrafina, a editora Arte de Autor completou mais uma série de banda desenhada.

E, agora que é legítimo olhar para trás, observando com alguma distância a relevância e/ou pertinência da publicação desta série, especialmente tendo em conta os dias de escrutínio que parecem condicionar tudo o que dizemos ou escrevemos, diria que dificilmente Spaghetti Bros poderia ter sido uma aposta melhor por parte da editora. E quando digo isto, não me refiro a números de vendas – essa parte, goste-se ou não, está muito do lado de cá, o dos consumidores, e de tudo o que optamos por comprar ou não, baseado nos nossos gostos, cultura, conhecimento e, claro, poder de compra. Ao invés, refiro-me, e isso sim, à pertinência e relevância da publicação de uma obra polémica como Spaghetti Bros.

Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Esta é, afinal de contas, uma série onde abunda o humor negro, cáustico e pouco ético. Para os dias atuais, pelo menos. É uma obra cheia de estereótipos, com linhas de interpretação sobre o papel de cada um na sociedade, em que as personagens são machistas, más, abusadoras e criminosas. Está especial presente nesta série um retrato das mulheres na sua condição de subjugadas pelos homens e meros objetos daqueles. E sabem que mais? Que bom é que nos cheguem obras com este humor livre e sem mordaças no ano 2023.

Que fique bem entendido que não estou a preconizar que tenhamos estereótipos mentais – mas, lá está, é impossível não os ter – ou, mais grave do que isso, que consideremos que as mulheres devem ter um papel de subjugação perante o domínio machista e patriarcal que ainda impera na sociedade. Mas - caramba! - isto é uma obra de humor, com o propósito de divertir e fazer rir, feita em 1995 (mas em que a história é situada temporalmente algures no início do século XX), e em que se tentam retratar personagens amarguradas e amargas, que têm todo o tipo de defeitos que possamos imaginar. E mesmo defeituosas e eticamente reprováveis, é inegável que nos fazem rir.

Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Permitam-me levar o desabafo ainda mais longe: é pena que a banda desenhada seja, de facto, uma arte que não chega ao mainstream, a um grande público. Porque, se assim fosse, estou certo de que a série Spaghetti Bros seria completamente cancelada e criticada, tendo em conta os valores – em discordância com aquilo que nos dias de hoje é importante perpassar – que apresenta. E sim, não são valores que a série defenda ou sugira, mas sim que apresente. E talvez seja esta última frase que distingue o trigo do joio nesta questão de censuras e cancelamento ao humor que tanto nos incutem atualmente.

Não sou apenas eu que adoro Spaghetti Bros pois recordo que os próprios prémios VINHETAS D’OURO 2023 elegeram o terceiro volume desta série como a melhor obra de humor do ano passado. E relembro que a minha opinião, junto de 16 outras opiniões, que compõem o painel de jurados desses prémios, não tem qualquer relevância em termos de escolhas ou votações. O que, lá está, prova que Spaghetti Bros tem um humor viciante, que muitos apreciam. Ou sabem apreciar.

Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
É, pois, uma obra valiosa e que merece que lhe sejam feitas as devidas vénias.

Falando agora, mais concretamente, deste quarto volume, posso dizer-vos que “é mais do mesmo”. E que bom isso é! 

Os cinco irmãos Centobucchi continuam a fazer das suas, assumindo vidas onde imperam os valores opostos ao social e legalmente aceite. Amerigo continua um verdadeiro gangster raivoso e a sua bela e mais jovem mulher mantém um caso com o irmão deste, Tony, que é polícia de profissão. Por sua vez, as duas irmãs, Gipsy Boone e Carmella, também não são flores que se cheirem. A primeira é uma atriz malfadada, que acaba por aceitar fazer qualquer coisa para relançar a sua carreira artística, incluindo ser a estrela de filmes pornográficos, e a segunda, Carmella, embora pareça ser apenas uma triste mãe viúva com 3 filhos para sustentar e educar, não só foi a assassina do seu marido como, à noite, se transforma em assassina contratada, matando os homens depois de dormir com eles. Resta-nos o quinto irmão, o padre Frank que, apesar de tudo, ainda é a âncora da moralidade nesta família, embora também tenha os seus próprios fantasmas, pecados e telhados de vidro.

Querem melhor trama do que esta? Uma autêntica novela mexicana. Ou argentina, vá!

Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Cada volume reúne um conjunto de capítulos que, sendo independentes, acabam por se correlacionar entre si. E, neste último volume, ainda fiquei mais agradavelmente surpreendido por sentir que há uma tentativa de resolução da história. De “closure”, como dizem os ingleses. O início do volume é marcado pela iniciativa de James, o filho mais velho de Carmella, de redigir um texto/argumento sobre a sua família. Ora, isto não só gera situações divertidíssimas como permite ao argumentista Carlos Trillo criar um género de meta-comunicação, em que a história parece refletir sobre si mesma. E isto resulta num exercício muito bem feito por Trillo. Se Spaghetti Bros já era bom nos volumes anteriores, aqui ainda vai mais longe e consegue superar-se a si mesmo.

Pena é que, no final do livro, não se sinta essa tal “closure”. Parece que a história fica em aberto e não consegue fechar-se a si mesma, apesar da tentativa clara que houve para tal, ao longo deste volume. É apenas um pequeno detalhe, mas que, quanto a mim, falha em conseguir um final perfeito e totalmente satisfatório para a história global.

Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Olhando para os fantásticos desenhos de Mandrafina, mais uma vez estamos perante “mais do mesmo”. E, mais uma vez, que bom isso é! Citando o que já escrevi nos textos anteriores que escrevi sobre os volumes um, dois e três da série, posso dizer-vos que “o traço de Mandrafina é ágil, habilidoso e permite-lhe uma caracterização fiel e extremamente bem executada, quer dos locais, quer das personagens. A sua capacidade para caracterizar as expressões faciais dos irmãos Centobucchi e das restantes personagens, é de um talento raro e maravilhoso. O seu traço é elegante e clássico, fazendo lembrar as ilustrações de Will Eisner, com as devidas diferenças, claro. Visualmente é uma obra incrível que dificilmente não agrada a um amante de banda desenhada.

Quanto à edição da Arte de Autor, nada de mal há a objetar. O livro apresenta capa dura, com textura aveludada e suave ao toque, e detalhes a verniz. No interior, encontramos um bom papel baço, uma boa encadernação e uma boa impressão. Dou, mais uma vez, os parabéns à editora pela aposta numa série boa e, infelizmente, com um teor e um humor já fora do tempo atual que vivemos. Aproveito, já agora, para fazer votos para que a editora portuguesa aposte na obra Vieilles Canailles, dos mesmos autores. Não só a mesma é curta – com dois tomos apenas, que poderiam ser publicados num só volume integral – como faz um regresso à família Centobucchi, com os irmãos mais velhos (e mais cruéis ainda).

Em conclusão, Spaghetti Bros tornou-se, com alguma facilidade, diria, numa série que considero irresistível. Boas personagens, bons diálogos, belos desenhos, belo ambiente noir e um sem número de situações de rir à gargalhada. Está cá tudo! Recomenda-se, sem reservas, a todos os que, defendendo o humor livre e desbragado, apregoaram a plenos pulmões “Je Suis Charlie Hebdo”. Só com um humor livre e sem “mimimi” podemos apreciar o quão fantástico Spaghetti Bros é.


NOTA FINAL (1/10):
9.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Spaghetti Bros - Volume 4, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor

Ficha técnica
Spaghetti Bros - Volume 4
Autores: Trillo e Mandrafina
Editora: Arte de Autor
Páginas: 196, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Fevereiro de 2023

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