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quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Análise: Long John Silver (Série Completa)

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray

Quando soube que a ASA iria lançar, com o jornal Público, a mini-série Long John Silver, de Dorison e Lauffray, constituída por 4 volumes, eu não poderia ter ficado mais contente! Por vários motivos, até: primeiro, porque é uma série muito boa, muito bem pensada e desenvolvida pelos seus autores; em segundo lugar, porque se encontrava, inexplicavelmente, inédita em Portugal; e terceiro, porque é mais um passo da editora ASA num caminho de edição de banda desenhada que me parece o mais adequado.

Começo até por aí. Mesmo que possa admitir que já houve alguns anos em que a ASA lançou séries muito boas com o jornal Público, não me recordo de nenhum ano tão bom como este. Na passagem de 2020 para 2021 a editora editou a surpreendentemente boa série RIO. Depois, a meio deste ano, lançou a maravilhosa série Peter Pan, de Régis Loisel, que, lamentavelmente, nunca tinha sido integralmente editada em Portugal. E, agora, mais no final do ano, lança este Long John Silver. Que ano fantástico para a parceria ASA/Público! O melhor de sempre, estou certo!

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
E que assinala uma coisa que me faz ficar esperançoso para os próximos tempos: a ASA parece estar a mudar a sua forma de lançar séries de banda desenhada com o Público. Nada tenho contra o facto da editora ter lançado, em outros anos, séries do espectro franco-belga mais clássico - como Blueberry ou Spirou, que agora me vêm à memória, e que eu até mesmo as comprei. Não obstante, do ponto de vista editorial, era sempre uma aposta algo bafienta, demasiado clássica, que mantinha a mesma fórmula, não trazendo nada de verdadeiramente novo para o catálogo da editora. Com este trio de séries curtas franco-belgas de 2021 – RIO, Peter Pan e Long John Silver – a editora e o Público demarcaram-se dos anos anteriores. E para muito melhor.

De futuro, é continuar a trilhar este caminho!

Falando agora mais concretamente de Long John Silver, posso dizer que é uma série com um enorme fulgor narrativo e um desenho carregado de alma e emoção, a que os amantes de boa banda desenhada franco-belga terão dificuldade em resistir. Ambientada no tempo dos piratas, a história é como que uma continuação da vida do pirata Long John Silver, uma personagem originalmente concebida por Robert Louis Stevenson no seu clássico da literatura A Ilha do Tesouro.

A história deste Long John Silver, sendo independente, e podendo ler-se sem se conhecer, sequer, A Ilha do Tesouro, continua exatamente a partir do momento em que a história de Stevenson termina.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
Depois de regressar da ilha do tesouro, o pirata Long John Silver abriu uma pousada em Bristol. É claro que sendo “o maior pirata de todos os tempos”, a sua carreira como estalajadeiro não seria, nunca, muito demorada. E quando a bela e sensual Lady Vivian Hastings lhe propõe um trabalho que o levará ao encontro de um dos maiores tesouros de sempre, de Huayna Capac, no Peru, Long John Silver não tem muitos problemas em dizer SIM a este convite. É a partir daí que começa uma épica viagem pelo oceano Atlântico, sempre cheia de atribulações, até às terras do império inca, apoiada num bom enredo, que nos traz personagens cativantes e misteriosas.

Se a personagem de Long John Silver é a “estrela do show” e nos parece cativar de vinheta para vinheta, Lady Vivian Hastings (também) é verdadeiramente magnífica. Ela é uma das personagens femininas mais carismáticas e emblemáticas de todas as bandas desenhadas franco-belgas que já li. Vivian é má, mas com uma índole boa. Temível, mas temerária. Sensual, mas vingativa. Presa, mas caçadora. Vilã, mas heroína, ao mesmo tempo. O tipo de personagem a que é difícil ficar indiferente. Aliás, com efeito, se poucas são as minhas queixas com esta excelente banda desenhada, uma delas é que Lady Vivian Hastings vá perdendo algum do seu protagonismo ao longo dos quatro volumes. No primeiro volume é ela a grande estrela da série, mas, com alguma pena minha, e gradualmente, daí em diante Dorison parece centrar-se apenas na personagem de Long John Silver e “esquecer”, de certa forma, esta fantástica personagem feminina.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
O mistério está sempre constante nesta obra. Mistério sobre o famigerado ouro de que tanto se fala, mistério sobre Lord Hastings, o esposo de Vivan, mistério sobre o local para onde a tripulação ruma, mistério sobre a enigmática personagem do índio Moc ou, claro, dos próprios Long John Silver e Lady Vivian Hastings. A leitura é feita com um ligeiro sobressalto pois estamos sempre à espera que alguma personagem possa morrer ou nos possa fazer uma enorme revelação. Tal como a tripulação do Neptuno, também nós navegamos rumo ao desconhecido nesta banda desenhada.

Ainda falando sobre o argumento, bem estruturado, e com muitas camadas para irmos desembrulhando ao longo da nossa leitura, lamento apenas que a parte final – o último volume – pareça ter sido feito um pouco mais “à pressa”. A resolução da história é boa, assinale-se, mas pareceu-me algo abrupta e um pouco à pressão, por vezes. Embora admita que as últimas 3 páginas do último livro saibam, ainda assim, encerrar com mestria esta fantástica banda desenhada.

O principal néctar desta aventura está, pois, na preparação da viagem (tomo 1) e na própria viagem em si (tomo 2 e 3). Quando Long John Silver e a sua tripulação chegam, finalmente, ao destino, a história passa de um registo mais “de aventura” para um registo “de fantasia”, com um teor metafísico. Não apreciei tanto, mas também não posso dizer que isso estrague alguma coisa. É mais uma questão de opção de narrativa do autor. Ou de gosto do leitor, vá.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
O desenho de Lauffray é verdadeiramente maravilhoso! Ao princípio, até pode parecer um traço algo rude e rápido, sem o detalhe a que o género franco-belga já nos habituou, mas um olhar atento permitir-nos-á compreender toda a aptidão e virtuosismo do autor, no desenho de magníficas paisagens; de fantásticas personagens, cujas expressões não mais esquecemos; de um mar que parece ter vida própria e ser um personagem por si só; do barco Neptuno e da sua imponência e fragilidade; das brilhantes cenas de ação e luta, das condições meteorológicas que, ora adversas, ora calmas, contribuem - em muito! - para a veracidade e dinâmica da narrativa gráfica. Somando ainda, para além de tudo isso, uma mudança dinâmica e variada de enquadramentos, efeitos de luz que acentuam momentos dramáticos impactantes e m belo processo de colorização das ilustrações. Enfim, também em termos visuais, tudo funciona magnificamente bem em Long John Silver.

Destaque ainda para o facto de algumas páginas terem uma planificação muito arrojada, que quase nos remete para cartazes de filmes, em que temos, ao mesmo tempo, ilustrações de vários lugares e várias personagens. Absolutamente fantástico e revelador de um autor muito inspirado!

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
E falando em coisas arrojadas e inspiradas, que dizer das brilhantes, magníficas e luxuriantes capas destes livros? As quatro capas são excelentes, mas, especialmente as capas dos volumes 2 e 3, Neptuno e Labirinto de Esmeralda, respetivamente, considero das capas mais bonitas de toda a minha (grande!) coleção de banda desenhada. Se há casos em que uma capa já quase vendeu o livro, este é um deles. Aliás, não nego que, quando comprei e li a versão inglesa desta série, o fiz porque fiquei rapidamente cativado pelas brilhantes ilustrações de capa. Autênticas obras de arte! Portanto, entre ficar impressionado com estas capas até à compra dos livros, foi um curto passo.

Quanto à edição da obra, a ASA volta a fazer as coisas bem. A boa encadernação em capa dura e brilhante, bom papel e boa impressão fazem com que possamos olhar para esta edição como uma edição de colecionador. 

E tanto assim o é que a própria lombada dos quatro volumes até forma um desenho conjunto que, neste caso, é o bonito logótipo da série. Gosto muito de desenhos na lombada, pois os mesmos dão um cunho de luxo e de colecionador à obra. E, sinceramente, até tive alguma pena que a editora não tenha feito o mesmo com as lombadas de RIO ou de Peter Pan – embora, no caso desta última série, como já tinham sido publicados anteriormente 4 dos 6 volumes que compõem Peter Pan, eu compreenda que a ASA tenha jogado pelo seguro, não arriscando em ter um desenho de lombada que poderia – ou não? – afastar eventuais compradores, que já tinham os 4 volumes anteriormente lançados.

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público
Concluindo, e voltando ao início do meu texto, ver Long John Silver totalmente editado em Portugal foi uma das (muitas) boas notícias para a banda desenhada em Portugal, durante este ano de 2021. 

Quando, há uns meses, eu tinha feito o meu Top 10 de BD's incríveis que (ainda) não estão publicadas em Portugal, Long John Silver até tinha ocupado a 2ª posição da minha lista, vejam lá.

Long John Silver tem tudo o que uma boa banda desenhada deve ter: uma boa história, muito bem contada, com personagens inesquecíveis, com um pendor histórico, embora ficcional, e desenhos maravilhosos que elevam a nossa experiência de leitura. Que boa cartada, cara editora ASA! 

E, já agora, que futuramente venham mais séries de bd com piratas. Gosto bastante de cowboys mas, para mim, os verdadeiros “badasses” sempre foram os piratas!



NOTA FINAL (1/10):
9.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Fichas técnicas
Long John Silver #1 - Lady Vivian Hastings
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 68, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Setembro de 2021

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver #2 - Neptuno
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 60, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver #3 - Labirinto de Esmeralda
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021

Long John Silver (Série Completa), de Xavier Dorison e Matthieu Lauffray - ASA e Público

Long John Silver #4 - Huayna Capac
Autores: Xavier Dorison e Matthieu Laufray
Editora: ASA
Páginas: 72
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2021

2 comentários:

  1. Também gostei muito,só discordo na parte da lombadas não acho que no geral ajude as vendas.

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    1. Pois... na verdade também não sei se as lombadas ajudam as vendas. Não tenho conhecimento dos números de vendas. Mas posso dizer que, enquanto leitor e consumidor, fico mais comprometido com uma coleção que forma um desenho de lombada do que o oposto. Se estou a gostar duma série e se, ainda por cima, as lombadas formam um desenho, há mais probalidades de a querer acabar mesmo que até surjam um ou dois livros menos conseguidos. Como, por exemplo, na coleção do Batman 80 anos da Levoir.

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