sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Análise: Os Filhos do Império #1

Os Filhos do Império #1, de Yudori - ASA - LeYa

Os Filhos do Império #1, de Yudori

Os Filhos do Império, da autora sul-coreana Yudori, é uma das mais recentes obras editadas pela editora ASA. Trata-se do primeiro tomo de uma narrativa que se desenrola na Coreia, em 1929, durante a ocupação japonesa, uma época marcada por intensos conflitos identitários e políticos. A cidade de Gyeongseong (que hoje conhecemos como Seul) serve como cenário para esta história onde o peso da tradição coreana se cruza com a influência crescente do Ocidente e, claro, a opressão colonial nipónica. É, pois, num contexto carregado de tensão que acompanhamos a (con)vivência das duas figuras centrais: Arisa Jo, filha de um rico comerciante, e Jun Seomoon, descendente de uma nobreza já sem poder e sem dinheiro.

E começo já por dizer que estes dois protagonistas representam mais do que apenas personagens ficcionais, pois são, em si, símbolos das forças que moldavam a Coreia do início do século XX. Arisa, com os seus modos decididos, a sua postura confiante e a recusa em aceitar as normas impostas às mulheres da sua época, é a representação máxima do espírito moderno e progressista que se insinuava, paulatinamente, na Coreia. Já Jun, preso a ideais de honra, hierarquia e moralidade tradicional extremas, espelha a dificuldade em aceitar um mundo em transformação. Não se trata, portanto, de um mero conflito de personalidades aquilo que a autora Yudori nos propõe, mas de uma colisão entre dois mundos: o velho e o novo, o masculino e o feminino, o opressor e o subjugado... a Coreia do Norte e a Coreia do Sul? 

Os Filhos do Império #1, de Yudori - ASA - LeYa
Um dos temas centrais é, com efeito, a emancipação feminina, e aqui Arisa brilha. Esta jovem é moderna, segura, e move-se com uma liberdade que desafia as convenções sociais do seu tempo. Demonstrando-se, com delicadeza e de uma forma natural, fora dos moldes tradicionais, Arisa é uma mulher que desafia os padrões e é exatamente isso que desconcerta Jun, rapaz criado num mundo onde as mulheres devem ser recatadas, obedientes e previsíveis. Hoje, o comportamento de Arisa parecer-nos-ia normal e até é provável que aquilo que consideramos mais chocante e anormal seja o comportamento do rapaz e não tanto o da rapariga... Mas à luz dos anos 20 coreanos? Arisa seria sinónimo de puro escândalo!

E Jun não consegue compreender nem aceitar a postura da bela rapariga. Ela é, para ele, uma anomalia. Mas é precisamente nesse choque, nessa tensão constante entre repulsa e fascínio, que a narrativa ganha força. Por vezes, até pode parecer que o comportamento das personagens, especialmente o de Jun, é bastante exagerado nas reações, o que pode tornar a obra mais infantil. No entanto, devo dizer que a dinâmica entre as personagens vai agarrando o leitor. Dado o ritmo lento da obra, comecei a leitura com pouco entusiasmo, reconheço, mas também me vejo obrigado a admitir que me fui interessando cada vez mais pelo desenlace da relação destas duas personagens, tendo acabado por ler este livro num sopro, de forma sôfrega.

Apesar da ausência de grandes reviravoltas, a leitura acabou por ser envolvente, portanto. Há algo de hipnótico na forma como Yudori constrói o ambiente e as relações entre personagens. Aquilo que ao início parecia leve, quase juvenil, foi ganhando densidade à medida que progredia na leitura. Conforme as páginas vão passando, o leitor começa a perceber as camadas que estão a ser construídas. E o que parecia um relato leve revela-se uma história com implicações (mais) sérias, emocionais e políticas. Não é que nos prenda pela ação, que é quase inexistente, mas agarra-nos pela atmosfera e pelas questões que levanta. 

No entanto, mantenho alguma contenção na análise a esta obra, pois "o jogo" ainda está bastante em aberto, com este primeiro volume a ser mais uma preparação do que um desenvolvimento. Pouca coisa acontece, o ritmo é lento, e temos a sensação de que a autora está a montar o "palco", mais do que a dar início ao "espetáculo". Isso pode frustrar alguns leitores, mas para mim foi um convite à imersão. Um lento mergulho numa época histórica complexa. Pode vir algo mais fantástico com o desenvolvimento da trama no futuro, mas também pode ser algo que fica pela rama. Como tal, estou otimista, mas com um otimismo contido.

Os Filhos do Império #1, de Yudori - ASA - LeYa
Visualmente, o uso de ilustração digital resulta em cenários algo crus e numa textura que pode parecer artificial. A ausência de detalhe em certos momentos e o contraste entre personagens e fundos criam uma sensação de estranhamento que poderá prejudicar a imersão inicial. No entanto, esta impressão tende a suavizar-se à medida que avançamos na leitura. Além de que há muitas ilustrações belíssimas, especialmente no tratamento das personagens e das suas expressões, que parecem extraídas de um filme de Miyazaki. Essa parte é tão boa que, se na parte dos cenários houvesse mais detalhe e aprumo, poderíamos estar a falar de uma obra verdadeiramente perfeita em termos visuais. Seja como for, na componente gráfica, há uma harmonia que se vai revelando, gradualmente, com o tempo. Há ali uma elegância discreta, que se impõe sem fazer alarde. O cuidado da autora no tratamento do vestuário de época também merece menção positiva.

Em termos de desenho, torna-se portanto evidente, com o tempo, que há uma elegância própria nos desenhos de Yudori. O estilo, ainda que contido, tem coerência. A composição das cenas obedece a uma lógica visual clara, e há um equilíbrio entre simplicidade e intenção, o que revela uma maturidade estética considerável. 

Quanto à edição, o livro apresenta-se muito apelativo. Tem capa dura baça, um bom grafismo, bom papel baço no interior e boa encadernação e impressão. No final do livro há um conjunto de notas da autora, em que a mesma nos oferece, através de uma banda desenhada a preto e branco, e num registo mais divertido, despreocupado e esboçado, relevantes informações sobre a época, indumentárias e personagens do livro. Já agora, refiro que no final de cada capítulo também costuma haver uma página com estas informações adicionais. Algo que acrescenta boas informações à experiência global de leitura. Uma nota menos positiva para a balonagem que utilizando muitas transparências e uma font menos apropriada, quanto a mim, para as legendas, quebrou um pouco da imersão na obra.

Em suma, Os Filhos do Império é uma daquelas obras que ainda não revelou tudo o que pode ser. O potencial está lá: há personagens interessantes, um contexto histórico rico e vários temas relevantes. Mas "a missa ainda vai no adro" e é o segundo volume que ditará se esta série se tornará memorável ou não. Ainda assim, esta introdução deixou-me curioso e, mais importante, envolvido.

NOTA FINAL (1/10):
8.1


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Os Filhos do Império #1, de Yudori - ASA - LeYa

Ficha técnica
Os Filhos do Império 1
Autora: Yudori
Editora: ASA
Páginas: 224, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 241 x 170
Lançamento: Junho de 2025

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