Rubricas

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Análise: Os Olhos de Barthô

Os Olhos de Barthô, de Orlandeli - Lamb' Lambe

Os Olhos de Barthô, de Orlandeli - Lamb' Lambe
Os Olhos de Barthô, de Orlandeli

Os Olhos de Barthô, do brasileiro Orlandeli, marca o início de atividade da editora Lamb' Lambe que, conforme já aqui referido há uns dias, procura trazer para Portugal alguns dos mais atuais e relevantes autores brasileiros de banda desenhada.

E a primeira aposta em Orlandeli, autor que eu já conhecia pelo seu belíssimo trabalho na adaptação da personagem Chico Bento nas MSP - Graphic Novels, parece-me muito acertada, pois este é um autor que traz uma certa poesia para o género, quer a nível dos argumentos, quer a nível das suas ilustrações. Algo de refrescante.

Assim, quem já conhece Orlandeli, certamente ficará agradado com este singular Os Olhos de Barthô, que se nos revela como uma história sensível, que incentiva à reflexão do leitor, e que nos oferece uma narrativa que se destaca pela profundidade emocional e pela exploração de temas complexos de maneira acessível e envolvente.

Os Olhos de Barthô, de Orlandeli - Lamb' Lambe
A história acompanha Barthô, uma personagem que observa o mundo com um olhar peculiar, conseguindo escrutinar beleza em tudo e em todos. Algo que, sem dúvida, as outras pessoas não conseguem fazer. Não se trata (?) de um superpoder de visão, semelhante ao do Super-Homem, mas uma capacidade de ver beleza em tudo o que se observa. Costuma dizer-se que "quem feio ama, bonito lhe parece" e Barthô parece detetar beleza em tudo o que habita o (seu) mundo. Até mesmo nas coisas que, à partida, não consideraríamos que fossem tão belas assim.

Portanto, a pergunta que se impõe não pode ser outra que esta: será esta característica algo bom para quem a possui? Bem, sim e não. Por um lado, que bom é o olhar inocente, crédulo e positivo que fazemos sobre algo. Por outro lado, sendo tão inocentes assim poderemos ser, nós mesmos, vítimas dessa característica aparentemente positiva, ficando à mercê daquilo que os outros nos queiram fazer. Mas, mesmo nesse extremo, será depois positiva a forma como reagimos ao que quer que seja de negativo que nos façam? Ou este é um tema que já nos fará entrar na questão das doenças mentais? É bom olharmos para o mundo e para as suas infinitas coisas como um ramo de rosas, mas não nos devemos esquecer dos espinhos que as acompanham... certo? As perguntas assolam-nos a mente enquanto lemos este poético Os Olhos de Barthô.

Os Olhos de Barthô, de Orlandeli - Lamb' Lambe
Uma coisa é certa: seja esta uma característica boa ou má, quem a possui pode tornar-se facilmente manipulável por alguém de má índole. E é o que acontece com Barthô que se vê rodeado por Nicola, um velho amigo de infância, que sabe manipular o pensamento do amigo a seu bel-prazer. De tal forma, que consegue incentivar Barthô a cometer um "quase crime". Mas haverá até nesse "quase crime" algo de positivo a retirar? Fico-me por aqui e convido-vos a lerem o livro para tirarem as vossas próprias conclusões. 

Em termos de história, de argumento e até da qualidade literária do texto que nos é dado por Orlandeli, Os Olhos de Barthô é um livro que surpreende pela positiva, com o autor a conseguir transmitir-nos uma mensagem poderosa de esperança e renovação, fazendo com que nos conectemos com a trajetória do protagonista. E não se fica por aí. Também em termos visuais, esta é uma obra que emana originalidade e uma poesia gráfica que se coaduna bem naquilo que a história tenta passar.

Orlandeli utiliza um estilo de desenho que combina simplicidade com expressividade, o que contribui para a imersão do leitor na jornada emocional de Barthô. O uso de sombras e contrastes é especialmente eficaz para transmitir a escuridão e a luz que Barthô experimenta, tanto de maneira literal quanto metafórica. As expressões das personagens são caricaturais, os desenhos são abstratos (mas perceptíveis, dentro desse género) e a planificação das páginas é muito dinâmica e original.

Os Olhos de Barthô, de Orlandeli - Lamb' Lambe
Quanto à edição, estamos perante um livro com capa mole, com verniz localizado, e com badanas. No miolo, o papel é brilhante e de boa qualidade. A edição apresenta um bom aspeto, remanescente de editoras de cariz mais independente, como as edições da Escorpião Azul ou da Polvo

Neste livro, a Lamb' Lambe Editora optou por manter o texto em português do Brasil, escolhendo colocar notas, no fundo das páginas, sobre várias expressões que são ditas e que poderiam, à partida, não ser do entendimento geral do público português. Ora, admitindo que, no caso de Os Olhos de Barthô, a proveniência da obra não é relevante para a boa apreensão do conteúdo da mesma, devido ao mesmo se sedimentar numa mensagem universal que poderia acontecer, da exata mesma forma, em qualquer outro lugar do mundo, ao contrário de outras obras brasileiras como, por exemplo, Morro da Favela ou Escuta, Formosa Márcia, em que o "português brasileiro" faz parte da identidade, espírito e vida da própria obra, parece-me que, desta feita, teria sido preferível traduzir totalmente o português do Brasil para o português de Portugal. 

Além disso, nota-se também que algumas das expressões que recebem nota do editor até são mais fáceis de entender pelos portugueses do que outras em que o editor optou por não traduzir, o que revela que talvez  pudesse ter sido tomado um contacto mais direto com a realidade portuguesa. Seja como for, nem de perto nem de longe isto é uma coisa grave ou que belisque a boa leitura deste livro que recomendo vivamente. Faço apenas esta ressalva por se tratar da primeira edição de uma editora e de haver, por essa mesma razão, lugar a críticas construtivas para que, futuramente, o trabalho de edição possa melhorar ainda mais.

Em suma, Os Olhos de Barthô convenceu-me totalmente! A sua mensagem é belíssima e a conclusão é simples: como em tudo na vida, é a soma de tudo que constitui algo. Da mesma forma que a rosa é composta pela flor, mas também pelos espinhos, também a nossa existência - quem somos, o que queremos, o que alcançamos, o que perdemos e tudo e mais alguma coisa - é composta pela soma do lado positivo e do lado negativo. Há uma certa negatividade em tudo o que é positivo, tal como há positividade em tudo o que é negativo. E Os Olhos de Barthô é uma maravilhosa e inspirada maneira de não nos fazer esquecer dessa lição básica da vida! Que belo começo para a Lamb' Lambe Editora!


NOTA FINAL (1/10):
9.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



-/-

Os Olhos de Barthô, de Orlandeli - Lamb' Lambe

Ficha técnica
Os Olhos de Barthô
Autor: Orlandeli
Editora: Lamb'Lambe
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: 

Sem comentários:

Enviar um comentário