segunda-feira, 14 de julho de 2025

Análise: CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina

Se há série de banda desenhada que tem um valor histórico mais do que pertinente, por nos dar um vislumbre do passado recente bélico nacional, essa série dá pelo nome de CoBrA. Recentemente, o terceiro livro da mesma, extraído da mente de Marco Calhorda, argumentista e mentor da franquia, foi editado pela Ala dos Livros. E novamente temos um novo ilustrador para a história. Depois de Daniel Maia e Zoran Jovici, que ilustraram, respetivamente, Operação Goa e o primeiro tomo de Operação Conacri, é a vez de Osvaldo Medina, uma referência na banda desenhada nacional, se juntar à série.

Este Cobra - Operação Conacri - Tomo 2, tal como o nome assim revela, é pois a segunda e última parte do segundo arco narrativo da série.

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
Dando continuidade ao trabalho iniciado por Marco Calhorda e Zoran Jovicic no primeiro tomo de Operação Conacri, este volume mergulha o leitor numa das operações militares mais secretas e controversas da história recente de Portugal: a tentativa de derrube do regime guineense aliado do PAIGC, numa manobra conhecida como Operação Mar Verde, que foi levada a cabo já durante os últimos anos do Estado Novo. Este episódio, largamente esquecido ou silenciado nas narrativas oficiais, é recuperado aqui com um impressionante sentido de rigor e coragem, por parte de Marco Calhorda, ainda que, e felizmente, esta seja uma história de ficção. Com um pé no rigor histórico e outro no entretenimento. E esse pode muito bem ser o seu principal trunfo.

A série CoBrA tem-se afirmado ao longo dos seus vários tomos, aliás, como uma proposta narrativa e historicamente pertinente, pois não só oferece um mergulho nas missões secretas do exército português, como também aborda as ramificações políticas e geoestratégicas dessas ações, muitas vezes orquestradas à margem das instituições formais. E este novo volume da série volta a ser exemplar nesse sentido, destacando, também, o papel de Jorge Jardim, figura influente nas sombras do colonialismo tardio, cuja atividade junto de redes internacionais e mercenárias o tornaram num dos principais mentores destas operações encobertas. Ainda que, no caso concreto, Jorge Jardim até não tenha, desta vez, um papel tão ativo como nos dois livros anteriores.

Neste segundo tomo de Operação Conacri, acompanhamos a necessidade de reação por parte do governo português face ao massacre dos majores e à situação independentista na Guiné que, no início dos anos 70, se começava a agravar cada vez mais. Foi neste cenário que Marcelo Caetano aprovou uma missão militar sem precedentes para o exército português e onde, mais uma vez, a agência CoBrA foi figura central. Esta foi, aliás, a maior operação clandestina realizada pelas forças militares portuguesas.

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
Em termos históricos, o valor documental de Operação Conacri - Tomo 2 é inegável. Ao retratar a Operação Mar Verde, ainda que de uma forma ficcionada, o livro levanta o véu sobre uma faceta menos explorada da Guerra Colonial, revelando-nos uma guerra obscura, onde a espionagem, os golpes falhados e as redes internacionais de interesses assumiram um protagonismo letal. 

A série CoBrA tem sido exemplar ao abordar episódios pouco conhecidos da história portuguesa, dando-lhes corpo através da banda desenhada e assumindo-se numa "espionagem à portuguesa". Em vez de perpetuar mitos ou versões simplificadas, vê-se que há um esforço dos autores em alicerçar a narrativa em factos e documentos reais. E isso merece os meus louvores. 

Neste tomo, Marco Calhorda continua a aperfeiçoar o seu trabalho de escrita. Nota-se uma evolução clara na estrutura narrativa, tornando-a menos confusa e isso é especialmente visível na forma como as legendas são trabalhadas e otimizadas. Há um maior cuidado em contextualizar o leitor, explicando onde e quando se passam os eventos, o que permite um acompanhamento mais fluído da história. Pode parecer um detalhe menor, mas é precisamente esse tipo de escolhas que demonstra maturidade autoral e que proporciona uma leitura mais imersiva e acessível, especialmente para os leitores menos familiarizados com os eventos retratados.

O trabalho de Osvaldo Medina é outro dos pontos fortes desta edição. Com um traço limpo, expressivo e um belo uso do preto e branco puro, o autor confere ao livro uma intensidade gráfica que casa bem com a tensão da narrativa. O seu domínio do claro-escuro reforça a atmosfera de clandestinidade e perigo que atravessa a história. Enquanto admirador do seu trabalho noutras obras, não posso deixar de sublinhar que, também aqui, Osvaldo Medina não desilude e continua a afirmar-se como um dos grandes talentos da banda desenhada nacional.

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
No entanto, essa opção estética de ter um desenho mais "cartoonesco" do que nos dois álbuns anteriores da série, acaba por criar uma fratura visual dentro da própria franquia CoBrA. O contraste com o estilo mais realista de Daniel Maia e de Zoran Jovicic é inevitável. Para leitores que seguem a série desde o início, essa dissonância pode criar um certo estranhamento, comprometendo parcialmente a continuidade visual da obra. Note-se que esta diferença não diz respeito à qualidade do trabalho, mas sim à coerência gráfica entre os volumes. 

O trabalho de Osvaldo Medina não é melhor, nem pior do que o de Daniel Maia ou Zoran Jovicic... é diferente. E talvez esta questão se dissipasse caso Osvaldo Medina tivesse sido responsável por um tomo independente, com uma história auto-conclusiva dentro do universo de CoBrA. Aí, o seu estilo distinto poderia brilhar com maior autonomia, sem provocar o tipo de ruturas visuais que se sentem ao mudar de artista a meio de um arco narrativo. Mas como o autor desenhou a segunda parte de um arco narrativo, parece-me que talvez devesse ter havido um menor corte em termos visuais, mesmo admitindo que, não obstante, o contributo artístico de Osvaldo Medina enriqueça o livro e lhe traga um vigor gráfico notável.

Abordando a edição da Ala dos Livros, estamos perante um bom trabalho. O livro apresenta capa dura com revestimento em tecido e uma sobrecapa. No interior, o papel utilizado é brilhante e de boa qualidade e o trabalho de encadernação e impressão é bom. Há um prefácio assinado por Abílio Pires Lousada, Militar Historiador, e, no final do livro, há documentos (com QR Code) que permitem que o leitor possa fazer a ponte para a base verídica e histórica dos eventos retratados no livro. Há ainda um conjunto de fotografias de época e o esboço de duas páginas para Operação Porto, que deverá ser o quarto e último volume da série CoBrA.

Em suma, este novo tomo consolida a importância de CoBrA enquanto projeto editorial de BD que não teme mergulhar nos episódios mais obscuros da nossa história militar contemporânea. Apesar da diferença de estilos entre Osvaldo Medina e os ilustradores dos dois volumes anteriores da série, a obra mantém-se sólida e envolvente, cumprindo o duplo propósito de entreter e informar. O leitor sai da leitura não apenas com uma história tensa e bem construída, mas também com um entendimento mais complexo da realidade portuguesa no final do Estado Novo.


NOTA FINAL (1/10):
8.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros

Ficha técnica
CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2
Autores: Marco Calhorda e Osvaldo Medina
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 270 mm
Lançamento: Maio de 2025

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