sexta-feira, 11 de julho de 2025

Análise: O Vento nas Areias - Edição Integral

O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix - Arte de Autor

O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix - Arte de Autor
O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix

A editora Arte de Autor lançou recentemente uma edição integral da série O Vento nas Areias, de Michel Plessix. Este lançamento segue no seguimento do livro O Vento nos Salgueiros que a mesma editora chegou a editar no ano passado e que acabou até por vencer o VINHETA D'OURO 2024 para Melhor Obra Infanto-Juvenil. Se O Vento nos Salgueiros é uma obra constituída por 4 tomos e que adapta para banda desenhada a obra homónima de Kenneth Grahame, este O Vento nas Areias, reúne os 5 tomos da edição original e é uma continuação da primeira história.

Continuação essa que é verdadeiramente encantadora e que, desta vez, é guiada unicamente pela própria imaginação de Michel Plessix, embora se mantenha fiel ao espírito de Kenneth Grahame. É, pois, um livro que consegue manter o charme, humor e a inocência da obra original, ao mesmo tempo que apresenta uma nova e exótica paisagem narrativa: o Magrebe que, com a sua luz quente e os mercados coloridos, surge como palco de uma viagem inesperada e transformadora para as personagens que conhecemos tão bem.

O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix - Arte de Autor
O trio protagonista - o impulsivo Sapo, o ponderado Rato e a amável e comilona Toupeira - continua a apresentar a mesma dinâmica afetiva e cativante. Plessix não tenta reinventar estas figuras, mas antes colocá-las em novos desafios, respeitando os seus traços essenciais. Assim, o Sapo continua a ser a figura caprichosa do entusiasmo irrefletido e motor da aventura que nos faz (sor)rir várias vezes; enquanto o Rato e a Toupeira representam o bom senso e a amizade leal. E ainda há espaço para o aparecimento de novas personagens carismáticas, em particular a de Corto Maltese sob a forma de um rato. A deslocação para o Oriente funciona como uma metáfora do crescimento, da descoberta e do confronto com o inesperado. Se os mais céticos poderiam torcer o nariz a esta ideia de transportar as personagens para um outro cenário, posso assegurar-vos que essa transição é fluida e refletida.

A narrativa pode aparentar ser simples à superfície, como convém a um livro com raízes na literatura infantil, mas a verdade é que oculta uma grande densidade simbólica, possivelmente apenas apreendida por um público mais maduro. É para crianças, sim, mas os jovens e, especialmente, os adultos encontrão significados mais profundos nesta leitura, pois esta viagem não é apenas geográfica, mas interior: cada personagem confronta-se com os seus limites, as suas ilusões e as suas forças. É este aspeto que aproxima este O Vento nas Areias de obras como O Principezinho, de Antoine Saint-Exupéry, onde a aventura é simultaneamente lúdica e filosófica, acessível à infância e ressonante na maturidade. A leitura da obra em diferentes fases da vida traz, por isso, experiências distintas, e nisso reside grande parte da sua magia. Enquanto crianças, seguimos a aventura com entusiasmo e curiosidade; em adultos, revemos nessa mesma aventura reflexões sobre a amizade, a busca pelo sentido da vida e/ou o desejo por algo maior. Esta é, sem dúvida, uma das maiores virtudes do livro: a sua intemporalidade e capacidade de tocar leitores de todas as idades.

O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix - Arte de Autor
A ligação emocional do leitor com a história é intensificada pelo tom nostálgico e sonhador da narrativa. Há algo de profundamente reconfortante em reencontrar estas personagens numa nova aventura, e, ao mesmo tempo, sentir que elas envelhecem connosco. O livro evoca essa infância idealizada em que os perigos eram enfrentados com coragem e as amizades eram inabaláveis. É um tributo à força do espírito aventureiro, mesmo na idade adulta.

Plessix demonstra também uma grande sensibilidade na forma como lida com a memória da obra original. Não se trata de uma continuação forçada ou de uma tentativa de capitalizar uma "marca" conhecida. Pelo contrário, O Vento nas Areias é uma carta de amor à literatura de Grahame, uma extensão natural e orgânica do seu universo, que preserva a sua alma e a enriquece com novas experiências. Sou-vos sincero: embora goste muito do primeiro livro de Plessix, ainda gostei mais deste! E ressalvo que as minhas expectativas até estavam altas - o que, por vezes, é um ponto contra e não um ponto a favor.

O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix - Arte de Autor
Além disso, parece-me que a própria escolha do Magrebe como cenário que parece extraído das Mil e Uma Noites, não é aleatório, mas acaba por funcionar a favor das personagens. É que a mudança de cenário e de cultura consegue funcionar como estímulo à imaginação e à introspeção. O oriente é espaço de um certo maravilhamento para os ocidentais, mas também de algum "estranhamento", o que acaba por ser ideal para que os nossos heróis saiam da sua zona de conforto e se redescubram. 

Se a história é bonita e gratificante, os desenhos que compõem este livro são maravilhosos! E também eles cumprem bem a dupla função de, por um lado, serem convidativos para um público mais jovem e, por outro lado, serem perfeitos para fazer os adultos viajar à sua própria infância. 

O traço de Michel Plessix é, como já era na adaptação de O Vento nos Salgueiros, absolutamente magistral! Os detalhes minuciosos nas expressões das personagens conferem-lhes uma vivacidade rara. Mesmo tratando-se de animais antropomorfizados, sentimos neles uma humanidade plena. Além disso, os cenários do Magrebe são pintados com cores quentes e bastante luz, o que ajuda a transportar o leitor para ambientes cheios de vida, exotismo e poesia.

O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix - Arte de Autor
Também a própria planificação da obra permite uma fluidez narrativa muito eficaz. As vinhetas são variadas em forma e dimensão, o que confere dinamismo às páginas e uma leitura visual muito rica. Não tenho dúvidas de que a composição de cada prancha foi trabalhada com um cuidado que revela o amor que o autor, infelizmente já falecido, tinha pela arte sequencial.

A edição da Arte de Autor é muito bela e bem conseguida, também. O livro apresenta capa dura baça, com detalhes a verniz e com aquela textura aveludada, suave ao toque, com que a editora tem premiado outras das suas belas edições. Também capa é bem mais bonita e, acredito, consensual do que a de O Vento nos Salgueiros. Além disso, o papel utilizado, bem como a qualidade da impressão e da encadernação, é muito bom. Acaba por ser uma edição cheia de dignidade e apetecível para colecionadores de banda desenhada.

Em suma, O Vento nas Areias é uma homenagem sentida e sofisticada a um clássico intemporal, enriquecida pelo talento gráfico e narrativo de Michel Plessix. É uma obra que se recomenda não apenas como continuação, mas como uma obra autónoma. Um livro para ser relido, saboreado e guardado com carinho, como se guarda uma memória feliz da infância ou uma fotografia de um tempo mais leve e sonhador. Quer sejamos crianças a lembrar o dia de ontem ou adultos nostálgicos com uma infância feliz e distante que não deixámos morrer.


NOTA FINAL (1/10):
9.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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O Vento nas Areias - Edição Integral, de Michel Plessix - Arte de Autor

Ficha técnica
O Vento nas Areias - Edição Integral
Autor: Michel Plessix
Editora: Arte de Autor
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 236 x 285 mm
Lançamento: Junho de 2025

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