O livro Marguerite, de Joe Pinelli, é mais um dos álbuns que se insere na coleção 25 Imagens, editada pela Levoir em parceria com o jornal Público, que chegou recentemente às bancas portuguesas.
Relembro que esta coleção é especialmente original por apostar em narrativas visuais desprovidas de texto - histórias mudas, portanto - explorando apenas o potencial da linguagem gráfica para contar histórias.
Neste segundo livro da coleção, temos a obra Marguerite, em que Joe Pinelli nos transporta para a Paris dos anos 1930, época marcada por tensão política e agitação social, mas também por uma efervescência cultural inegável. Através de ilustrações evocativas e atmosferas carregadas de poesia, o autor propõe-nos um percurso tanto geográfico quanto emocional, guiado pelo olhar de um pintor que se encanta por uma mulher misteriosa.
As ilustrações apresentadas são inegavelmente belas, reminiscentes da escola de Will Eisner, com um domínio atmosférico que captura muito bem a melancolia, o romantismo e a vida quotidiana da Paris entre as duas Grandes Guerras. Há uma elegância silenciosa em cada página, como se a cidade respirasse através das sombras e do movimento sugerido.
Contudo, se a arte num preto e branco puro é impactante e memorável, a articulação narrativa entre as imagens por vezes parece vacilar. Há momentos em que a sequência parece menos movida pela progressão emocional da história e mais por um desejo de retratar a cidade em toda a sua diversidade humana e arquitetónica. Isso não é, por si só, um "defeito", pois até é justo considerar que é a cidade de Paris, em muitos aspetos, a verdadeira protagonista da obra, mas enfraquece, quanto a mim, o desenvolvimento do fio condutor representado pela ligação entre o pintor e Marguerite.
Dito por outras palavras, o que poderia ser um crescendo emocional entre este homem e esta mulher parece diluir-se em composições urbanas que, embora belíssimas, nem sempre servem a progressão do enredo. Por vezes, fica-se com a sensação de se estar a ver uma série de postais artísticos, mais do que uma sequência fluida de acontecimentos que culminam em algo mais palpável.
Por outro lado, há que reconhecer o mérito de Pinelli na construção de uma atmosfera. O autor capta com precisão o espírito do tempo: os cafés, os operários, as fachadas e as manifestações políticas que pontuam o início da Frente Popular. Este pano de fundo histórico é subtil, mas presente, e confere uma densidade interessante à narrativa.
Talvez por isso possamos dizer que Marguerite funcione melhor como um álbum de sensações visuais do que como uma narrativa com início, meio e fim definidos. Nesse sentido, pode frustrar quem procura uma história mais linear ou um arco emocional mais definido, mas não deixa de ter o seu encanto para quem aprecia uma poesia visual que evoca o sentimento que queiramos evocar, num exercício que terá que ser, pois está claro, forçosamente pessoal.
A edição da Levoir mantém-se bela, como aliás já tinha referido no álbum anterior, A Floresta, de Thomas Ott. "O livro apresenta capa dura baça, com textura em tecido. No interior o papel utilizado é baço e de boa qualidade. Possivelmente, o melhor papel já utilizado numa coleção da Levoir. Numa coleção como estas, torna-se claro que a qualidade da impressão, o papel espesso, a encadernação... tudo contribui para a experiência sensorial, pelo que me agrada especialmente que a Levoir tenha tido este tipo de cuidado e aprumo editorial."
Em suma, Marguerite é um objeto estético de rara sensibilidade, que merece ser apreciado com tempo e atenção ao detalhe. Se falha por vezes em oferecer uma narrativa (mais) coesa entre os protagonistas, compensa com a riqueza do seu universo visual e com o convite que faz ao leitor para preencher, com a sua própria imaginação, os silêncios entre as imagens.
NOTA FINAL (1/10):
7.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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