Os Lusíadas, de Pedro Vieira de Moura, Daniel Silvestre, João Lemos, Miguel Rocha, Rami Tannous e Xico Santos
Foi com o segundo volume de Os Lusíadas, a adaptação para banda desenhada da obra-prima de Luís de Camões, que a Levoir fechou a sua coleção dedicada aos Clássicos da Literatura Portuguesa em BD que a editora editou em parceria com a RTP.
Depois de lidos os dois volumes de uma só vez, para melhor poder imergir na obra, falo-vos hoje neste trabalho que junta o nome de seis autores nacionais! Um argumentista e cinco ilustradores! Algo que não vemos todos os dias!
O que me leva já para à primeira observação de que, com este Os Lusíadas, estamos perante uma empreitada de enorme valor, quer do ponto de vista ludo-educativo, quer do ponto de vista conceptual e artístico.
Trata-se de uma obra que se apresenta com um vigor estético que merece todas as vénias, uma vez que os vários ilustradores que participam neste trabalho conseguiram dotá-la de uma beleza ímpar e de uma inspiração conjunta, capaz de captar a atenção de leitores de diferentes idades e formações. A própria materialidade da obra, o seu desenho e composição, refletem uma intenção clara de transformar um clássico da literatura portuguesa numa experiência visual intensa e tão acessível quanto possível, tendo em conta o próprio estilo ilustrativo dos autores, claro está.
É natural que, em termos visuais, não se trate de uma obra homogénea, dado o número e diversidade dos estilos gráficos dos autores envolvidos. No entanto, neste caso concreto, essa diversidade não prejudica a continuidade narrativa; antes, contribui para enriquecer a obra. Os Lusíadas é, por si só, um texto repleto de camadas narrativas, episódios distintos e variações de tom, o que permite acomodar diferentes linguagens visuais sem que se quebre a unidade da história. A pluralidade de estilos acaba, pois, por refletir a própria complexidade e riqueza do poema original de Camões e, nesse sentido, podemos dizer que a escolha dos ilustradores foi uma aposta ganha.
Miguel Rocha é o autor que, no somatório dos dois livros, ilustra o maior número de páginas, e o seu trabalho revela-se extremamente evocativo. As suas ilustrações conseguem transmitir a grandiosidade das aventuras marítimas, bem como os momentos de introspeção e de tensão narrativa, criando imagens que permanecem na memória do leitor. A força expressiva de Rocha marca a obra e serve como fio condutor para os diversos outros estilos que surgem depois ao longo do livro, garantindo uma base sólida.
Além do trabalho de Rocha, também as páginas de Daniel Silvestre se destacam através da intensidade e originalidade do seu traço, que confere a certas passagens uma expressividade singular, tornando-as visualmente memoráveis. É inequívoco o talento deste autor, que consegue equilibrar detalhe e dinamismo e, em termos de narrativa, opera como que uma nova passagem, um portal, para o próprio Luís de Camões enquanto personagem cativa dentro da sua própria obra. Refira-se ainda que sendo estilos bastante díspares, os de Miguel Rocha e de Daniel Silvestre, há paginas especialmente bem sucedidas na forma airosa e imaginativa como se passa de um universo para o outro de forma orgânica.
João Lemos oferece páginas mais leves e refrescantes, proporcionando um contraponto bem-vindo às ilustrações mais densas ou dramáticas dos demais ilustradores. A sua abordagem é marcada por traços fluidos e uma paleta que transmite alegria, permitindo que certas passagens do poema, especialmente aquelas de caráter mais contemplativo ou narrativo, ganhem leveza e dinamismo.
No segundo volume, o trabalho de Xico Santos e Rami Tannous também merece louvor. Xico Santos imprime força e solidez através de uma abordagem de banda desenhada mais clássica na forma, enquanto Rami Tannous demonstra capacidade para dotar a obra de (mais) uma abordagem singular em termos pictóricos, que nos remete para um estilo de outro tempo e de outro lugar. Cada ilustrador traz algo distinto, mas complementar, contribuindo para que a adaptação seja não apenas visualmente apelativa, mas também diversificada e multifacetada.
A adaptação do texto de Camões ficou a cargo de Pedro Vieira de Moura, que já tinha desempenhado semelhante função noutros clássicos desta coleção, como Mensagem ou Sermão de Santo António aos Peixes. E Pedro Moura volta a ter mérito, conseguindo transportar a linguagem e a grandeza da epopeia para o formato da banda desenhada, preservando a essência da narrativa e os principais episódios de Os Lusíadas.
Apesar da escolha acertada de dividir a adaptação em dois volumes, permanece, porém, um sentimento de incompletude quando terminamos a leitura. Ou de uma certa sensação de que fomos apenas presenteados com episódios soltos, sem que depois houvesse uma coluna vertebral que unisse todos os pontos. A densidade e riqueza do texto original exigem uma condensação, e ainda que a divisão seja compreensível, o resultado deixa a sensação de que há episódios ou detalhes que não foram plenamente explorados.
Por outro lado, e apesar do que acabei de referir, assiste-se também a um sobrepovoamento de texto em muitas páginas que, embora necessário para manter fidelidade ao poema, pode afastar alguns leitores.
O excesso de texto em algumas páginas compromete, sem dúvida, o ritmo visual da banda desenhada. As vinhetas tornam-se carregadas e, em certos momentos, a leitura da imagem compete com a leitura do texto, diminuindo a fluidez narrativa. O que é que poderia ter atenuado este problema? É simples... um maior número de páginas. Ou, não as tendo, uma maior divisão da obra original, abdicando de mais momentos. Assim, como foi feito, ficamos pelo meio: tentou-se meter muita coisa em pouco espaço, mesmo tendo em conta que são dois os livros.
Quanto à edição, os livros apresentam capa dura baça, com bom papel brilhante no interior, e uma boa encadernação e impressão. O primeiro livro é complementado com um dossier informativo acerca da obra original de Camões e do seu contexto histórico, que é bastante relevante.
O que também é relevante, mas pelas más razões, é que várias páginas do segundo livro se encontrem sem legendas, quando foram pensadas e trabalhadas para serem legendadas. Ora, isto é lastimoso para a experiência do leitor e põe em causa o bom trabalho da editora. Esta, tentou corrigir o erro apresentando uma errata com o texto em falta nas mencionadas páginas, numa tentativa de tornar menos penosa a situação para o leitor. Erros acontecem a toda a gente, bem sei, mas é na resolução dos mesmos e, por ventura mais importante ainda, na garantia que tal coisa não voltará a acontecer no futuro, que as editoras conquistam a confiança dos leitores. Infelizmente, também tinha acontecido coisa semelhante - embora menos badalada - com a mesma editora no livro Dorian Gray - que, por acaso, e com pena minha, é um livro belíssimo - em que também houve páginas com balões sem texto. Se tenho afirmado que, por vezes, certas queixas e críticas feitas à Levoir são injustas, outras há, como é o caso, que são indefensáveis.
Abaixo, podem ver, à esquerda, um exemplo do que o livro acabou por ser e, à direita, aquilo que o livro seria se não tivesse havido este lamentável erro.
Em síntese, a adaptação para BD, em dois volumes, de Os Lusíadas é uma obra de grande mérito artístico e conceptual. A pluralidade de estilos gráficos e o vigor estético da obra tornam-na rica e envolvente, enquanto a adaptação cuidadosa de Pedro Vieira de Moura garante uma ligação sólida com o poema original. Apesar de algumas limitações no ritmo e na quantidade de texto, bem como um lapso clamoroso com a edição da obra, esta é uma iniciativa louvável, que oferece aos leitores uma experiência visual e literária única, aproximando um clássico português das novas gerações e de um público mais amplo.
NOTA FINAL (1/10):
8.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens dos álbuns. www.instagram.com/vinheta_2020
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Os Lusíadas - Primeira Parte
Autores: Pedro Moura, Daniel Silvestre, João Lemos e Miguel Rocha
Adaptado a partir da obra original de: Luís de Camões
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Outubro de 2024
Autores: Pedro Moura, Daniel Silvestre, Miguel Rocha, Rami Tannous, Xico Santos
Adaptado a partir da obra original de: Luís de Camões
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Maio de 2025
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