Hoje trago-vos aquela que, na minha opinião, foi a melhor banda desenhada lançada pela editora A Seita nos últimos cinco anos!
Recordo que esta iniciativa surge pela comemoração dos 5 anos do Vinheta 2020, que me fez olhar um pouco para trás e ver a enorme quantidade de excelente banda desenhada que por cá foi publicada durante um período bastante pequeno de cinco anos.
Tendo em conta o enorme sucesso que estes artigos estão a ter aqui no blog, já tendo eu feito artigos dedicados à Ala dos Livros e à Arte de Autor, prometo fazer o mesmo tipo de artigo para a melhor banda desenhada editada por cada uma das principais editoras portuguesas de banda desenhada durante o mês de agosto. Mesmo que, pelo meio, haja uma certa quebra devido às minhas férias que se avizinham.
Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".
Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.
Chamo a atenção para o facto de eu considerar que fará sentido fazer um TOP dedicado aos lançamentos que A Seita fez em conjunto com a Arte de Autor. Mas isso ficará para outro dia. Como tal, as obras lançadas em conjunto pelas duas editoras não foram tidas em conta para este TOP. Também a Comic Heart merecerá um artigo isolado.
Bem, sem mais delongas, deixo-vos a melhor BD lançada em exclusivo pel' A Seita.
TOP 10 - A Melhor BD lançada pel' A Seita entre 2020 e 2025
10. Gannibal
Autor: Masaaki Ninomiya
Lançamento do último álbum: Fevereiro de 2025
A história de Gannibal desenrola-se numa aldeia remota do Japão, chamada Kuge, e acompanha Daigo Agawa, um jovem polícia que foi transferido para esta comunidade isolada após ter acontecido um incidente traumático na localidade. Mas logo que Agawa chega ao local, começa a desconfiar que algo de sinistro se esconde por detrás da suposta fachada pacata da região. O tema da obra é o canibalismo que parece estar a ser praticado por alguns dos habitantes da aldeia.
É um mangá que me agrada especialmente pela inquietude que causa no leitor. A atmosfera deixa-nos sempre tensos, estando sistematicamente na constante instância de nos horrorizar. O autor Ninomiya é especialmente bem sucedido em deixar a história em suspenso sem com isso a deixar entediante. Embora o estilo de ilustração do autor possa parecer algo diferente daquele desenho mais clássico e "limpinho" que encontramos muitas vezes no mangá, acaba por ser bastante agradável, encaixando bem na tensão que a história sugere. Mesmo tendo algum receio que o interesse de Gannibal se extinga a ele mesmo por um clima de tensão que sugere muito e revela pouco, esta é uma obra poderosa para quem aprecia thrillers psicológicos e que, por agora, me está a agradar bastante!
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Álbuns de Gannibal já publicados pel' A Seita. |
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9. Nevada
Autores: Fred Duval, Jean-Pierre Pécau e Colin Wilson
Lançamento do último álbum: Setembro de 2022
À primeira vista e olhando para o género principal com que a obra é classificada - o western - pode parecer apenas "mais um western". Mas considero algo redutor olharmos para Nevada e considerarmos a obra apenas como western. Isto porque a ação também se desenrola em ambientes citadinos bem arredados das clássicas planícies áridas da América do Norte, como Hollywood. Essa terra onde o cinema cresce de forma efervescente. Sim, há saloons, há cavalos, há chapéus de cowboy, bem como uma trama e uma ação com tiroteios, que são clássicos nas histórias de cowboys. Mas também há um herói solitário numa mota, as tramas e as tramóias da indústria cinematográfica norte-americana e o glamour das festas noturnas na cidade das estrelas.
“Hmmm… isso não será miscelânea a mais?”, questionarão os mais céticos. Posso dizer que não. Considero que há um bom equilíbrio entre as partes aqui presentes. Aliás, até diria que será esse o grande factor distintivo e, ao mesmo tempo, familiar, de Nevada. E pode até, no limite, ser uma série que convida leitores não habituais de western a uma ligeira mas interessante entrada nesse universo. Bem como, em sentido oposto, também convida o leitor do western clássico a deixar espairecer um pouco a sua leitura habitual. Mesmo que o segundo tomo fique alguns furos abaixo do primeiro volume da série, continua a ser muito recomendável para todos os que apreciam estes dois géneros de aventuras.
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Nevada já publicados pel' A Seita. |
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8. Macbeth - Rei da Escócia
Autores: Thomas Day e Guillaume Sorel
Lançamento: Março de 2023
Macbeth – Rei da Escócia apresenta ilustrações verdadeiramente espetaculares que vão tirar o fôlego ao leitor! O trabalho de Sorel é majestoso. Por seu lado, Thomas Day adapta com bastante liberdade a obra original de Shakespeare, sem que isso diminua o cariz trágico-poético da mesma.
Os eventos mais relevantes da trama original arquitetada por Shakespeare estão cá todos, mas, nesta adaptação para banda desenhada, a esposa do protagonista, Lady Macbeth, assume um papel muito mais ativo e influente. Aliás, a personagem acaba por ser, a meu ver, a verdadeira protagonista da história, já que é através das suas ações, diretas ou indiretas, que o enredo vai sendo moldado.
Sem desprimor para Thomas Day, que tem bastantes méritos, é Sorel a estrela deste livro. Os seus desenhos apresentam um realismo impressionante, com o estilo do desenho do autor a assentar que nem uma luva no tom trágico da história. A maneira como desenha os cenários, as cenas de batalhas sangrentas, as cenas mais eróticas ou nas cenas mais esotérico-poéticas, chega perto da perfeição.
E a maneira como as cores são aplicadas em aguarela é outra masterclass de virtuosismo técnico e inspiração no máximo. Há muitas vinhetas que parecem quadros que poderiam figurar num museu. Os efeitos de luz e sombra, que tanto condicionam as demais cores, são absolutamente impressionantes. A própria planificação da obra, que é bastante dinâmica, com vinhetas de todas as formas e tamanhos possíveis, contribui ainda mais para um trabalho de excelência.
Análise completa a esta obra, aqui.
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7. Thorgal
Autores: Yann e Vignaux e Robin Recht
Lançamento do último álbum: Setembro de 2024
Já não lia Thorgal há muitos anos e a recente aposta d' A Seita nesta série, anteriormente publicada em Portugal - embora um pouco aos tropeções -, foi uma ótima oportunidade para mergulhar novamente neste universo fantástico de aventuras. Com um argumento sólido e desenhos de cortar a respiração, de tão belos que são, esta é uma boa aposta da editora, ainda que, lamentavelmente, apenas tenham sido lançados três volumes num longo espaço temporal: dois álbuns da série principal canónica e um Thorgal de autor, independente da série principal.
Quer o trabalho de ilustração de Fred Vignaux, quer o de Robin Recht, é, cada um à sua maneira, verdadeiramente belíssimo, ao nível das personagens, das suas expressões, das cenas de ação, dos ambientes, das paisagens e tudo mais. E, ao mesmo tempo, conseguem assegurar duas coisas, nem sempre fáceis de alcançar: por um lado, ambos os autores conseguem uma relação de continuidade com o trabalho anterior de Rosinski e, por outro lado, também conseguem inovar, tornando o aspeto visual da obra em algo mais contemporâneo. Aprecio especialmente o trabalho de Vignaux nas ilustrações desta série.
Não só os livros da série principal assinados por Yann e Vignaux me agradaram muito, como o mais recente Thorgal - Adeus Aaricia se revelou um belo livro que oferece uma exploração profunda do luto, do amor e das escolhas que definem a nossa existência. Mesmo situado fora da continuidade principal da série, este é um livro que acaba por enriquecer o universo de Thorgal, proporcionando aos fãs uma perspectiva renovada sobre a icónica personagem e o seu legado.
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Thorgal já publicados pel' A Seita. |
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6. Pele de Homem
Autores: Zanzim e Hubert
Lançamento: Junho de 2022
Situada no período renascentista, Pele de Homem conta-nos a história de Bianca, uma jovem italiana que foi prometida a Giovanni, num casamento arranjado entre as famílias de ambos. Mas Bianca começa por levantar uma questão comum, mas completamente legítima, que é a seguinte: “não deveriam as pessoas conhecer-se primeiro, antes de se casarem?”. Se esta questão terá já sido muitas vezes trazida para a mesa das reflexões da humanidade, surge-nos, pela mente do argumentista Hubert, uma possibilidade verdadeiramente original para tentar ajudar a protagonista Bianca na obtenção da sua resposta. É que, há um poderoso segredo na família da jovem: as mulheres da sua família detêm na sua posse uma pele de homem, chamada Lorenzo, que, quando vestida, transforma a mulher que a veste num homem, sem que ninguém descubra de que se trata de uma mulher que está por debaixo daquele corpo. No fundo, é como se fosse um fato completo que, depois de vestido, faz a mulher ser um verdadeiro homem. A premissa é verdadeiramente cativante neste livro que conquistou leitores e crítica em todo o mundo!
As ilustrações de Zanzim oferecem-nos um trabalho delicado e belo, que casa muito bem com a história que nos é dada. O estilo é bastante simplista e naïf, com o traço expressivo e caricatural do autor a presentear-nos com personagens que me fizeram lembrar o estilo de autores como Christophe Blain ou Joann Sfar. Merece um destaque a bela forma, graficamente simples, mas muito bem conseguida, com que o autor divide o mesmo espaço cénico, normalmente utilizando perspetivas isométricas, para colocar as mesmas personagens em momentos diferentes, dando-nos uma noção de movimento bem conseguida.
É um belo livro que vale a pena conhecer. A premissa é verdadeiramente original e o tema não podia ser mais atual.
Análise completa a esta obra, aqui.
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5. Em Busca do Tintin Perdido
Autor: Ricardo Leite
Lançamento: Maio de 2023
Aquilo que Ricardo Leite nos oferece Em Busca do Tintin Perdido, cujo título deriva do clássico Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, é uma viagem autobiográfica onde o amor pela banda desenhada se revela como tendo estado sempre presente na vida de Ricardo Leite. Até mesmo quando, algures na vida adulta do autor, pode ter parecido que a banda desenhada era uma coisa do passado. Da infância e da juventude.
Em Busca do Tintin Perdido está para a banda desenhada como o filme Cinema Paraíso, de Giuseppe Tornatore, está para o cinema! É uma autêntica homenagem e carta de amor à banda desenhada que, sendo sobre a vida pessoal de Ricardo Leite, ecoa e reflete-se em todos aqueles que amam a 9ª Arte.
Acho difícil que um (verdadeiro) amante de banda desenhada não se relacione, pelo menos em parte, com este livro.
Obrigatório para todos os fãs de banda desenhada. É especialmente a eles que este livro se destina!
Análise completa a esta obra, aqui.
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4. Dylan Dog
Autores: Alberto Ostini, Francesco Ripoli, Paola Barbato, Bruno Brindisi, Tiziano Sclavi, Giampiero Casertano, Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera, Gigi Cavenago, Giulio Antonio Gualtieri, Daniele Bigliardo, Mauro Boselli, Bruno Brindisi, Sclavi, Ambrosini e vários outros autores
Lançamento do último álbum: Março de 2025
Dylan Dog é uma série que muito me agrada, pois parece-me diferente das demais bandas desenhadas, destacando-se pela sua impressionante carga poética e pela originalidade narrativa. Ao contrário de muitas obras do género, que seguem fórmulas previsíveis, Dylan Dog mergulha com coragem em temas existenciais, oníricos e filosóficos, misturando o tema do terror com a introspecção e a melancolia.
Naturalmente, com toda esta originalidade e tantos autores a trabalharem na franquia, é certo que a qualidade das histórias também pode ser maior ou menor. Mas uma coisa é certa: tal como na caixa de chocolates de Forrest Gump nunca sabemos o que vamos encontrar naquilo que nos calha, também em Dylan Dog essa sensação acontece, pois nunca sabemos para onde vamos ser transportados. Uma das maiores virtudes da série é, pois, a sua grande imprevisibilidade. Nunca se sabe ao certo o que esperar de cada volume: fantasmas, pesadelos, crimes bizarros, amores perdidos ou mesmo dilemas metafísicos. Essa variedade mantém a leitura sempre fresca e instigante, mesmo quando algumas histórias não alcançam o mesmo nível de impacto que outras. E isso é algo que me agrada em Dylan Dog: A surpresa que cada livro traz consigo, que acaba por funcionar como uma viagem emocional e estética, cheia de simbolismo e reflexões sobre a condição humana.
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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3. Lucky Luke Visto Por...
Autores: Matthieu Bonhomme, Ralf König, Guillaume Bouzard, Mawil e Blutch
Lançamento do último álbum: Setembro de 2024
Uma das séries mais relevantes da editora A Seita tem sido esta Lucky Luke Visto Por que procura ser uma celebração criativa e bem-sucedida do lendário cowboy solitário criado por Morris. Tem sido um conjunto de obras diversificado, surpreendente e, por vezes, ousado. Cada volume traz uma nova abordagem estética e narrativa, o que acaba por revitalizar a figura icónica de Lucky Luke, apresentando-o a novas gerações sem perder o respeito pelo material original.
Naturalmente, e tal como referido mais acima em relação a Dylan Dog, nem todos os álbuns desta coleção se destacam com a mesma força, o que é compreensível, dada a diversidade de estilos e sensibilidades entre os autores convidados. Ainda assim, o projeto como um todo mantém um nível qualitativo bastante interessante.
E, claro, os dois volumes assinados por Matthieu Bonhomme, O Homem que Matou Lucky Luke e Procura-se Lucky Luke são, sem dúvida, os grandes destaques desta série. Com uma abordagem mais madura e cinematográfica, Bonhomme eleva a fasquia da homenagem a um novo patamar, oferecendo histórias envolventes, visualmente deslumbrantes e profundamente respeitosas pelo legado de Morris, sem nunca cair na mera imitação.
Confesso-vos que, quanto a mim, só essas duas obras de Bonhomme já seriam razão suficiente para justificar a presença desta coleção no meu TOP. No entanto, seria injusto não reconhecer outras boas propostas dentro da série, que também merecem ser lidas e apreciadas. A riqueza deste projeto está precisamente nessa pluralidade de olhares, que transformam Lucky Luke numa figura ainda mais complexa e fascinante.
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Lucky Luke Visto Por... já publicados pel' A Seita. A editora prepara-se para editar um novo volume ainda em 2025. |
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2. Drácula / Frankenstein / O Corcunda de Notre Dame
Autor: Georges Bess
Lançamento do último álbum: Maio de 2025
Coloco estes três livros na mesma posição por um motivo simples: todos eles resultam de adaptações de clássicos da literatura mundial que nos são dadas pelo brilhantismo de Georges Bess.
Tratando-se de adaptações, o pressuposto principal na análise a estas obras é que as mesmas consigam ser fieis aos textos originais e que, em termos visuais, consigam impressionar. E em cada uma dessas duas valências, e falando quer de Drácula, Frankenstein ou O Corcunda de Notre Dame, Georges Bess nos oferece um trabalho extraordinário!
O autor utiliza um fino traço a preto e branco eloquente que nos mergulha de forma magnífica nos ambientes sombrios de cada uma destas três histórias. E, como nas verdadeiras obras-primas, aqui não parecem existir coisas feitas à pressa ou sem uma razão de ser. E é por isso que em cada página parece existir uma dupla-intenção do autor na forma como dispõe as personagens, como planifica determinada página ou nas mais variadas soluções narrativas gráficas que esgrime orgulhosamente enquanto nos vai surpreendendo de página a página. A força gráfica destes livros é tamanha que, às tantas, até parece demasiada!
O autor parece ter encontrado a sua melhor forma de desenho, explorando todas as valências que o estilo a preto e branco permite e entregando-nos três obras de primeira linha, marcadas por uma estética requintada e uma fidelidade intransigente aos respetivos textos de origem. Obrigatório!
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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São estas as três adaptações de Georges Bess editadas pel' A Seita. |
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1. A Fera: Uma História do Verdadeiro Marsupilami
Autores: Zidrou e Frank Pé
Lançamento: Setembro de 2021
A premissa deste livro é reimaginar a origem de Marsupilami, a célebre personagem da banda desenhada criada por André Franquin, que apareceu originalmente nas histórias de Spirou e Fantásio. Mas, em vez de partir para uma abordagem a la Franquin, os autores optam por uma história pesada, adulta e muito mais próxima do drama do que da comédia.
A história é verdadeiramente impactante, com Zidrou a apresentar-se muito inspirado. E além desse bom argumento, temos um desenho de Frank Pé que, dificilmente, deixará alguém indiferente. O autor é dono de um traço franco-belga, que sabe ser hiper-realista na caracterização de cenários, ambientes e animais e, ao mesmo tempo, algo rebelde pela forma caricatural como caracteriza as personagens. O melhor que a escola franco-belga nos pode oferecer, portanto!
A Seita acertou em cheio nesta obra de qualidade superior. Argumento bem construído, personagens marcantes, narrativa cinematográfica e ilustrações de deixar água na boca. Considero ser o melhor livro de todo o catálogo da editora portuguesa. Que venha o segundo tomo, tão depressa quanto possível, que está anunciado para as próximas semanas!
Análise completa a esta obra, aqui.
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