sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Análise: Coleção 25 Imagens

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público
Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari

Hoje trago-vos uma análise conjunta a cinco dos sete volumes que constituem a coleção 25 Imagens, recentemente editada pela Levoir, em parceria com o jornal Público. Relembro que os dois primeiros volumes da coleção, A Floresta, de Thomas Ott, e Marguerite, de Joe Pinelli, já aqui foram analisados no Vinheta 2020.

Mas antes de entrar em detalhe face aos restantes livros da coleção, gostaria de me focar nesta coleção, de um modo mais global, pois considero que a mesma representa uma novidade significativa no panorama editorial português. O conceito de cada volume ser narrado exclusivamente por 25 imagens, em preto e branco, sem qualquer texto, rompe com a tradição de banda desenhada a que o público nacional está habituado. É um exercício narrativo desafiante, que coloca em primeiro plano o desenho e a capacidade de contar histórias visualmente. Como tal, acho que a chegada desta coleção constitui uma lufada de ar fresco no mercado nacional, apostando em algo que privilegia a arte sequencial no seu estado mais puro. Como tal, só posso dar os parabéns à Levoir pela ousadia editorial.

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público
Além disso, convém não esquecer que a seleção de autores desta coleção 25 Imagens é outro ponto a destacar. Thomas Ott, Joe Pinelli, Landis Blair, Jacques Tardi, Lucas Harari, Numa Bunjeac e Vasco Colombo compõem um alinhamento de nomes de exceção, cada qual com estilos e universos próprios, claro está. E a presença do autor português Vasco Colombo tem especial relevância, pois confere à coleção um caráter único e nacional, e demonstra que a produção portuguesa de banda desenhada contemporânea não fica atrás da internacional. De facto, não só o livro de Vasco Colombo está à altura dos restantes, como até se encontra, a meu ver, entre os melhores da coleção. Mas já lá irei.

Avançando para os livros em concreto, começo por afirmar que um dos reais méritos desta coleção é o de mostrar como a limitação formal, as tais 25 imagens para narrar uma história, pode ser transformada em virtude. Essa restrição obriga os autores a uma disciplina narrativa rigorosa, em que cada imagem tem de carregar significado. Por consequência, todos os livros são obras que não se leem de uma forma passiva, convidando o leitor a preencher as lacunas, a imaginar o que não está representado, a refletir sobre o sentido da sucessão de imagens. Diria que não será um exercício para todo o tipo de leitor, mas que será certamente recompensador para o leitor mais atento.

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público
Rumo ao Sul
, de Landis Blair, é um dos meus livros preferidos da coleção. Com um desenho realista, em que os detalhes na ilustração são belíssimos e realçados pela utilização de tramas, a história acompanha a derradeira viagem de um homem, num ambiente natural gélido e ao mesmo tempo fascinante. A neve, o vento, as árvores e especialmente os pássaros são elementos que contribuem para a metáfora de uma despedida serena. Uma bela metáfora para a vida!

Em Ter 20 anos em Maio de 1871, Jacques Tardi regressa aos seus temas prediletos: a memória histórica, a violência e as feridas do tempo. O livro mostra um homem idoso a revisitar o cemitério de Père-Lachaise, onde reencontra o peso da Comuna de Paris e do seu passado. O desenho direto, rápido e expressivo de Tardi capta tanto a solidão como a persistência da resistência política. É uma narrativa sobre cicatrizes que não se apagam, ainda que a história me pareça um pouco mais lata do que o desejável.

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público
A Restauração
, de Numa Bunjeac, distingue-se pelo seu imaginário perturbador e alegórico. A história aborda a dor da separação, na relação entre uma criança que é separada da sua avó, mudando de cidade e mantendo consigo a dor dessa separação. Separação essa que ainda é incrementada pelo contacto com uma mãe alcóolica e cativa em relações tóxicas. De alguma forma, A Restauração diz respeito à resolução do presente com base na memória de um passado feliz. Na procura do conforto nessa infância onde o mundo era puro. Como se isso fosse possível. O desenho é ultra realista, conseguindo, ao mesmo tempo, ser abstrato nos momentos mais metafóricos. É uma bela obra, revelando uma autora muito singular, que nos oferece um livro que causa desconforto e fascínio em simultâneo.

Nachave, de Lucas Harari, apresenta um registo diferente, embora revelando ser também uma história trágica e socialmente incisiva. Acompanhamos um adolescente de subúrbio que vive num quotidiano marcado por oportunidades reduzidas, violência e presença policial incisiva sobre grupos específicos. Neste caso o seu. A trama visual culmina numa saída que não chega a tempo: pequenas decisões - ou talvez a falta delas - convergem para um desfecho trágico. A história é simples e linear, bem como o estilo de desenho de Harari, mas o que é certo é que o livro nos deixa a pensar.

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público
Finalmente, O Cabo de 2.102.400 Km, do autor português Vasco Colombo, é talvez o mais metafórico da coleção. A descoberta de um cabo aparentemente interminável torna-se a premissa de uma busca sem fim. A narrativa joga com a ideia de ligação, de distância, de relações invisíveis entre seres e lugares. O desenho, muito belo e carregado de um sentido de estética muito impressionante - ou não estivesse Vasco Colombo ligado ao universo do design - cria uma atmosfera ambígua que tanto pode sugerir o absurdo como a contemplação poética. Aqui e ali denotam-se elementos que parecem sugerir significados ocultos e easter eggs, o que eleva a qualidade da obra, sugerindo uma segunda e uma terceira leituras. Colombo demonstra uma maturidade gráfica e narrativa que coloca este O Cabo de 2.102.400 Km como um dos melhores da coleção. Ao propor um volume simultaneamente poético e inquietante, Vasco Colombo prova que a produção nacional não precisa de concessões para afirmar a sua qualidade.

Voltando à globalidade desta coleção, denota-se que apesar da diversidade temática e estilística, todos os livros partilham um mesmo espírito: o de oferecer ao leitor um vislumbre breve mas intenso de um universo. Naturalmente, algumas propostas resultam melhor do que outras. 

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público
A leitura em conjunto da coleção evidencia ainda como o desenho pode assumir múltiplas funções narrativas. É mesmo quando a narrativa parece mais abstrata ou ambígua, os livros nunca deixam de ser experiências agradáveis e instigantes. Cada um deles propõe um pacto de leitura diferente: alguns apelam ao sentimento, outros à memória, outros ainda à contemplação ou ao desconforto. O leitor sai sempre desafiado a refletir.

Todos os livros apresentam capa dura, com textura, e um excelente (excelente, mesmo!) papel baço no interior do livro. O trabalho de encadernação e impressão também é bastante bom. Em termos de nobreza de materiais, esta é uma das melhores edições de sempre da Levoir.

Em síntese, os cinco volumes analisados confirmam o êxito da iniciativa 25 Imagens. Cada livro é único e acrescenta algo à coleção, e se nem todos têm o mesmo impacto, todos partilham uma qualidade inegável de desenho e de criatividade. A coleção como um todo é, portanto, não apenas uma novidade editorial, mas também um convite a olhar a banda desenhada como arte visual plena, capaz de emocionar, inquietar e fazer pensar, mesmo quando as palavras estão ausentes.

NOTA FINAL (1/10):
O Cabo de 2.102.400 km - 8.8
A Restauração - 8.5
Rumo ao Sul - 8.8
Ter 20 anos em Maio de 1871 - 6.5
Nachave 7.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens dos álbuns. www.instagram.com/vinheta_2020



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Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público

Fichas técnicas
O Cabo de 2.102.400 km
Autor: Vasco Colombo
Editora: Levoir
Páginas: 32, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 x 265mm

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público

A Restauração
Autora: Nina Bunjevac
Editora: Levoir
Páginas: 32, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 X 265mm

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público

Rumo ao Sul
Autor: Landis Blair
Editora: Levoir
Páginas: 32, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 x 265 mm

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público

Ter 20 anos em Maio de 1871
Autor: Jacques Tardi
Editora: Levoir
Páginas: 32, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 x 265mm
PVP: 13,90€

Coleção 25 Imagens, de Vasco Colombo, Nina Bunjevac, Landis Blair, Jacques Tardi e Lucas Harari - Levoir e Público

Nachave
Autor: Lucas Harari
Editora: Levoir
Páginas: 32, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 x 265mm
PVP: 13,90€

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