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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Análise: O Lobo

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
O Lobo, de Jean-Marc Rochette

Lançado pela Arte de Autor conjuntamente com A Universidade das Cabras, de Christian Lax, do qual também falarei nos próximos dias, este O Lobo, da autoria de Jean-Marc Rochette, é uma das novas apostas da editora portuguesa. Do mesmo Jean-Marc Rochette, relembro, já tínhamos visto publicado em Portugal O Expresso do Amanhã pela editora Levoir na sua sexta coleção de Novelas Gráficas.

O Lobo era um livro que eu já tinha debaixo de olho há alguns anos e, quando soube da aposta da Arte de Autor no mesmo, fiquei bastante empolgado. Era, de resto, uma das obras que mais expectativa me estava a causar para este ano de 2024. Depois de feita a leitura, posso dizer-vos que estamos perante um excelente livro. Daqueles que pode trazer mais ao leitor do que aquilo que, à primeira vista, pode parecer.

Esta é uma história verdadeiramente cinematográfica. Muito visual, com longos períodos sem fala, onde o leitor é convidado a uma certa dose de contemplação. Diria, até, que este é um daqueles livros de banda desenhada que, de tão cinematográfica ser a sua abordagem, parece pronto para filmar. Só falta arranjar o ator - e um Robert Redford seria, quanto a mim, uma boa escolha - e partir para uma qualquer região montanhosa árida e cheia de neve, para começar a filmar. E arranjar os animais, claro.

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
E os animais têm neste O Lobo uma especial relevância, sendo personagens tão ou mais importantes que o protagonista, Gaspard. Mas, já lá irei.

A história passa-se nas montanhas do Vale de Vénéon, em França, onde, especialmente no inverno, a neve e as condições atmosféricas são por demais rígidas e austeras para a vida. Para a humana e para a vida animal. Mas, bem, não serão os homens meros animais? Depois de finda a leitura deste O Lobo, essa ideia torna-se inequívoca.

Gaspard é um pastor que vive apenas com a companhia do seu fiel cão pastor, Max, e do seu rebanho de ovelhas. Por opção pessoal, vive isolado do mundo, apenas deslocando-se à “civilização” para se abastecer e se preparar para os invernos frios que enfrenta. Mas, à semelhança de todos os outros pastores, também Gaspard tem de lidar com o problema dos lobos que andam sempre à espreita de um deslize para poder atacar essas belas e suculentas ovelhas.

E quando os caminhos de Gaspard e de um lobo branco se cruzam, desenvolve-se um conflito que causará perdas a ambos e que passa a sedimentar uma enorme rivalidade e sede de vingança mútua. Gaspard quer matar o lobo branco… e o lobo branco quer matar Gaspard. Gaspard alimenta os seus instintos de animal, enquanto o lobo desenvolve a sua sede de vingança, um sentimento que, normalmente, associamos à condição de se ser humano. 

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
Não revelarei o porquê deste conflito, nem o desenlace do mesmo, sob pena de poder estragar o prazer de leitura aos meus leitores. Mas posso dizer-vos que a história assume depois, um cariz de fábula onde, recorrendo à ficção, Rochette nos traz relevantes e pertinentes reflexões para o mundo que temos. E para a forma como o condicionamos através da própria existência de nós, humanos, enquanto espécie. Ao longo dos séculos, temos vindo a utilizar o mundo e a natureza apenas para a satisfação dos nossos interesses humanos, sem ter em conta a vida de tantas outras espécies, de tantos outros animais. Não será tempo de o Homem repensar a sua forma de encarar o mundo enquanto uma coisa, enquanto um objrto, enquanto algo que é totalmente seu? Será o mundo que pertence ao homem ou será o homem que pertence ao mundo?

Até porque, lá está, aos olhos da natureza – se é que a mesma tem olhos -, o homem é apenas mais uma das suas criaturas. Mais outro animal. Mas se somos animais racionais, caber-nos-á pensar o mundo com mais e melhor racionalidade. Talvez venhamos, então, a verificar que a coexistência entre todas as espécies e formas de vida, com respeito mútuo, é possível. Não é uma fábula, é uma possibilidade. E mesmo que, neste caso concreto, os pastores se vejam forçados a proteger as suas vidas, bem como a dos animais que pastoreiam, as vidas dos animais selvagens também devem ser protegidas. Pelo menos em termos de ecossistema natural, todas as vidas têm o seu lugar e o seu valor.

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
É verdade que a história até pode parecer simples e detentora de uma certa sensação de déjà vu. Relembra até muitos filmes e livros onde as condições climatéricas perversas parecem levar a melhor sobre os homens. Mas, não inventado a roda, é verdade que a história pensada por Rochette está bem contada e o desenlace final do argumento, acaba por trazer esta bela e importante mensagem que já referi. Não ficando logo empolgado nas primeiras páginas, confesso que gostei bastante da sensação final com que fiquei após a leitura da obra.

O desenho de Rochette assume um belo registo. O seu traço é grosso, sujo e confiante, sendo depois colorido por Isabelle Merlet com cores saturadas nos ambientes caseiros e cores frias nos ambientes gelados da montanha, que os embelezam. As bonitas e áridas paisagens das montagens carregadas de neve estão, pois, muito bem caracterizadas por Rochette. Se o pastor e os animais são personagens... a montanha também acaba por ser uma personagem omnipresente. E omnipotente. Em termos imagéticos, reconheço que até fui remetido para outras belas bandas desenhas como, por exemplo, Em Busca de Peter Pan, de Cosey, ou, especialmente, Acender Uma Fogueira, de Chabouté.

A edição da Arte de Autor é muito boa. O livro apresenta capa dura, de textura aveludada, com detalhes a verniz. O trabalho de encadernação, impressão e de escolha de papel também é muito bom e, no final, a edição é complementada por um posfácio de Baptiste Morizot, que desenvolve bem os temas levantados pela obra, enquanto o seu texto é adornado por alguns esboços de Rochette.

Em suma, O Lobo é (mais) uma excelente proposta da Arte de Autor. Leva-nos para esses ambientes inóspitos, violentos, mas incrivelmente belos, das montanhas geladas, enquanto também tem o dom e o sentido de oportunidade de deixar bem claro que é urgente que o homem consiga encontrar o seu lugar no planeta, sem colocar em causa o lugar de todas as outras formas de vida. Bela leitura!


NOTA FINAL (1/10):
8.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor

Ficha técnica
O Lobo
Autor: Jean-Marc Rochette
Editora: Arte de Autor
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 202 x 285 mm
Lançamento: Janeiro de 2024

2 comentários:

  1. Uma semana depois ainda não se falou da mais premiada obra do planeta que jamais ganhou qualquer prémio lol só conseguem fazer a transferência para a semana?

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    1. Só conseguem fazer a transferência para a semana.

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