Hoje trago-vos uma entrevista que tive a oportunidade e privilégio de fazer ao autor português Vasco Colombo, a propósito do seu recente livro O Cabo de 2.102.400 Km que está inserido na coleção 25 Imagens que a Levoir editou nos últimos meses com o jornal Público.
Posso dizer-vos que gostei muito de conversar com Vasco Colombo, alguém que se revelou muito generoso, acessível e simpático, bem como gostei da sua visão muito própria de olhar para o universo da banda desenhada.
Como tal, convido-vos, sem mais demoras, a mergulharem nesta interessante entrevista.
Entrevista a Vasco Colombo
O Cabo de 2.102.400 Km, recentemente editado pela Levoir na sua coleção 25 Imagens, que conta com outros seis célebres autores estrangeiros, marca o teu regresso à BD. No passado já tinhas participado em muitas publicações, revistas, etc, mas depois estiveste arredado deste meio, tendo havido um interregno bastante grande. Mas, de repente, regressas com este novo livro. Gostaria de começar por te perguntar como é que surgiu este projeto. Foi um convite da Levoir?
O Filipe Abrantes convidou me para participar no número 5 da Umbra.
Pois, tu participas no novo número da antologia Umbra, não é?
Sim, estou a fazer uma banda desenhada para este 5º volume. É uma curta com 20 páginas. E entretanto, nesse processo, e também por estar a ajudar a fazer a promoção da revista, do site e com as coisas do Instagram, troquei ideias com o Filipe e conheci também o Pedro Moura. Nesse processo de fotografá-lo para a promoção da revista, ele viu umas páginas minhas e como ele é consultor da Sílvia [Reig, responsável da Levoir] acabou por ser ele a sugerir-me, a mim e a outros nomes, como possibilidade para ser o autor português a integrar na coleção 25 Imagens.
Ah, então foi assim que surgiu o primeiro contacto. Depois a Silvia abordou-te…
Sim, pediu-me para enviar uma sinopse daquilo que estava a pensar fazer. Mandei e gostaram.
Quanto tempo demorou este O Cabo de 2.102.400 Km a ser feito?
Não foi muito… eu sou rápido. Ao todo, tudo junto, aí um mês e meio.
Já deves ter visto o resto da coleção. Há autores de grande peso. Deves sentir-te bem por veres o teu nome associado a estes grandes nomes, como Tardi, Ott, Landis, entre outros...
Como já tive a oportunidade de dizer noutra ocasião, pelo menos seis números excelentes estão garantidos nesta coleção!
(risos) Foi difícil para ti fazeres uma história muda?
Desenhar uma história muda pode ser fácil. Pode ser fácil se tu pensares que é uma história que vai do ponto A ao ponto B. Mas, depois, tudo se começa a complicar quando só tens 25 imagens, pois isso pode fazer com que a história se transforme em algo demasiadamente simplificado. Eu optei por fazer uma coisa um bocadinho diferente.
Este título, O Cabo de 2.102.400 Km, é bastante intrigante, também. Podes explicar de onde é que o mesmo vem?
O título é resultado de uma forma matemática muito simples. O livro está todo ele semeado de, como se costuma dizer, “ovos da Páscoa”. Está cheio de piscares de olhos, pequenos enigmas, pistas, tudo isso. E há ali uma sequência de indícios que permitem leituras a vários níveis. Ou seja, eu pensei desta maneira: “era interessante se um leitor passasse muito mais tempo do que o normal a ler este livro”.
Tendo em conta que é um livro curto em páginas, assim ofereces-lhe um nível de leitura adicional...
Exatamente. E a verdade é que o livro está cheio de indícios. Tens lá números desconstruídos, tens outros pormenores por desvendar. Por exemplo, a personagem está a desenhar, mas de repente há uma linha que sai de um desenho, o que leva à pergunta “que desenho é aquele?” E porque é que se partiu a ponta do lápis? Há toda uma série de indícios que permitem uma série de leituras. Há pessoas que podem descobrir tudo, e outras que podem descobrir menos. Mas o desafio está aí. Eu acho que é mais interessante ter um trabalho aberto, mas com pistas para desvendar, do que ter uma história fechada. São apenas 25 imagens e se não houver também esse convite ou esse desafio que leve o leitor a mergulhar também na história, a mesma fica muito à superfície.
E não tiveste aquela sensação de estares a fazer o livro e achares que te faltava aqui ou ali alguma legenda ou algum balão? Essa parte foi fácil ou difícil?
Não, não foi difícil. Não foi difícil porque eu pensei para onde queria ir. Depois de o livro estar feito, lembrei-me de uma coisa: “se calhar, mais lá para a frente, vou fazer dois ou três números únicos em que vou escrever história para estas ilustrações.” Mas isso daqui a três ou quatro anos.
Sim, considero. A partir do momento em que tenhas uma narrativa sequencial, com desenhos, é uma BD. Se quiseres, podes dizer que não é uma banda desenhada clássica, mas o que é a banda desenhada? É ter pelo menos duas ilustrações por página? Ter um balãozinho? Eu acho que é um bocadinho mais do que isso. É o estilo, é a forma de narrar. A maneira como todos os autores desta coleção narraram é diferente da forma como seria narrado, por exemplo, com um artista oriundo de outras áreas. Há uma síntese, há uma busca de alguma eficácia narrativa que todos os autores da coleção revelam. Talvez a que seja menos assim seja a Nina Bunjevac, que tem ali uma cadência um bocadinho diferente.
Apreciaste os outros livros da coleção?
Gostei muito. Não de todos por igual, mas gostei muito.
Pois, isso costuma acontecer neste tipo de coleções. E podemos esperar que voltes a lançar mais livros de banda desenhada num futuro próximo?
A questão é que tu podes fazer 1000 ilustrações sem problema. Fazes isso num período de tempo e ficam feitas. No entanto, podes ter de fazer uma banda desenhada com 700 desenhos e isso já não será tão fácil de fazer, porque quando estás a fazer uma banda desenhada, como dizem os atores, tens que ficar “in character”, tem que haver ali uma imersão na banda desenhada. Não é só fazeres mais dois ou três desenhos, tens que estar por dentro da criação.
Tens que assegurar a continuidade…
Sim, uma continuidade que é um estado mental criativo que tem de estar sempre presente. Durante 10 anos, tive um trabalho mais intenso num atelier de design e ter um atelier de design ou ter uma empresa, acho eu, é como teres uma criança, não tenho crianças, mas sei que tens de estar sempre em cima, a tratar de tudo. E isso consome-me muito tempo, claro. O que tem adiado os tais projetos em banda desenhada. Mesmo assim, em termos de projetos para o futuro, estou agora a trabalhar numa BD mais longa, de maior fôlego. Espero que me demore quatro meses a fazer, pois sou rápido a fazer. (risos) E estou a trabalhar noutro projeto também relacionado com a banda desenhada, mas ainda muito secreto.
E já tens editora para esse projeto de BD mais longa?
Eu tenho uma editora que é a Silvia. Em relação à Levoir eu tenho um reconhecimento de gratidão. Mas, claro, logo veremos, consoante for o mais benéfico para todas as partes.
E para além disso, também participas na nova Umbra, que já referiste, e que deverá sair por altura do Amadora BD…
Acho que a Umbra é um projeto único em Portugal e nunca é demais sublinhar que o mundo editorial em Portugal não é um mundo fácil. Pelos vistos, edita-se mais banda desenhada do que há 20 ou 30 anos atrás, mas vende-se menos. E a resposta é muito simples: não podemos continuar a pedir aos leitores habituais de banda desenhada que comprem mais. “Já compras? Ok, mas compra mais!”. Não, o público da banda desenhada tem de crescer. Se o número e qualidade da banda desenhada editada em Portugal está a crescer, das duas, uma: ou as pessoas que compram outro tipo de livros não gostam dos de banda desenhada – e disso eu tenho algumas dúvidas – ou simplesmente não conhecem esses livros de banda desenhada.
Exato. Há pouca promoção da banda desenhada. E acho também que, acima de tudo, o nosso mercado é pequeno. Em países como a França, a Bélgica ou o Japão, tu vês pessoas que leem livros de literatura, como romances, e também leem banda desenhada. Para essas pessoas é normal. Ao passo que, fora desses mercados, lê banda desenhada quem é fã de banda desenhada. Mas se há boa oferta de qualidade, acho que é apenas por falta de divulgação. Vamos pôr isto de outra maneira: ser editor de banda desenhada em Portugal é um risco e é difícil. A vida não é nada fácil para eles. Por outro lado, tu só consegues ter grandes sucessos com alguma coisa quando arriscas. Quando arriscas em qualquer coisa de muita qualidade e em que mais ninguém pegou, tu tens essa vantagem competitiva. Tens qualquer coisa que mais ninguém tem. Agora, quando estás num mercado que é difícil, com edições pequenas e onde o dinheiro não abunda, tu não queres correr riscos. Então por isso é que edições como a Umbra são muito importantes... porque não têm nada a perder… têm tudo a ganhar. A Métal Hurlant, quando apareceu, era uma coisa arriscadíssima, ninguém sabia no que é que aquilo ia dar e funcionou muito bem. A verdade é que aqueles autores e aqueles editores correram riscos, fazendo uma coisa que mais ninguém fazia… e funcionou. E é isso que é preciso fazer também no mundo editorial. Nós, cá em Portugal, de um modo geral, não sabemos vender muito bem as coisas. E isso é transversal: seja a nível editorial, seja a nível da moda, seja a nível industrial, seja a nível de tudo. Não sabemos criar marcas, não sabemos divulgá-las. Não sabemos criar nas pessoas a awareness de que elas existem para depois as podermos vender. Quando estás em Hollywood e gastas 50 milhões a fazer um filme, depois tens de gastar 75 para o promover. Para ganhares 150 milhões.
Tu tens um estilo muito próprio, aquilo a que gosto de chamar o "signature style".
Eu desenho de muitas maneiras diferentes e, no entanto, acho que há que há aqui uma coerência. Quando se desenha desde os 4 anos, sem parar, a verdade é que se ganha uma caligrafia, não é? Eu gosto de variar estilos, porque me vou cansando se fizer sempre a mesma coisa.
E desenhas todos os dias?
Todos os dias, todo o santo dia.
E em relação às técnicas que utilizas, quais é que preferes?
Eu gosto de desenhar no papel e no digital. Quando estou a fazer um projeto de desenho livre num caderno faço literalmente o que me apetece. Gosto especialmente de usar canetas de tinta permanente, não uso muitos marcadores nem pincéis, mas gosto de desenhar de todas as maneiras. E depois também gosto de desenhar e escolher um papel adequado. Gosto de desenhar no papel, mas gosto muito de desenhar, também, no digital, no Procreate, no iPad . Por exemplo, no iPad, uma das características que eu tenho é que eu nunca desenho a lápis, tudo o que faço, faço diretamente a tinta. E quando estás a desenhar no papel, o preço que tu pagas se te enganares é muito mais alto do que no meio digital. É por isso que o desenho no papel tem um ritmo um bocadinho mais lento e é mais ponderado. Quando desenhas no Procreate, em digital, o desenho acaba por sair mais rapidamente. Se algo não está bom, imediatamente corrijo e continuo a desenhar.
Para este livro utilizaste as duas técnicas?
Sim, mas foi um desenho maioritariamente digital.
Tens autores que são especiais referências para ti?
No meu começo, obviamente que o Moebius era uma referência, mas depois uma pessoa cresce e quando se desenha muito e tens muitas influências, é natural que o teu desenho vá beber a muitas coisas que não são só da banda desenhada. E um problema que acho que os autores da banda desenhada têm é que é tudo muito pastiche. São autores que fazem bandas desenhadas, inspirados por outros autores que só leem bandas desenhadas, e por aí diante. É tudo uma espécie de um universo fechado. A minha referência para este O Cabo de 2.102.400 Km, por exemplo, é muito mais o Oito e Meio, do Fellini, do que uma banda desenhada.
Há algum autor português que estejas a acompanhar com mais atenção?
Recentemente, descobri o Filipe Andrade, que é muito bom, e descobri uma autora muito nova, chamada Beatriz Brajal. Ela é muito boa e vai longe. O Filipe Andrade é um virtuoso. Aquele seu estilo caligráfico que se apoia muito na cor, é muito bom.
Muito obrigado por esta conversa, Vasco!
Obrigado, eu, Hugo.
Precisamos de uma verdadeira banda desenhada de longo fôlego do Vasco. Haja algum editor que avance. Ou isso ou plataforma de auto-financiamento.
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