sexta-feira, 25 de julho de 2025

Análise: Fouché - O Génio Tenebroso

Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim - Levoir

Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim - Levoir
Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim

Entre as obras de banda desenhada mais recentes editadas pela Levoir, figura este Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim, o autor espanhol com quem pude conversar recentemente, também responsável por obras muito relevantes lançadas pela mesma editora na sua Coleção de Novelas Gráficas, como A Arte de Voar, A Asa Quebrada ou Neve nos Bolsos. Todos estes livros, sem exceção, foram muito do meu agrado e, portanto, estava muito desejoso em mergulhar nesta nova leitura.

Fouché - O Génio Tenebroso é uma adaptação para banda desenhada da célebre biografia escrita por Stefan Zweig sobre Joseph Fouché, uma figura obscura, mas fascinante da história política francesa. Volta a ser um trabalho histórico de Kim mas, contrariamente aos outros três livros já supramencionados, é a primeira vez em que o autor espanhol adapta para banda desenhada uma obra já existente - relembro que no caso dos livros A Arte de Voar e A Asa Quebrada (com argumento da autoria de Antonio Altarriba) e em Neve nos Bolsos (com argumento de Kim) os respetivos argumentos foram diretamente pensados para o formato da banda desenhada.

Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim - Levoir
Neste caso, recuamos cronologicamente para o período vivido entre a Revolução Francesa e o Império Napoleónico, em que Fouché teve um papel preponderante, estando sempre na sombra do poder, mas nunca longe dele.

A obra mergulha no percurso de Fouché, desde o seu início como um pacato e tímido professor de física e matemática no seminário, até à sua ascensão a mestre da intriga e da manipulação política, enquanto uma das mais influentes e ricas pessoas de França e do mundo. O próprio autor da obra original, Stefan Zweig, apelidou-o de “Maquiavel da era moderna”, e Kim não foge a essa caracterização, traçando um retrato sombrio mas fascinante de um homem cuja lealdade oscilava com as marés do poder. Fouché sobreviveu à guilhotina, a Robespierre, a Napoleão e à Restauração, sempre adaptando-se e posicionando-se de forma cirúrgica. E é esse instinto de sobrevivência e sede de influência que está no centro desta narrativa gráfica.

E não há dúvidas de que Kim consegue captar bem a natureza calculista e amorfa de Fouché, mostrando-o como um verdadeiro camaleão político, sempre do lado dos vencedores, embora mostrando-se igualmente como alguém detestável, cínico, pragmático e desprovido de ideologia. Sem caráter, portanto. E isso será o ponto forte da obra, pois torna-se claro que Kim não tenta redimir Fouché - embora também não tente pintá-lo como vilão absoluto. Antes, apresenta-o como o que foi: um animal político, especialista em sobreviver e prosperar num tempo de caos e violência. É esta abordagem direta, quase clínica, que confere densidade ao retrato psicológico do protagonista.

Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim - Levoir
No entanto, essa riqueza de conteúdo transforma-se também no principal problema da obra, com a mesma a estar sobrecarregada de informação, com legendas extensas e balões densos, que tornam a leitura pesada e algo arrastada. São vários os casos em que o texto é tanto que a legenda textual ocupa praticamente o mesmo espaço na página do que o próprio desenho. Kim opta por uma fidelidade quase absoluta ao texto de Zweig, o que se revela contraproducente. Até porque, convém relembrar, muitos dos acontecimentos na vida de Fouché foram cíclicos e repetitivos, o que, numa adaptação para banda desenhada, poderia ter sido explorado de uma forma mais sintetizada. Não havia necessidade de ser tão fiel e de ter tanta informação, diria, pois essa sobrecarga textual acaba por tornar a leitura por vezes cansativa, aproximando-se mais de um ensaio ilustrado do que de uma banda desenhada fluida. Acredito que uma maior liberdade na adaptação poderia ter gerado uma narrativa mais dinâmica, sem necessariamente perder a profundidade ou o rigor histórico.

Reconheço que para o leitor interessado em política, história ou psicologia do poder, este Fouché – O Génio Tenebroso é um prato cheio. Mas para quem procura uma leitura leve, envolvente e visualmente variada, esta obra pode parecer mais um esforço do que um prazer. É, sem dúvida, um trabalho sério e bem-intencionado, mas que peca por excesso de zelo na adaptação do texto original, comprometendo o equilíbrio entre narrativa e imagem, essencial na linguagem da banda desenhada.

Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim - Levoir
A nível gráfico, o estilo é clássico, com um traço limpo e bem documentado. Bem em linha com aquilo que o autor já nos habituou, mas com a diferença de, neste caso, se tratar de uma obra a cores. As indumentárias, penteados, ambientes políticos e meios de transporte são cuidadosamente reproduzidos, revelando o trabalho de investigação de Kim. Gostei especialmente de algumas ilustrações do ambiente de rua ou cenas bélicas. 

No entanto, visualmente, a banda desenhada sofre do mesmo problema que o texto: uma certa repetição. Muitas cenas decorrem em assembleias, salas de reuniões e espaços institucionais, o que, aliado à densidade textual, cria uma sensação de monotonia visual. Como, exceptuando algumas cenas de guerra mais genéricas, não há propriamente muita "ação" ou eventos diferentes, acaba por haver esta redundância visual.

Seja como for, e olhando para a "full picture", é importante reconhecer o mérito informativo do livro. Fouché é uma figura pouco abordada no ensino formal e até na cultura popular, e Kim presta um serviço relevante ao dar-lhe protagonismo. O próprio Kim revelou-me em conversa que, embora Fouché seja uma personalidade que todos os franceses conhecem, o mesmo não se passa com os espanhóis que pouco ou nada sabiam sobre o político francês. E acredito - ou melhor, tenho a certeza - que a grande maioria dos portugueses, amantes ou não de banda desenhada, também não conhecem Fouché. E, por esse motivo, a publicação desta obra ganha força, com a mesma a poder funcionar quase como uma aula de história detalhada, permitindo ao leitor conhecer os meandros de uma personagem decisiva nos bastidores de uma das épocas mais turbulentas da história europeia.

Quanto à edição, o livro apresenta as características comuns aos livros que a Levoir tem lançado na sua Coleção de Novelas Gráficas, mesmo sendo este um livro lançado de forma isolada. Ou seja, mantém a lombada a preto e a designação de "novela gráfica" numa tira a preto, na capa e apresenta capa dura baça, bom papel baço e um bom trabalho a nível de impressão e encadernação.

Em resumo, Fouché – O Génio Tenebroso é uma obra que se destaca pelo seu conteúdo informativo e pelo seu rigor histórico, mas que tropeça no excesso de texto e na falta de dinamismo visual. Tendo em conta a natureza cínica e maquiavélica da personagem real que aqui é retratada, esta obra poderia ter sido um marco no género da banda desenhada histórica se tivesse ousado mais na adaptação. Mesmo assim, também deve ser reconhecido que é um contributo válido, e, para muitos, a primeira (e talvez única) oportunidade de conhecer o “génio tenebroso” que foi Joseph Fouché.


NOTA FINAL (1/10):
7.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fouché - O Génio Tenebroso, de Kim - Levoir

Ficha técnica
Fouché, o Génio Tenebroso
Autor: Kim
Editora: Levoir
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 200 x 290 mm
Lançamento: Abril de 2025

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