quinta-feira, 17 de julho de 2025

Análise: O Esqueleto

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul
O Esqueleto, de Roberta Cirne

Uma das mais recentes obras lançadas pela editora Escorpião Azul dá pelo nome de O Esqueleto e é uma banda desenhada de terror - mesmo que, primeiramente, até nem o pareça - da autora brasileira Roberta Cirne. Esta BD adapta aquele que foi o segundo romance de terror lançado no Brasil há mais de 150 anos (em 1872), da autoria de Joaquim Carneiro Vilela, um dos primeiros autores brasileiros a fazer aquilo que, hoje em dia, podemos considerar como terror gótico.

A trama deste O Esqueleto leva-nos a tomar contacto com a personagem de Felipe, um jovem estudante de Direito vindo do Ceará, que se muda para Olinda para estudar na Faculdade de Direito de Pernambuco. Ali, Felipe mergulha numa vida boémia e decadente, marcada por festas libertinas e muitos vícios. E o problema é que Felipe não está propriamente livre de relacionamentos amorosos, pois encontra-se noivo da sua prima Lívia, que muito desejou e que espera por si na sua cidade natal. Mas, como dizem, "a carne é fraca" e depressa a distância que separa Felipe da sua noiva Lívia o leva a afastar-se do caminho da retidão, mergulhando numa vida plena de libertinagem. Saberá Lívia das traições de Felipe? Terão que ler o livro.

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul
O que apreciei especialmente é que, numa primeira instância, a história apresenta-se bastante clássica na sua forma, relembrando um típico conto ao género de um autor clássico como Eça de Queiroz, por exemplo, mas é depois na forma como a história se desenrola que o conto assume uma postura mais de terror. Gostei, pois, desta forma de como os acontecimentos escalam de aquilo que parecia um romance ligeiro para uma história pesada de vingança e rancor.

Outra coisa apreciável é que a história tem o dom raro de agarrar o leitor desde os primeiros momentos, não apenas pela ambientação, mas pelo fascínio que gera a queda moral do protagonista. A narrativa de Felipe, marcada por uma devassidão crescente e por decisões cada vez mais impulsivas e egoístas, cria uma tensão constante: queremos saber como - ou se - a sua trajetória encontrará algum tipo de redenção. Em diversos momentos, Felipe até nos faz lembrar a figura de Dorian Gray, de Oscar Wilde, não apenas pelo seu hedonismo, mas pela maneira como o horror parece crescer como sombra das suas escolhas. O ritmo narrativo é envolvente, criando uma tensão crescente entre o real e o sobrenatural, entre o desejo e a destruição.

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul
Do ponto de vista gráfico, os desenhos de Roberta Cirne revelam-se apelativos, com algumas composições impactantes e cenas de forte carga atmosférica. A ilustração de capa é um excelente exemplo do refinamento artístico de que a autora é capaz de atingir. Ainda assim, noutros momentos, também se nota que certas expressões faciais e a linguagem corporal de personagens poderiam beneficiar de um maior aprimoramento anatómico ou emocional, pois nem sempre transmitem com clareza as nuances dramáticas exigidas por algumas cenas. Por vezes, o desenho é belo, noutros casos parece um tanto mais amador. Há, depois, um cuidado visível com a planificação, com as margens a serem decoradas entre as vinhetas, quase como iluminuras góticas, demonstrando uma atenção estética e simbólica que enriquece a experiência de leitura e reforça o caráter histórico da narrativa.

A escolha do preto e branco puro como paleta reforça o tom sombrio da narrativa e remete diretamente à estética do horror clássico. Os contrastes fortes e o uso expressivo das sombras conferem um certo drama às cenas, além de nos remeterem para a técnica da gravura clássica. Nota ainda para as cenas mais simbólicas, como as visões da morte e da deterioração, que são tratadas com um lirismo sombrio  que é bem-vindo.

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul

Em termos de edição, a obra é fiel aos restantes lançamentos da Escorpião Azul, apresentando capa mole baça, com detalhes a verniz, e com badanas. No interior, o livro apresenta bom papel baço, boa encadernação e boa impressão. A margem das páginas é colorida a preto, o que encaixa bem no estilo de livro que temos em mãos e dá mais requinte ao "objeto-livro". 

Há ainda um texto introdutório por parte da própria autora Roberta Cirne e uma página com notas biográficas de Joaquim Carneiro Vilela.

Em síntese, O Esqueleto é uma aposta interessante da editora Escorpião Azul numa obra de fôlego e densidade, que une literatura clássica ao estilo do terror gótico. Além de adaptar para banda desenhada um texto esquecido da literatura brasileira, Roberta Cirne consegue revitalizar a história e impactar o leitor ao longo da sua leitura. Não sendo sempre perfeito, é um livro que me deixou colado à sua leitura, da primeira à última página.


NOTA FINAL (1/10):
7.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul

Ficha técnica
O Esqueleto
Autora: Roberta Cirne
Baseado na obra original de: Joaquim Carneiro Vilela
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 56, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Maio de 2025

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