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terça-feira, 23 de novembro de 2021

Análise: Amor de Perdição

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge

No mês passado a Levoir e a RTP encerraram a sua coleção de Clássicos da Literatura em BD, com o lançamento do 14º e último volume da série. O último volume traz consigo uma adaptação de um autor clássico da literatura portuguesa, Camilo Castelo Branco, e que, além disso, ainda junta dois autores portugueses da banda desenhada: João Miguel Lameiras, que adapta para bd o argumento original, e Miguel Jorge, que ilustra este livro.

Já antes desta obra, havia saído nesta coleção a adaptação de outro autor clássico português – Eça de Queiroz – através da adaptação de Os Maias por outro autor português, José Hartvig de Freitas, que contou com a colaboração do autor espanhol Canizales.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Assim, e de uma assentada, acho que se pode dizer que este Amor de Perdição fecha de forma condigna esta coleção que, como já muito aqui escrevi - e mesmo tendo em conta que é direcionada para um público algo diferente em relação àquele a que a maioria dos livros aqui analisados se destinam -  apresentou uma qualidade entre o mediano e o fraco. Não obstante, há (alguns) bons livros nesta coleção. E, mesmo apresentando algumas fraquezas, Amor de Perdição é um dos melhores livros da coleção.

Confesso que já não lia esta obra desde os meus tempos de escola secundária, em que fazia parte da disciplina de português ler a obra. E lembro-me que, na altura, e ao contrário de muitos amigos, até gostei bastante da obra. Talvez por eu ser um grande romântico. Aliás, até diria que esta talvez seja a obra de literatura portuguesa que nos oferece um amor mais eloquente, trágico e dramático.

A história é baseada num episódio real da vida de um tio do próprio Camilo Castelo Branco. O seu nome é Simão Botelho e é protagonista de uma autêntica história de amor, ao jeito de Romeu e Julieta, de Shakespeare, que envolve duas famílias rivais e um amor proibido por ambas as famílias.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Simão e Teresa são, pois, filhos de duas famílias inimigas de Viseu, os Botelhos e os Albuquerques. Apesar disso, apaixonam-se loucamente. Mas nenhuma das famílias aceitará que tal relação se possa consumar e, a conselho de Baltasar Coutinho, um primo – que também é prometido da jovem e que desespera pelos ciúmes que tem em relação a Simão - o pai de Teresa, Tadeu de Albuquerque, decide encerrar a filha no convento de Monchique, no Porto. Como resultado disso, Simão acaba por assassinar o primo de Teresa, sendo depois encarcerado na cadeia da Relação do Porto, enquanto Teresa sofre a sua ausência, estando igualmente presa no convento. Hoje em dia isto pode parecer uma boa telenovela mexicana, mas a verdade é que, goste-se ou não, a história destas duas personagens é um grande hino à literatura romântica.

E João Miguel Lameiras, que teve a função de sintetizar esta obra numa banda desenhada de 48 páginas, faz um bom trabalho, conseguindo separar o "trigo do joio" e conseguindo dar ao leitor um resumo dos momentos mais relevantes da obra original. Mesmo admitindo que já não me lembro com exactidão da obra que li há uns bons 20 anos, tenho que dizer que a leitura desta adaptação reacendeu as memórias mais presentes que eu tinha do texto original. O que é uma boa coisa porque, naturalmente, são sempre os momentos mais marcantes de uma obra que nos ficam marcados na memória. E Lameiras parece saber disso.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Este tipo de livros costuma ter uma certa propensão para a introdução de texto a mais, mas também não me parece que o autor tenha tropeçado nesse problema, já que a quantidade de texto, legendas e balões, está na quantidade desejável e aceitável para uma bd de adaptação de obra literária. A única coisa que, por vezes, me causou algum problema foi a introdução de certos diálogos que, acredito, sejam transcrições da obra original, mas que me pareceram um pouco forçados e menos verossímeis. E isso sente-se mais porque outros diálogos há que me pareceram menos datados. Ou seja, senti uma certa incongruência neste ponto. Ou bem que os diálogos apresentavam todos um discurso português mais clássico, ou bem que apresentavam todos um discurso mais contemporâneo. Nada de muito grave, ainda assim.

Em termos de arte visual, Miguel Jorge faz um trabalho bastante interessante e que apresenta algumas soluções narrativas mais arrojadas, que me agradaram. Pese embora me pareça que haja um bom conjunto de ilustrações que mereciam mais cuidado e detalhe. Ou, dito de outra forma, sente-se, em vários momentos, que estes desenhos foram feitos com um calendário apertado e que isso não permitiu ao autor, o tratamento e o aprumo especial que, estou certo, proporcionariam que o álbum pudesse ascender a outro patamar de qualidade. 

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Por exemplo, em termos de cenários, se houvesse mais detalhe, em vez daquelas tramas, em forma de sombra, que procuram preencher o espaço, teríamos um álbum ainda melhor. Também senti alguma rigidez nos movimentos das personagens e as cores poderiam ter recebido um cuidado maior para terem mais camadas de profundidade. Seja como for, e apesar de tudo o que acabo de referir, também não deixa de ser verdade que Miguel Jorge revela boa capacidade para contar uma história em banda desenhada, através de bons recursos gráfico-narrativos e com um bom punhado de algumas ilustrações muito bonitas, nomeadamente na caracterização de algumas personagens, e numa boa escolha de planos diversos, para tornar a leitura bastante fluída.

Falando em fluidez, devo dizer que gostei bastante de certas soluções narrativas com que o autor nos brinda, tais como a árvore genealógica e alguns desenhos que ocupam uma ou duas páginas inteiras. Nas páginas 26 e 27, os autores tentaram algo bastante ambicioso na conversa entre Teresa e as freiras do convento. Aprecio o esforço e a audácia, mas acredito que aqui a fluidez da leitura não foi tão bem conseguida.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Há, depois, algumas referências interessantes que dotam este livro de alguma contemporaneidade e que, quanto a mim, fazem aumentar o seu valor intrínseco. Uma delas é a presença de Corto Maltese (sim, leram bem!) já nas páginas finais do livro, que assume um papel secundário. E, na página 45, que coloco aqui ao lado, na primeira vinheta da prancha, faz-se uma alusão direta ao álbum de culto Closer, de 1980, da banda Joy Division. Confesso que não cheguei sozinho a esta última referência. Foi o próprio João Miguel Lameiras que já me havia mostrado essa ilustração há uns meses. Seja como for, eu sou daqueles que adora este tipo de easter eggs. Quão mais profundos e interessantes ficam os significados de qualquer que seja a obra artística, quando a mesma está repleta de segredos, alusões e referências. Bem jogado, João Miguel e Miguel Jorge!

Quanto à edição, mantêm-se os mesmos parâmetros de qualidade registados nos outros livros da coleção. A cada é dura, o papel é brilhante e de boa qualidade. A encadernação e a impressão também é bastante aceitável. O livro é depois complementado com um dossier de 6 páginas com extras, que cobrem desde a vida do autor, a própria obra e o contexto histórico em que a mesma foi lançada. Muito bem construídos estes extras. Nem demasiado grandes, nem demasiado pequenos. A medida exata. E tudo isto por um preço muito competitivo de 9,90€!

Em conclusão, pode-se dizer que, mesmo não sendo uma banda desenhada fabulosa, é um trabalho bastante competente, que tem o acréscimo de ser levado a cabo por uma dupla de autores portugueses e que acaba por estar entre os melhores livros desta coleção dos clássicos da literatura em bd, da Levoir.


NOTA FINAL (1/10):
7.9


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP

Ficha técnica
Amor de Perdição
Autores: João Miguel Lameiras e Miguel Jorge
Adaptado a partir da obra original de: Camilo Castelo Branco
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021

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