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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Análise: O Inferno de Dante

O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi - A Seita e Arte de Autor

O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi - A Seita e Arte de Autor
O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi

A parceira editorial formada pelas editoras A Seita e Arte de Autor voltou a trazer-nos, recentemente, mais um livro de banda desenhada, que foi originalmente lançado durante o Maia BD 2024. Falo de O Inferno de Dante, dos irmãos Paul e Gaëtan Brizzi, que é uma adaptação para banda desenhada do célebre conto escrito por Dante Alighieri.

Na verdade, O Inferno é apenas a primeira parte de A Divina Comédia, provavelmente um dos maiores e mais conhecidos clássicos da literatura mundial, originalmente lançado no século XIV, e que acabou por influenciar toda a literatura posterior e, até mesmo, o código de valores ocidental. Mas é também esta primeira parte da obra aquela que é a mais célebre. As outras duas partes, Purgatório e Paraíso, embora façam parte da jornada espiritual vivida pelo próprio Dante, não são tão famosas ou impactantes como O Inferno. Daí que este primeiro capítulo da obra seja comummente conhecido como O Inferno de Dante, como se de uma obra independente se tratasse.

O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi - A Seita e Arte de Autor
Não procuro opinar muito sobre a obra original, mas antes sobre a sua adaptação para banda desenhada, no entanto, é conveniente lembrar os mais incautos que esta é uma obra que nos procura oferecer uma visão detalhada e alegórica da condenação e do pecado.

A história descreve-nos a descida de Dante aos nove círculos do Inferno, tendo como companhia e guia o poeta romano Virgílio. Cada um dos nove círculos do Inferno corresponde a um tipo específico de pecado, e as almas dos condenados são punidas de acordo com a natureza e gravidade das suas transgressões. A estrutura deste Inferno é, pois, rigidamente hierárquica, refletindo a visão teológica medieval da justiça divina e passando a ideia de que as punições no Inferno são uma consequência direta e simbólica dos pecados cometidos na Terra. 

Hoje em dia, podemos olhar com alguma petulância para uma tão simplista e estratificada visão do errado e do pecado, mas o que é certo é que a história se mantém atual para, de forma global, traçar os vários tipos de conduta errada.

O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi - A Seita e Arte de Autor
E sendo uma obra carregada de alegorias, com as personagens e os eventos a serem simbolizados por conceitos morais, filosóficos e teológicos, acaba por servir como código de ética ou de conduta sobre o que os humanos devem (e não devem) fazer. A viagem de Dante e Virgílio é tanto uma jornada espiritual, quanto uma reflexão sobre a condição humana.

Se a obra original é amplamente (re)conhecida, a adaptação que os irmãos Brizzi fazem para banda desenhada é absolutamente sublime, num estilo de desenho delicado, elegante e diferenciado face àquilo que normalmente encontramos em banda desenhada. Este é um álbum feito a quatro mãos, já que ambos os irmãos desenham, dividindo funções de forma a que um autor se centre mais nas personagens e o outro mais nas paisagens.

E, quer num, como no outro cômputo, o trabalho é singularmente belo. As personagens apresentam uma expressividade impactante, enquanto que a sua linguagem corporal ou os planos que são utilizados para as captar, são muito bem vindos. A par deste excelente trabalho, também os cenários e a própria composição de vários enquadramentos de plano geral, que primam fazer parecer pequenas as personagens principais perante paisagens tão grandiosas, aumentam ainda mais a beleza visual desta obra.

O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi - A Seita e Arte de Autor
O traço fino é realista havendo depois espaço para que as expressões das personagens tenham uma ligeira pitada mais caricatural, que fazem com que o todo funcione muito bem. E a opção pelo preto e branco, numa escala de cinzentos a carvão, faz com que as ilustrações pareçam mais gravuras do que vinhetas de banda desenhada, tal não é o seu nível de detalhe. A toda esta graciosidade também acresce uma planificação airosa onde normalmente nem encontramos os habituais limites (traços) das vinhetas.

Com as devidas diferenças, claro, graficamente esta obra conseguiu transportar-me para as obras As Cidades Obscuras, de Schuiten e Peeters, por um lado, e para O Mercenário, de Vicente Segrelles, por outro. Mesmo assim, a grande referência será à própria adaptação de A Divina Comédia por Gustave Doré que, com as suas célebres gravuras, certamente influenciou grande parte do trabalho dos irmãos Brizzi neste livro.

Voltando à questão da adaptação da obra, é importante referir que é verdade que houve algumas partes famosas que foram retiradas desta obra, para melhor fruição da narrativa como aliás, e de forma transparente, os autores nos revelam nas primeiras páginas introdutórias do livro.

O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi - A Seita e Arte de Autor
A edição conjunta das editoras A Seita e Arte de Autor é absolutamente notável! O livro apresenta um formato enorme de 24 por 34 cms. Estão a ver o formato de O Burlão nas Índias, editado há uns anitos pela Ala dos Livros? É desse formato enorme que estamos a falar para este O Inferno de Dante e que faz especialmente sentido para que possamos apreciar condignamente a maravilhosa arte ilustrativa dos irmãos Brizzi, onde nas ilustrações de página completa ou de página dupla, essa experiência ainda sai mais beneficiada.

Além do grande formato, o livro apresenta capa dura baça, com detalhes a verniz no título, excelente papel no miolo e ótimo trabalho ao nível da impressão e da encadernação. No início do livro, conforme já referido, há uma nota introdutória assinada pelos dois autores e, no final, há um texto explicativo das fases de trabalho que levaram à criação desta obra, enquanto são igualmente partilhados vários esboços num caderno de oito páginas. À semelhança de outras obras inseridas na coleção Nona Literatura, este é um livro que apresenta duas capas distintas: a capa dita "normal" e a capa exclusiva da loja Wook.

Nota ainda para o facto de as duas editoras já terem anunciado a publicação de uma nova obra destes autores que é adaptação do Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. Obra que, depois deste belíssimo O Inferno de Dante, já estou muito empolgado para ler.

Em suma, O Inferno de Dante é uma obra-prima da literatura universal, rica em simbolismo e reflexão filosófica, que recebe aqui uma belíssima adaptação para banda desenhada pelas mãos dos irmãos Gaëtan e Paul Brizzi que, com os seus magníficos desenhos de cortar a respiração, nos levam numa jornada de tom épico às profundezas do inferno. Se se considera, por vezes, que há já muitas adaptações de obras clássicas para banda desenhada, também há os casos onde essas mesmas adaptações oferecem "algo mais" ao texto original. É o caso, nesta adaptação que se recomenda vivamente.


NOTA FINAL (1/10):
9.3



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Inferno de Dante, de Gaëtan e Paul Brizzi - A Seita e Arte de Autor

Ficha técnica
O Inferno de Dante
Autores: Gaëtan e Paul Brizzi
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 168, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 240 x 340 mm
Lançamento: Maio de 2024

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