"Uma banda desenhada sobre árvores? Mas que grande seca!", poderão dizer alguns dos que me leem. Pois bem, permitam-me convidar-vos a porem de lado esse preconceito e, se o fizerem, talvez venham a ser surpreendidos por este belo livro que a Bertrand acaba de publicar.
Chama-se A Vida Secreta das Árvores - Novela Gráfica e resulta da adaptação para banda desenhada dos autores Fred Bernard e Benjamin Flao, a partir da obra original com o mesmo nome de Peter Wohlleben.
Esta é uma obra que surpreende pelo equilíbrio entre conteúdo informativo, apelo visual e sensibilidade ecológica. A narrativa baseia-se na experiência de vida de Wohlleben como silvicultor e no seu profundo conhecimento das florestas, aliando a ciência à emoção e o saber técnico à admiração pela natureza. Através da linguagem (mais) acessível da banda desenhada, este é um livro com o potencial de poder ser uma porta de entrada ideal para quem procura compreender melhor o funcionamento das árvores e das florestas, sem perder o encanto de uma leitura envolvente. Por outro lado, e como sucede neste tipo de livros que podem chegar a um público mais alargado, é inversamente um convite àqueles que não leem banda desenhada para que entrem no universo da 9ª arte.
A história começa por nos apresentar o próprio Peter Wohlleben, figura central da narrativa, e diria que a narrativa do livro aparece dividida em três grandes vertentes.
A primeira dessas vertentes é o cunho biográfico deste trabalho, traçando a jornada do autor desde a sua infância, quando já revelava uma forte ligação com o mundo natural, até à sua carreira como silvicultor. Este percurso pessoal não só humaniza o conhecimento transmitido, como também torna mais credível e empático o discurso científico que se segue. A forma como Wohlleben é desenhado e apresentado contribui para criar uma ligação emocional entre leitor e narrador, reforçando a mensagem ecológica do livro. É uma parte que funciona especialmente bem por humanizar o livro e fazer com que o mesmo não seja apenas um livro de teor mais técnico.
A segunda grande característica da narrativa é, naturalmente, o foco nos verdadeiros protagonistas da história: as árvores. Os autores convidam-nos a mergulhar num universo pouco conhecido e absolutamente fascinante. Descobrimos que as árvores comunicam entre si, que cuidam das suas árvores vizinhas, e que possuem memória e reagem a estímulos do ambiente de formas surpreendentes. A obra apresenta estas informações com leveza e maravilhamento, quase como se estivéssemos a entrar num mundo encantado, mas sustentado por dados científicos e pela observação de décadas do autor.
E esta parte informativa é, talvez, a mais cativante do livro. A capacidade de Fred Bernard em adaptar os conceitos científicos de forma clara e envolvente, aliada aos desenhos expressivos de Benjamin Flao, torna o conhecimento acessível sem o simplificar em excesso. É aqui que o livro brilha mais intensamente, pois combina informação relevante com uma estética visual que eleva a experiência de leitura. As ilustrações, em aguarela, acompanham perfeitamente o tom da narrativa, ora realistas, ora poéticas, criando uma harmonia entre texto e imagem rara neste tipo de obras.
A terceira vertente da obra, porém, é que seria quanto a mim mais escusada. Assenta num mergulho mais profundo em questões mais técnicas. Será um seguimento por ventura natural da segunda vertente da história que menciono mais acima, mas com a diferença de que as informações são ainda mais técnicas o que, diria, talvez o sejam em excesso. Refiro-me a várias partes da obra em que nos são dadas verdadeiras fichas técnicas de micróbios, flores, cogumelos, árvores, etc, que depois são acompanhadas pelos respetivos nomes científicos. Esta secção lembra por vezes um manual escolar, com desenhos detalhados de folhas, flores, animais e sistemas de raízes. Para alguns leitores, este momento pode parecer mais denso e até algo expositivo em demasia. Compreendo que esta parte reforça a seriedade da proposta do livro, com o mesmo a poder ser mais do que uma leitura de entretenimento. E isso não tem nada de mal, antes pelo contrário, mas é um pouco contraditório se tivermos em linha de conta que o público para uma obra deste tipo será um público menos esclarecido no tema e que procura uma porta de entrada generalista no assunto. Contudo, também tenho que referir que apesar do tom mais técnico, os autores conseguem manter o esforço visual e estético que define a obra, mesmo nesta parte, o que ajuda a suavizar a complexidade.
E para isso, conta muito o belíssimo trabalho de Benjamin Flao, que merece especial destaque. A sua arte é de uma delicadeza notável, conseguindo representar a diversidade e a beleza das florestas sem se tornar repetitiva, o que até seria, à partida, um risco natural num livro cujo tema central são as árvores. As aguarelas trazem um certo lirismo à narrativa, elevando a leitura de uma simples transmissão de conhecimento para uma verdadeira experiência sensorial. Em muitos momentos, os desenhos falam por si, dispensando palavras. São desenhos absolutamente bonitos, com um traço que ora se revela "cartoonesco" para a caracterização das personagens, ora se revela mais realista para os cenários naturais ou criados pelo Homem. Reconheço que fiquei fã de Benjamin Flao, de quem não conhecia o trabalho.
Quanto à edição da obra, o livro apresenta capa baça e mole, com badanas e um ligeiro brilho no título. No miolo, o papel é baço e de boa qualidade, tal como também assim o é a encadernação e a impressão. Talvez o formato pudesse ser um pouco maios, para melhor absorvermos os belos desenhos de Benjamin Flao.
Mesmo assim, é com satisfação que vejo a Bertrand, uma das maiores editoras nacionais, a apostar numa obra de banda desenhada, pois não é algo que, lamentavelmente, o faça muitas vezes. Bem sei que esta aposta advém do simples e direto facto da editora já ter no seu catálogo os livros em prosa de Peter Wohlleben e, portanto, o lançamento desta novela gráfica é apenas um lançamento natural e complementar. Não representará, pois, uma aposta especialmente séria da editora em banda desenhada. Mesmo assim, é sempre positivo, claro, e faço votos para que a Bertrand não se quede por estes lançamentos solitários de banda desenhada.
No panorama das bandas desenhadas didáticas, este A Vida Secreta das Árvores posiciona-se, pois, como uma obra de referência. É uma leitura informativa, mas também profundamente tocante, que consegue despertar uma nova consciência ecológica no leitor. A comparação com obras de excelência deste tipo como Sapiens ou O Mundo Sem Fim, é ajustada, pois também aqui se dá uma fusão bem conseguida entre ciência, arte e narrativa.
E, mais importante que tudo, a leitura deste livro provoca uma mudança de olhar sobre a floresta e sobre o nosso papel enquanto seres humanos no planeta. Deixa-nos a sensação de que vivemos ao lado de um mundo vivo, complexo e interconectado que, durante demasiado tempo, ignorámos ou reduzimos a um mero recurso económico. Ao mostrar que as árvores têm vida interior, o livro obriga-nos a repensar profundamente a nossa relação com o ambiente. E atenção que esta tomada de consciência não é à custa de demasiados lirismos romanceados que nos sugerem abraçar árvores, mas antes a compreender o seu papel insubstituível para as nossas vidas. Notável feito, portanto!
O saldo final é extremamente positivo. Trata-se de uma obra bem pensada, bem executada e, acima de tudo, necessária num tempo de urgência ecológica. A Vida Secreta das Árvores – Novela Gráfica é uma leitura obrigatória para quem se interessa por natureza, ciência ou simplesmente quer ver o mundo com outros olhos. Com um equilíbrio admirável entre conteúdo e forma, é um livro que educa, encanta e transforma.
NOTA FINAL (1/10):
8.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Vida Secreta das Árvores - Novela Gráfica
Autores: Fred Bernard e Benjamin Flao
Adaptado a partir da história original de: Peter Wohlleben
Editora: Bertrand
Páginas: 240, a cores
Encadernação: Capa mole, com badanas
Formato: 162 x 241 mm
Lançamento: Julho de 2025
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