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terça-feira, 7 de setembro de 2021

O meu olhar sobre o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja





São 21h do dia 3 de Setembro de 2021. As gentes locais e as gentes forasteiras de Beja começam a aglomerar-se à porta da Casa da Cultura. Pequenos grupos que vão falando entre si, entreolhando outros grupos circundantes. Muita gente parece conhecer-se. Assim que se reencontram, são muitas as caras que se transfiguram num amável sorriso, que antecede palavras calorosas como: “Então? Como estás? Há quanto tempo?”. 

A energia é positiva e facilmente captável por qualquer pessoa minimamente atenta. Até para mim, que nunca ali tinha estado. Foram várias as vezes que eu, compelido por esse amor pela 9ª arte, que partilho com aqueles que me seguem aqui no Vinheta 2020, fiz combinações e preparações para conhecer esse tal Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja que tanto carinho parecia receber. Mas em todos os anos, invariavelmente, por uma ou outra razão, normalmente sempre relacionada com datas familiares importantes ou compromissos profissionais, acabava por me afastar de Beja. 


Este ano, e causado ainda por estes tempos de pandemia anormais, aos quais nos vamos(?) acomodando, como se já fossem normais, o Festival passou do mês de Maio para o mês de Setembro. O que, para mim, acabou por ser uma excelente notícia. Já não tinha razões para não lá ir. E agora, que o primeiro e mais importante fim de semana do festival terminou, posso dizer que fiquei verdadeiramente admirado com aquilo que ali se vive. Para os que ainda não lá foram, posso dizer simplesmente: “esqueçam todos os eventos de BD a que já foram… Beja é something else”.

Em teoria – e até se olharmos para a programação do festival – parece que estamos apenas perante um clássico e expetável festival de bd. Há artistas convidados, nacionais e estrangeiros, que fazem as concorridas sessões de autógrafos; há exposições, dedicadas a esses mesmos artistas; atividades paralelas a decorrer, como o lançamento de livros, concertos desenhados, o anúncio de novidades, entre outros; e uma boa loja de BD – o Mercado do Livro.

Mas, na prática, o que este evento tem de mais especial, é o seu ambiente muito singular. Onde todos falam com todos. Onde o introvertido é desafiado pelo extrovertido. Onde o aspirante a autor de bd, que deseja publicar a sua primeira história, pode partilhar experiências com autores consagrados ou com editores portugueses. No fundo, parece mesmo que a única razão para estar ali acaba por ser uma: a banda desenhada. E o amor que se tem por ela. E que é partilhado por todos.

Posto isto, abordo algumas questões que me parecem relevantes.




As Pessoas


Podia começar por falar dos autores, das exposições ou de outra coisa qualquer, mas, falando do Festival de Beja, vou dar primazia ao que de mais raro aí encontrei: as pessoas. E o que delas emana. Porque, afinal de contas, são as pessoas que toldam o nosso primeiro contacto com algo. 

E o primeiro destaque tem que ser dado ao Paulo Monteiro, autor de BD e Diretor do Festival, que é um autêntico dínamo deste certame. A verdadeira âncora à qual este evento se agarra. A sua simpatia é contagiante, a sua disponibilidade é incansável e a sua hospitalidade faz-nos sentir em casa. Foi ele que me convidou pessoalmente para marcar presença neste evento e agradeço-lhe aqui, e de forma pública, pela maneira graciosa e despretensiosa como me tratou, desde o primeiro momento, e como o vi tratar qualquer que fosse a pessoa que de si se abeirava. Uma daquelas pessoas a que assenta bem a expressão "one of a kind".


Mas não é só o Paulo Monteiro que faz do Festival de Beja aquilo que o Festival de Beja é. Toda a equipa - sem exceção - revela cuidado e preocupação para com os visitantes e o meu obrigado também se estende a toda essa equipa.

E, por falar em visitantes, acho que há aqui uma coisa que também quero frisar. É que eles, os visitantes, contribuem, em muito, para fazer do evento aquilo que ele é, assegurando este ambiente tão familiar e descomprometido. 


O primeiro fim-de-semana do Festival de BD de Beja é um momento em que é fácil falar com autores – consagrados e emergentes –, editores, outros bloggers e com amantes de bd, de forma geral. Não parecem existir egos ou manias. Estão todos no mesmo barco. E que bom isso é! Que saibamos, neste meio, tratar os outros – e ser tratados por esses mesmos – de igual para igual.

Ir a Beja aumenta fortemente as possibilidades de aí criar e/ou sedimentar amizades, tal não é o bom ambiente que paira naquelas arcadas, naquelas salas e naquela bedeteca. E digam-me lá de quantos festivais dedicados à BD podem dizer isso – se é que o podem dizer de algum! – para além do Festival de Beja?


Já por duas vezes visitei a Concentração de Motards de Faro. Não por eu andar de mota ou ter especial gosto pelo universo das duas rodas, mas sim porque lá fui ver bandas de rock da minha eleição. E o que pude ver nesse evento deixou-me perplexo da forma mais positiva possível: o calor humano, a partilha de gostos, a amizade que se estabelece entre motards. Percebi então qual era a principal razão de ser daquele evento. Não é mostrar a mota, não é ver as outras motas, não é assistir aos concertos das bandas de rock e não é ver o strip-tease de voluptuosas mulheres a esfregarem-se em motas (embora seja sempre um momento cultural que vale a pena, acreditem). É, isso sim, o encontro em si. O ambiente positivo, a camaradagem que se instala. E foi exatamente isso que senti em Beja. Os autores são importantes. As exposições, também. A loja de bd, idem. Mas é o encontro em si que transforma o FIBDB em algo diferente e único. Chama-se Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja mas bem que poderia chamar-se Concentração de Bedéfilos de Beja.


As exposições, os autores e os eventos


A escolha dos autores trouxe uma boa dose de ecletismo, tendo a capacidade de despertar públicos diferentes de banda desenhada. Sei que noutros anos já por ali passaram nomes possivelmente mais emblemáticos do que os deste ano mas, ainda assim, é justo admitir que foi um bom conjunto de nomes grandes da banda desenhada mundial que o Festival nos ofereceu este ano.

Entre os nomes mais sonantes dos autores estrangeiros presentes, aqueles que mais me entusiasmaram foram o maiorquino Bartolomé Seguí, autor de Histórias do Bairro, A Solidão do Executivo, ou As Serpentes Cegas; o italiano Carlo Ambrosini (célebre autor da casa Bonelli, com contributos para as personagens de Tex Willer ou Dylan Dog); e Nicolas Barral, famoso em Portugal pela sua série humorística de homenagem a Blake e Mortimer ou com a mais recente novela gráfica da Levoir, Ao Som do Fado, que considerei a melhor novela gráfica da coleção de 2020.


As exposições, que este ano foram em número ligeiramente menor face a outros anos, conseguiram trazer consigo uma qualidade intrínseca que apreciei bastante e onde me pareceu que existia carinho e cuidado na forma como eram tratadas. Destaque para a emocionante exposição dedicada a Jorge Magalhães, a Vincent Vanoli, a Bartolomé Seguí, a Ambrosini, a Barral, a Luís Louro e aos coletivos Ditirambos e Umbra.

Em termos de lançamentos e apresentações de livros, acho que, mais uma vez, houve bastante ecletismo, o que é muito bom para a diversidade do festival. Lamento apenas que algumas editoras nacionais (Cof, cof... I'm looking at you ASA, Devir e Gradiva), com forte relevância no mercado editorial de bd em Portugal, não tenham aproveitado a oportunidade para marcarem presença, apresentando novidades futuras ou livros lançados recentemente. Faço, no entanto, destaque às editoras que o fizeram, e que merecem o meu louvor, como A Seita, a Ala dos Livros, a Arte de Autor, a Chili com Carne, a Comic Heart, a Escorpião Azul, a Polvo e a Sendai Editora, entre mais algumas. 


Falando ainda da loja Mercado do Livro, posso dizer que estava muito bem representada, com livros de praticamente todas as editoras de bd que possam imaginar, estando até disponíveis algumas novidades com livros que eu ainda não tinha visto à venda. Acho que aqui, poderia haver uma maior dinâmica comercial por parte das lojas/editoras que estão presentes, com campanhas de preços mais aliciantes. Mas faço um destaque positivo para a Ala dos Livros que, durante os 3 dias em que lá estive, teve sempre um "livro do dia" com um preço muito simpático! Era bom que, em edições futuras, houvesse em cada um dos dias, um livro por editora que fosse "livro do dia". Aumentaria, certamente, o appeal comercial do evento para compras de bd.


Já que falo na Ala dos Livros, é sempre pertinente referir que a maneira como a editora, juntamente com o autor Luís Louro, tenta "abanar as coisas" e fazer diferente, merece a minha admiração. Para além dos vales que vinham dentro dos livros d'O Corvo - Inimigos Íntimos e que davam direito a uma chamuça no bar do evento, ainda foi possível contar com a presença da personagem d'O Corvo em pessoa, como podem ver aqui ao lado. São ideias simples, giras, mas que, acima de tudo, envolvem o público! 

Sendo eu músico, tenho que dizer que os concertos desenhados são uma coisa bastante divertida e que merece ser mantida e, se possível, mais desenvolvida. Destaco a banda The Town Bar, na noite de sábado, que, com o seu country rock enérgico e bem disposto, foi o ponto alto musical do festival. Se já havia animação no festival, mais animação houve com os The Town Bar.



Melhorias a fazer no futuro


Apesar da minha total satisfação, há um conjunto de coisas que pode vir a ser melhorado em edições futuras. 

Por exemplo, no dia em que anunciei o programa do evento, no site oficial do FIBDB ainda não constava essa informação. Entretanto, isso foi atualizado e já lá consta o programa. Como considero que estas informações são extremamente relevantes para fazerem o público deslocar-se a Beja, acho que quanto mais cedo for conhecido o programa, mais potenciais interessados em participar no evento se conseguem. Bem sei que o programa foi só fechado em cima da hora – e que a fantástica equipa do Paulo Monteiro é pequena para fazer tanta coisa – mas é algo que se deve ter em conta para melhorar futuramente. Nesse sentido, ter um site atualizado com mais antecedência e criar páginas das redes sociais totalmente dedicadas ao evento, pode ser uma forma de melhorar a comunicação com o público de bd no futuro. 


Lamentei também que o acesso às apresentações fosse bastante reduzido. Apenas poderiam estar na sala da Bedeteca 20 pessoas de cada vez. Reconheço que, lamentavelmente, algumas apresentações que acompanhei nem sequer tinham metade desses lugares ocupados, mas também foram vários os casos em que a sala estava cheia, não dando oportunidade a outros interessados de poderem participar. Também sei que a culpa disto nem sequer será da organização, mas sim dos tempos pandémicos que vivemos com certas orientações da DGS no mínimo, contestáveis. 


Futuramente, e mesmo quando o Covid for uma memória passada, pergunto-me se não fará sentido a construção de uma outra tenda – semelhante à loja da BD (mas mais pequena) – para aí poder fazer conferências e apresentações alargadas a um público maior, bem como a ter mais acessibilidades para pessoas com dificuldades de locomoção. Ou mesmo - porque não? - utilizar o palco já montado no evento para fazer apresentações que terão um maior número de participantes, certamente. Claro que é fácil estar na minha posição, atrás de um computador, a mandar "bitaites" sobre fazer uma tenda adicional. Não sei, sequer, se haverá folga orçamental para algo deste género, mas julgo que seria benéfico para melhorar, ainda mais, o evento. Portanto, fica a minha crítica construtiva.

Portanto, bem vistas as coisas, este é um festival tão bonito e especial que, realmente, os pontos a melhorar não são coisas muito gritantes. Há sempre espaço para ir melhorando, mas, assim como está, já está muito bom.

Resumindo, foi uma experiência muito boa que gostaria certamente de repetir e que recomendo vivamente a qualquer adepto de banda desenhada! Parabéns à Organização, à Câmara Municipal de Beja e a todos os que contribuem para este evento único em Portugal.

E abaixo, fiquem com mais algumas fotos do evento.

 






















 

 

 


8 comentários:

  1. Boa tarde Hugo, boa retrospectiva sobre o evento. Infelizmente não consegui estar presente este ano. Segundo consta houve alguns cancelamentos e atrasos - pode confirmar?... Esperemos que a organização rectifique as questões relativas á divulgação atempada do programa e respectivos suportes (página de internet, sobretudo...). Gostaria de ver também parcerias com outra entidades directa ou indirectamente ligadas à 9ª Arte -escolas, Cursos Profissionais, entidades formadoras, marcas de materiais de Belas-Artes, lojas, equipamentos digitais para desenho, etc, etc... Seriam, concerteza, um bom apoio para este e qualquer evento ( alô, alô Amadora BD!...). Infelizmente não me estranha a ausência da ASA, Devir e Gradiva que, por motivos diferentes e já comentados aqui, continuam não estar verdadeiramente empenhadas no negócio de editar e vender BD.

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    1. Olá António! E obrigado pelo comentário. Sim, confirmo que houve alguns cancelamentos mas que foram atenuados com a substituição de representantes das pessoas que não conseguiram marcar presença. Infelizmente, houve também alguns livros que foram apresentados mas que não chegaram a tempo de ficarem à venda na loja. É pena mas é uma coisa que estará mais relacionada com atrasos nas distribuidoras e gráficas do que com a boa vontade das editoras. É chato... mas acontece. Concordo com as suas ideias sobre a introdução de outras entidades que têm ligação direta ou indireta com a bd. Há que fazer crescer o alcance da BD.

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  2. Tendas?! Em Beja?! É melhor não. O evento costuma ser no início de Junho com temperaturas altas, uma tenda no meio do Alentejo é a evitar. Não há nada a melhora em Beja. Só falta mesmo o Mignola decidir a vir de uma vez por todas pois o Alan Moore já lá anda todos os anos.

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    1. Sim, eu sei que no final de Maio/início de Junho costumam estar temperaturas muito elevadas em Beja. Mas, mesmo assim, se se conseguir ventilar/refrigerar as tendas, acho que seria benéfico. Acredito que as apresentações podem (e devem) chegar a mais pessoas. A bedeteca é uma sala super aconchegante e simpática... mas tem as suas limitações em quantidade de público. Mesmo quando as restrições do covid caírem.

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  3. Parabéns, tem um bom texto, claro, didáctico e até perspectiva futuros eventos! Quem, de alguma forma, ainda não pôde ir lá fica certamente com um bom entendimento de como as coisas se passaram, de quem lá esteve, de como foi e será até ao seu final. Votos de sucesso e continuação do bom trabalho que está a fazer!

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    1. Caro João! Que bem que me soube ler as suas simpáticas palavras! Muito obrigado! Um abraço.

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  4. Olá a todos! Obrigado, Hugo, pelo teu artigo. Normalmente anunciamos os autores e as exposições patentes no Festival com alguns meses de antecedência (costumamos apresentar o Festival na TertúliaBD de Lisboa, em Janeiro, e, logo a seguir, em Angoulême - o Festival realiza-se sempre no fim de Maio).A programação paralela costuma ser anunciada no nosso site, com pelo menos um mês de antecedência. Este ano foi impossível. Foi muito difícil articular tudo com a DGS. Não vos vou maçar com isto, mas foi mesmo difícil corresponder a todas as exigências a que um evento deste tipo obriga. Só conseguimos fechar o programa na quinta, dia 2. O Festival começava sexta, dia 3... O importante era recuperar uma certa normalidade. Estávamos todos com muita saudade uns dos outros 🙂 Para o ano, se tudo correr bem, voltaremos a ter tudo pronto a tempo e horas. Um abraço!!!

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    1. Obrigado pelo comentário, caro Paulo. Sim, compreendo que a DGS vos tenha imposto muitos constrangimentos. Mas isso quase não se sentiu na forma como tudo estava bem organizado. Toda a equipa está de parabéns! É continuar a fazer o ótimo trabalho que têm feito até agora! Um abraço!

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