Se há coisas que gosto que me aconteçam... é que a banda desenhada me surpreenda. Que haja um livro que, sem que eu esteja à espera, me impressione pela positiva. Por vezes, os livros são bons mas, verdade seja dita, já estamos à espera que o sejam. Infelizmente, também acontece o contrário noutras vezes: estamos à espera que um livro seja bom e depois vamos a lê-lo e ficamos desapontados. Ora, deste Para Sempre, dos autores italianos Assia Petricelli e Sergio Riccardi, que a editora Fábula - uma chancela do grupo Penguin - editou recentemente, eu confesso-vos que pouco ou nada sabia. Não estava, por isso, à espera de nada... nem que fosse bom, nem que fosse mau. E é com satisfação que vos digo que foi uma agradável surpresa. Foi mais do que isso, na verdade... foi uma das maiores surpresas do ano... pelo menos, para já!
Para Sempre é uma BD que capta com delicadeza e autenticidade o espírito da adolescência e a intensidade das primeiras paixões. Ambientado numa estância balnear, o livro apresenta a história de Viola, uma jovem que, durante as férias numa povoação costeira, conhece Ireneo que, à primeira vista, até parece ser alguém que não vai agradar a Viola por ser local daquela zona, pouco amigável e muito reservado. Mas a ligação que ambos estabelecem revela-se mais forte do que aquilo que ambos poderiam antever.
A relação entre Viola e Ireneo acaba por ser o tema central da obra, embora a mesma aborde outras questões, bem-vindas, como a forma como os jovens passam as férias com os pais, com quem a relação nem sempre é tão direta ou transparente como o desejável. É aquela altura da vida em que já não se é criança, mas também não se é verdadeiramente adulto e, por isso, as doses de incerteza e desconforto sucedem-se umas às outras, em catadupa.
Viola terá que enfrentar um conflito com os seus pais, em especial com a sua mãe, que desaprovam o seu relacionamento com Ireneo, o que faz com que a história, que até tem um lado mais contemplativo, fique mais rica devido a esta tensão emocional que a protagonista terá que experienciar.
Em contraste, a suposta “relação perfeita” da sua amiga com um suposto namorado perfeito revela-se, afinal, tóxica, trazendo à tona uma certa preocupação com os assuntos dos nossos dias, embora esta subnarrativa não roube - felizmente - demasiado espaço à história principal.
Apesar da sua leveza e da estética estival, a narrativa aborda questões sérias e relevantes para os tempos modernos. Entre os temas centrais estão a liberdade emocional, a descoberta pessoal e os perigos das relações abusivas. A obra é particularmente eficaz ao colocar estas questões no centro da experiência juvenil sem moralismos nem dramatizações excessivas, tornando-se assim extremamente pertinente para os jovens leitores de hoje - e uma ferramenta útil para fomentar conversas importantes entre pais e filhos. Com efeito, embora o livro seja - e bem, claro - apontado para um público juvenil, também considero uma leitura muito aconselhável para os adultos que são pais e que, muitas vezes, se esquecem que também já foram jovens, acabando por desvalorizar a vivência dos adolescentes e jovens adultos.
Para Sempre é uma história íntima e complexa que, ainda assim, não perde o seu apelo visual e emocional. É uma leitura que se faz com leveza, mas que deixa marca, principalmente porque se vê ali representada a experiência universal da descoberta do amor - com as suas maravilhas e as suas dores. É acessível, esteticamente apelativa, emocionalmente cativante e, sobretudo, atual. Além disso, consegue essa dupla função de cativar os leitores mais novos pela sua linguagem direta e ritmo fluido, ao mesmo tempo que seduz os mais velhos com a sua carga nostálgica e maturidade narrativa.
Nesse sentido, o uso de referências musicais por parte dos autores acrescenta uma camada de familiaridade e identificação à narrativa... não tanto por parte dos leitores mais novos... mas sim pelos leitores mais velhos. Para quem cresceu nos anos 90 - como é o meu caso - as músicas mencionadas funcionam quase como uma banda sonora afetiva, despertando memórias de outros verões e de outras paixões. Esta ponte geracional reforça, pois, a ideia de que o livro não é apenas para os jovens da atualidade - caso contrário a banda sonora utilizada não incluiria músicas de Shaggy, Blur, Green Day, Fools Garden, Ace of Bace, Whigfield ou dos italianos 883. E esta vertente torna o livro ainda mais valioso para os mais velhos que leiam a obra.
As ilustrações de Sergio Riccardi são outro dos pontos fortes do livro. Os desenhos são expressivos e modernos, cheios de movimento e emoção, e as cores - predominantemente soalheiras e quentes - evocam perfeitamente a luz do verão, reforçando o tom nostálgico e doce da narrativa. É uma estética que funciona muito bem e que me agradou especialmente.
Em termos de edição, o livro apresenta capa mole com badanas, bom papel baço no miolo e boa encadernação e impressão. Sendo um adepto de capas duras, reconheço que este é o tipo de livro em que a capa mole é mais bem-vinda pois, dada a portabilidade de uma obra que saberá bem ler durante as férias, o menor peso do livro e a flexibilidade alcançada por esta opção mais maleável, torna-se mais adequada.
Resumindo, Para Sempre destaca-se pela forma como toca o coração do leitor com uma história simples, honesta e bela. É, sem dúvida, um sério candidato a melhor banda desenhada infanto-juvenil do ano - uma leitura ideal para as férias, para o verão, e para todos os que já viveram (ou sonham viver) um amor para sempre. Mesmo que a perpetuidade desse amor tenha apenas reflexo no conjunto de memórias que guardamos durante toda uma vida.
NOTA FINAL (1/10):
8.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Para Sempre
Autores: Assia Petricelli e Sergio Riccardi
Editora: Fábula
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa mole com badanas
Formato: 168 x 240 mm
Lançamento: Junho de 2025
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