segunda-feira, 28 de julho de 2025

Análise: Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1

Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994) - O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf - ASA - LeYa

Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994) - O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf - ASA - LeYa
Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994), de Riad Sattouf

Foi recentemente que a editora ASA nos fez chegar Eu, Fadi - O Irmão Raptado, de Riad Sattouf, que volta a dar-nos a história biográfica da família Sattouf. Se, nos seis volumes de O Árabe do Futuro, a história nos era contada através da perspetiva do próprio Riad Sattouf, que nos revelou a sua experiência desafiante de ser filho de pai sírio e mãe francesa, nesta nova série, que funciona como spinoff da série principal, acompanhamos a experiência direta de Fadi, o irmão mais novo de Riad, quando o pai de ambos decide voltar para a Síria levando o seu filho mais novo consigo. 

A base de argumento para este livro resultou das entrevistas que, em 2011 e 2012, Riad fez ao seu próprio irmão Fadi e é a personagem de Fadi quem assume o papel de narrador, reconstituindo os momentos marcantes da sua infância entre a Bretanha, em França, e a Síria, país para onde foi levado pelo pai. É esperado que esta mini-série seja concluída ao cabo de três volumes. 

Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994) - O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf - ASA - LeYa
Há, sem dúvida, uma sensação de déjà vu ao voltarmos a visitar os acontecimentos que marcaram a vida da família Sattouf, especialmente para quem acompanhou a série principal. No entanto, esta repetição tem o seu mérito: ao vermos tudo pela perspetiva de Fadi, a narrativa ganha um novo sabor e uma segunda leitura, revelando aspetos emocionais e psicológicos diferentes dos que foram relatados por Riad. Por conseguinte, a obra não atinge a mesma capacidade de espantar o leitor como O Árabe do Futuro conquistou, mas funciona como uma espécie de complemento ou expansão do universo narrativo criado por Sattouf. E, por esse motivo, é bem-vinda.

E é inegável que o estilo narrativo de Riad Sattouf continua a cativar. A forma como o autor conjuga texto e imagem, humor e tragédia, inocência e crítica social, é magistral. É fácil perdermo-nos nas páginas, seguindo as emoções do jovem Fadi, sentindo a sua confusão, a sua saudade pela mãe, a sua adaptação forçada a uma realidade cultural e familiar tão diferente daquela que conhecia. Nessa vertente, talvez este Eu, Fadi - O Irmão Raptado até seja uma obra mais dura e dramática do que O Árabe do Futuro.

Mesmo assim, o humor é um elemento que vai aparecendo até nos momentos mais dolorosos. Esta é uma característica que Sattouf domina como poucos. Há uma ironia subtil, muitas vezes expressa nos diálogos infantis ou nas observações ingénuas do narrador, que torna a leitura mais leve sem nunca desvalorizar o sofrimento real por detrás dos acontecimentos.

Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994) - O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf - ASA - LeYa
Mas, lá está, vista pelos olhos de Fadi, até diria que a figura do pai sai ainda mais manchada. Se nos volumes da série principal, o pai de Riad e Fadi me fez rir muito com a sua postura, aqui o seu retrato é mais cru e obviamente errado, levando o leitor a questionar ainda mais o porquê de tamanho egoísmo e maldade em raptar o próprio filho. Acaba, pois, por ser um livro mais deprimente do que os da série principal.

E é impossível não destacar o que o livro revela sobre os laços familiares, os choques culturais e o trauma da separação parental: Fadi, como qualquer criança, é apanhado no meio de decisões adultas, sem entender completamente as razões nem os impactos. É essa incompreensão, aliada à sinceridade do olhar infantil, que torna o livro comovente e que justifica plenamente a sua existência dentro do universo Sattouf.

Para quem já é fã da série, como eu, este livro é um regresso mais do que bem-vindo ao universo de Riad Sattouf. A familiaridade com as personagens e com os contextos geográficos e históricos só enriquece a experiência. E ver os mesmos eventos sob o olhar do irmão mais novo proporciona novos ângulos, novas interpretações, e uma camada adicional de emoção e empatia.

No entanto, para aqueles que leram, mas não se apaixonaram pela série principal, este volume talvez não tenha a força suficiente para os reconquistar. A ausência da característica "novidade" pode tornar a leitura menos impactante para esses leitores.

Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994) - O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf - ASA - LeYa
Quanto aos que ainda não conhecem a série, talvez não seja este o melhor ponto de partida, também. A esses, eu recomendaria que fossem ler primeiro O Árabe do Futuro, pois Eu, Fadi - O Irmão Raptado funciona melhor como uma leitura complementar, que aprofunda personagens já conhecidas. Portanto, para quem quer mergulhar pela primeira vez no mundo narrativo de Sattouf, a recomendação mais lógica continua a ser começar por O Árabe do Futuro

Escrito assim, posso estar a dar-vos a falsa ideia de que não gostei deste livro ou que não o li com uma enorme avidez como li os livros anteriores. Mas não foi o caso, pois, na verdade, também adorei este livro. Simplesmente o acho um pouco mais redundante. É bom, mas é um pouco "mais do mesmo". Portanto, se são como eu e adoram a série, não percam mais tempo e leiam também este Eu, Fadi - O Irmão Raptado.

De resto, permitam-me ainda referir que, em termos gráficos, o livro mantém a qualidade visual a que Sattouf já nos habituou. O traço é expressivo, simples, mas extremamente eficaz. A paleta de cores, em que há uma cor dominante que vai mudando ao longo do livro, e a expressividade das personagens contribuem para uma leitura fluida e emocionalmente envolvente. Volta a ser "mais do mesmo", mas no melhor sentido da expressão.

Quanto à edição da ASA, o livro é semelhante ao da restante coleção de O Árabe do Futuro, apresentando capa mole baça, com badanas, e bom papel baço no interior do livro, além de boas encadernação e impressão. O destaque vai para o facto de a chancela que publica esta coleção ter deixado de ser a Teorema para passar a ser a ASA. É claro que o grupo editorial LeYa se mantém o mesmo, mas parece-me que esta alteração da Teorema para a ASA é uma prova clara do envolvimento, especialização e reposicionamento da ASA no lançamento de banda desenhada. Quanto a mim, faz todo o sentido, pois permite que os leitores não se percam face aos lançamentos que são dedicados à banda desenhada.

Portanto, em suma, embora haja uma certa sensação de redundância neste Eu, Fadi - O Irmão Raptado, não se pode dizer que o livro seja um derivado oportunista da série principal, pois é uma obra emocional, honesta e artisticamente cuidada, que oferece uma nova lente sobre eventos já narrados, provando mais uma vez que a qualidade narrativa de Riad Sattouf é uma constante garantida. Recomenda-se.


NOTA FINAL (1/10):
8.6



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994) - O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf - ASA - LeYa

Ficha técnica
Eu, Fadi - O Irmão Raptado - Tomo 1 (1986-1994)
Autor: Riad Sattouf
Editora: ASA
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa mole, com badanas
Formato: 240 x 171
Lançamento: Maio de 2025

1 comentário:

  1. Sabe-se quantos volumes serão? Este é um dos problemas com este autor. No Árabe do Futuro foram 6...

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